
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002451-81.2021.4.03.6134
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: CIA DE GASTRONOMIA LTDA
Advogado do(a) APELANTE: JOSEMAR ESTIGARIBIA - SP96217-A
APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM PIRACICABA//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002451-81.2021.4.03.6134
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: CIA DE GASTRONOMIA LTDA
Advogado do(a) APELANTE: JOSEMAR ESTIGARIBIA - SP96217-A
APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM PIRACICABA//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação à sentença que julgou improcedente mandado de segurança em que se pleiteava a inclusão da empregada em afastamento por licença maternidade ante ao risco imposto pela pandemia, a compensação dos salários pagos pela impetrante, com as contribuições incidentes sobre a folha de salários e a inclusão no sistema de Previdência Social por afastamento por licença maternidade antecipada da empregada da impetrante.
Alegou-se, em síntese: (1) que a sentença carece de fundamentação para denegar o direito líquido e certo da apelante; (2) os custos com o afastamento das empregadas gestantes não podem ser arcados exclusivamente pela empresa, devendo ser realizada uma interpretação ponderada da legislação; (3) não é jurídico nem justo impedir a apelante de incluir, no salário-maternidade pago pelo INSS, a remuneração que está obrigada a pagar à empregada por força da Lei 14.151/2021, o que cria situação injusta, o que configura tratamento desigual em relação ao que ocorre, por exemplo, no caso de afastamento da gestante por insalubridade; (4) há previsão expressa na Convenção 103, OIT no sentido de que cabe ao Estado, e não ao empregador, arcar com os custos sociais da proteção à maternidade; e (5) revela ainda mais a violação à isonomia e inconstitucionalidade da Lei 14.151/2021 a previsão de impossibilidade da suspensão do contrato da gestante, a presente situação amolda-se à hipótese do artigo 394-A, de concessão de salário-maternidade antecipado.
Houve contrarrazões.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002451-81.2021.4.03.6134
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: CIA DE GASTRONOMIA LTDA
Advogado do(a) APELANTE: JOSEMAR ESTIGARIBIA - SP96217-A
APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM PIRACICABA//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
V O T O
Senhores Desembargadores, não se discute no caso concessão de benefício previdenciário, até porque não teria o empregador legitimidade ativa para tanto, restando claro que a pretensão envolve aspecto tributário no sentido de que sejam considerados como pagamento de salário-maternidade, para efeito de compensação ou redução do valor de contribuições previdenciárias, pagamentos salariais, valores pagos a título de remuneração a empregadas gestantes, afastadas da atividade presencial, nos termos das Leis 14.151/2021 e 14.311/2022, daí porque não ser legitimado o INSS a integrar a lide.
Tal percepção resulta, de resto, do próprio entendimento do Órgão Especial da Corte que, ao ser provocado a decidir a competência para feitos como o presente, assentou a natureza não previdenciária da pretensão, reconhecendo, ao fim, caber às Turmas da 1ª Seção o exame de tais causas (v.g.: CC 5022952-28.2021.4.03.0000).
Logo, correta a integração da lide somente com a União, face ao pedido de compensação de valores, que se pretende equiparar a salário-maternidade, com contribuições previdenciárias especificadas.
No mérito, não se cuida, como ressaltado, sequer de indébito fiscal, pois o que se pretende é transformar, por decisão judicial, pagamento de remuneração integral à empregada gestante, obrigatoriamente afastada do trabalho presencial no curso da pandemia, em salário-maternidade para compensação, nos termos do § 1º do artigo 72 da Lei 8.213/1991.
Sucede que tal dispositivo legal trata da responsabilidade da empresa de pagar salário-maternidade, como tal caracterizado segundo requisitos dos artigos 71 e seguintes da Lei 8.213/1991, à segurada empregada ou trabalhadora avulsa, equivalente à remuneração integral, sendo que o fundamento legal do pedido veiculado não é tal preceito legal, mas as Leis 14.151/2021 e 14.311/2022.
A Lei 14.151, de 12/05/2021, na redação originária, previu afastamento obrigatório de empregada gestante de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública do Covid-19, norma alterada pela Lei 14.311, de 09/03/2022, que afastou apenas empregadas gestantes sem imunização integral, garantida remuneração integral se, à disposição do empregador, houver teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, facultada a alteração de funções para compatibilizá-las com a nova forma de prestação do serviço, desde que respeitadas competências para o desempenho do trabalho e condições pessoais da gestante para o exercício.
Ao assim estipular, a legislação fixou responsabilidades do empregador e prerrogativas correspondentes de revisão da forma de prestação de serviço, sem definir responsabilidades patrimoniais da União, como aventado e que, para atribuição, dependeria de previsão legal específica no próprio texto de regência do afastamento obrigatório no contexto da pandemia.
A imputação de responsabilidade patrimonial à União não pode ser sequer reconhecida com fundamento no artigo 394-A, CLT, cujo § 3º dispôs que: “Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento”.
O preceito legal, instituído na reforma trabalhista de 2017, distinguia insalubridade em grau máximo e em graus médio e mínimo para exigir, quanto a estas, atestado de saúde, o que foi declarado inconstitucional na ADI 5.938. Durante a gestação, portanto, qualquer grau de insalubridade gera afastamento da empregada conforme caput, prevendo o § 3º que, não sendo possível exercer atividade em local salubre na empresa, a hipótese é considerada gravidez de risco para percepção de salário-maternidade.
A norma celetista tem alcance definido e específico, que não se confunde com a disciplina das Leis 14.151/2021 e 14.311/2022, sendo inviável cogitar da combinação de leis para instituir regime legal distinto de ambas, pois corresponderia à criação de lei nova, vedado ao Poder Judiciário mesmo no controle de constitucionalidade.
A discussão sobre serem mais graves e amplos os efeitos da pandemia em relação à insalubridade no ambiente de trabalho, concerne a aspecto sanitário, que não dispensa, porém, constitucionalmente, a exigência de lei não apenas para prever benefício previdenciário como para instituir a respectiva fonte de custeio.
Portanto, ainda que, em tese, se defenda que o legislador deveria ter previsto, para a pandemia, concessão de salário-maternidade nas mesmas condições da norma celetista de insalubridade no ambiente de trabalho, é inequívoco que não o fez, ao apenas garantir remuneração integral à empregada gestante e o direito do empregador de adequar as respectivas funções ao trabalho não presencial dentro dos limites da legislação reguladora.
Se houve nisto inconstitucionalidade, ao demasiadamente onerar o empregador, pois algumas atividades não podem ser adequadas para teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, por sua natureza, a nulidade alcançaria apenas a previsão de afastamento obrigatório, sem gerar, porém, como efeito, qualquer responsabilidade da União como contrapartida ao encargo, por decisão judicial.
A construção jurisprudencial, com invasão de competência do Poder Legislativo, é inconstitucional não apenas pelo princípio da separação e independência dos Poderes, como por provocar, ainda, reflexos no orçamento público, gerando despesas previdenciárias sem correspondente fonte de custeio (artigo 195, § 7º, CF), contrariando os princípios do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (artigo 201, CF).
Nestes termos, inviável cogitar, pois, do direito a computar o empregador, como salário-maternidade, para efeito do artigo 72, § 1º, da Lei 8.213/1991, pagamentos feitos a empregadas gestantes durante o afastamento obrigatório previsto nas Leis 14.151/2021 e 14.311/2022.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
Sem condenação em honorários advocatícios, pois inaplicável à espécie (artigo 25 da Lei 12.016/2009; Súmulas 512/STF e 105/STJ).
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AFASTAMENTO DE EMPREGADA GESTANTE. LEIS 14.151/2021 E 14.311/2022. ARTIGO 72, § 1º, DA LEI 8.213/1991. REMUNERAÇÃO INTEGRAL PAGA REENQUADRADA COMO SALÁRIO-MATERNIDADE PARA EFEITO DE COMPENSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIOS VETORES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. LEGALIDADE, FONTE DE CUSTEIO E EQUILÍBRIO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO.
1. Não se discute no caso concessão de benefício previdenciário, até porque não teria o empregador legitimidade ativa para tanto, restando claro que a pretensão envolve aspecto tributário no sentido de que sejam considerados como pagamento de salário-maternidade, para efeito de compensação ou redução do valor de contribuições previdenciárias, pagamentos salariais, valores pagos a título de remuneração a empregadas gestantes, afastadas da atividade presencial, nos termos das Leis 14.151/2021 e 14.311/2022, daí porque não ser legitimado o INSS a integrar a lide.
2. Não se cuida, no caso, sequer de indébito fiscal, pois o que se pretende é transformar, por decisão judicial, pagamento de remuneração integral à empregada gestante, obrigatoriamente afastada do trabalho presencial no curso da pandemia, em salário-maternidade para compensação, nos termos do § 1º do artigo 72 da Lei 8.213/1991, preceito este que trata da responsabilidade da empresa de pagar salário-maternidade, como tal caracterizado segundo os requisitos dos artigos 71 e seguintes da Lei 8.213/1991, à segurada empregada ou trabalhadora avulsa, equivalente à remuneração integral, não se relacionando tal dispositivo com as Leis 14.151/2021 e 14.311/2022.
3. A Lei 14.151, de 12/05/2021, na redação originária, previu afastamento obrigatório de empregada gestante de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública do Covid-19, norma alterada pela Lei 14.311, de 09/03/2022, que afastou apenas empregadas gestantes sem imunização integral, garantida remuneração integral se, à disposição do empregador, houver teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, facultada a alteração de funções para compatibilizá-las com a nova forma de prestação do serviço, desde que respeitadas competências para o desempenho do trabalho e condições pessoais da gestante para o exercício. Ao assim estipular, a legislação fixou responsabilidades do empregador e prerrogativas correspondentes de revisão da forma de prestação de serviço, sem definir responsabilidades patrimoniais da União, como aventado e que, para atribuição, dependeria de previsão legal específica no próprio texto de regência do afastamento obrigatório no contexto da pandemia.
4. A imputação de responsabilidade patrimonial à União não pode ser sequer reconhecida com fundamento no artigo 394-A, § 3º, CLT, que foi instituído na reforma trabalhista de 2017, distinguindo insalubridade em grau máximo e em graus médio e mínimo para exigir, quanto a estas, atestado de saúde, o que foi declarado inconstitucional na ADI 5.938. Durante a gestação, qualquer grau de insalubridade gera afastamento da empregada conforme caput, prevendo o § 3º que, não sendo possível exercer atividade em local salubre na empresa, a hipótese é considerada gravidez de risco para percepção de salário-maternidade. Tal norma tem alcance definido e específico, que não se confunde com a disciplina das Leis 14.151/2021 e 14.311/2022, sendo inviável cogitar da combinação de leis para instituir regime legal distinto de ambas, pois corresponderia à criação de lei nova, vedado ao Poder Judiciário mesmo no controle de constitucionalidade.
5. A discussão sobre serem mais graves e amplos os efeitos da pandemia em relação à insalubridade no ambiente de trabalho, concerne a aspecto sanitário, que não dispensa, porém, constitucionalmente, a exigência de lei não apenas para prever benefício previdenciário como para instituir a respectiva fonte de custeio. Ainda que, em tese, se defenda que o legislador deveria ter previsto, para a pandemia, concessão de salário-maternidade nas mesmas condições da norma celetista de insalubridade no ambiente de trabalho, é inequívoco que não o fez, ao apenas garantir remuneração integral à empregada gestante e o direito do empregador de adequar as respectivas funções ao trabalho não presencial dentro dos limites da legislação reguladora. Se houve nisto inconstitucionalidade, ao demasiadamente onerar o empregador, pois algumas atividades não podem ser adequadas para teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, por sua natureza, a nulidade alcançaria apenas a previsão de afastamento obrigatório, sem gerar, porém, como efeito, qualquer responsabilidade da União como contrapartida ao encargo, por decisão judicial. A construção jurisprudencial, com invasão de competência do Poder Legislativo, é inconstitucional não apenas pelo princípio da separação e independência dos Poderes, como por provocar, ainda, reflexos no orçamento público, gerando despesas previdenciárias sem correspondente fonte de custeio (artigo 195, § 7º, CF), contrariando os princípios do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (artigo 201, CF).
6. Apelação desprovida.
