Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5006355-56.2017.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA
Órgão Julgador
3ª Turma
Data do Julgamento
19/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 22/06/2020
Ementa
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA.PESSOA FÍSICA.
ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LEI 7.713/1988, ARTIGO 6º, XIV. VALORES DE RESGATE DE
PLANO VGBL. NATUREZA JURÍDICA DÚPLICE. CARACTERIZAÇÃO LEGAL COMO
PROVENTO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. RECURSO DESPROVIDO.
1. Épacífico na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça que o investimento VGBL
possui natureza securitária. De sua parte, a Lei 11.053/2004 expressamente, caracteriza como
"plano de benefício de caráter previdenciário" os "planos de seguro de vida com cláusula de
cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo
beneficiário" (Art. 1º, § 1º, II), ao que corresponde, exatamente, a definição dos investimentos
"Vida Gerador de Benefício Livre" (VGBL), nos termos da Resolução CNSP 348/2017 (artigo 2º,
combinado com artigo 7º, I).
2. Não há que se cogitar de interpretação extensiva de benefício fiscal. Trata-se, em verdade, de
mero silogismo lógico-normativo: se a lei admite isenção sobre proventos de aposentadoria, e há
lei a caracterizaro VGBL como plano de previdência complementar (que, por sua vez, segundo
entendimento igualmente pacífico da CorteSuperior, estão albergados na previsão do artigo 6º,
XIV da Lei 7.713/1988), conclui-se que os resgastes de VGBL enquadram-se naisenção fiscal.
3. Não há como se admitir, por outro lado,que a fenomenologia de fatos e negócios jurídicos seja
modificada livremente pela legislação para aplicação exclusivano que for do interesse do Fisco. A
consistência interna do ordenamento tributário exige trato uniforme dos institutos e conceitos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
manejados para definição das regras de incidência nas normas de regulamentação e tributação.
Por outro lado, nada há a impedir, por princípio, que, preservado talparâmetro de consistência,
possa determinadoinvestimento possuirnatureza jurídica dúplice (securitária e previdenciária).
4. Apelo fazendário e remessa oficial desprovidos.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006355-56.2017.4.03.6100
RELATOR:Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: CARMEN DE BARROS FORNI
Advogado do(a) APELADO: VANESSA OLIVEIRA NARDELLA DOS ANJOS - SP181483-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006355-56.2017.4.03.6100
RELATOR:Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: CARMEN DE BARROS FORNI
Advogado do(a) APELADO: VANESSA OLIVEIRA NARDELLA DOS ANJOS - SP181483-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de remessa oficial e apelação fazendária à sentença concessiva de ordem, em mandado
de segurança impetrado para obstar retençãode imposto de renda sobreo resgate de valores
investidos em plano VGBL ("Vida Gerador de Benefícios Livre"), em razão de diagnóstico
depatologia correspondente ao CID I64– Acidente Vascular Cerebral, moléstia grave prevista
como ensejadora de isenção dotributo sobre proventos de aposentadoria, nos termos da Lei
7.713/1988.
Alegou o órgão fazendário, em síntese, que: (1) o plano VGBL, diferentemente do PGBL, não
caracteriza previdência complementar, mas simseguro de caráter pessoal, tanto que
regulamentado pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), na forma da Resolução
140/2005; (2) o sítio eletrônico da SUSEP igualmente esclarece que o VGBL é seguro de vida; e
(3) uma vez enquadrado como seguro de pessoas, os rendimentos percebidos não são passíveis
de isenção, já que a interpretação do conteúdo do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 (que aborda
apenas provento de aposentadoria e reforma) deve ser literal (artigo 111, do CTN).
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinoupelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006355-56.2017.4.03.6100
RELATOR:Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: CARMEN DE BARROS FORNI
Advogado do(a) APELADO: VANESSA OLIVEIRA NARDELLA DOS ANJOS - SP181483-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Senhores Desembargadores, cumpre, por primeiro, esclarecer que não integra a controvérsia
nestes autos a subsunção da patologia que acomete a apelada aos modais elencados no artigo
6º, XIV, da Lei 7.713/1988. Com efeito, foi carreadaao feito prova documentalda publicação em
diário oficial de laudo médico, lavrado no âmbito do Instituto de Pagamentos Especiais de São
Paulo (IPESP), reconhecendo o direito da impetrante àisenção de imposto de renda pelo
enquadramento da doença contraída (CID I 64) no rol do referidodispositivo (IDs.124102072
e124102073).
Nesta linha, oescopo do feito restringe-se, unicamente, ao cabimento da aplicabilidadedeste
benefício aos resgates de valores aplicados em plano VGBL, usualmente referido como
modalidade de previdência complementar.
Primeiramente, cumpre destacar serpacífico na jurisprudência atual do Superior Tribunal de
Justiça que o investimento VGBL possui natureza securitária.
Neste sentido:
AgInt nos EDcl no AREsp 947.006, Rel. Des. Fed. Conv.LÁZARO GUIMARÃES DJe 21/05/2018:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. VALORES
DEPOSITADOS EM PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA (VGBL). DISPENSA DE COLAÇÃO.
NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O
Tribunal de origem, ao concluir que o Plano de Previdência Privada (VGBL), mantido pela
falecida, tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida e não pode ser enquadrado como
herança, inexistindo motivo para determinar a colação dos valores recebidos, decidiu em
conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.2. Nesse sentido: REsp
1.132.925/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 06/11/2013; REsp
803.299/PR, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão,
Quarta Turma, DJe de 03/04/2014; EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra Maria Isabel
Gallotti, DJe de 1º/08/2017.3. Inexistindo no acórdão recorrido qualquer descrição fática indicativa
de fraude ou nulidade do negócio jurídico por má-fé dos sujeitos envolvidos, conclusão diversa
demandaria, necessariamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, providência vedada
no recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido."
Contudo, observando-se os termos da sentença, colhe-se que esta circunstância foi
expressamente admitida pelo Juízoa quo. A concessão da ordem, em verdade, decorreu de
argumento sequer atacado no apelo, centrado no fato de que há norma legal caracterizando tal
investimento como plano de previdência complementar:
"(...)
Isso porque nos termos da Resolução n. 140/2005 do Conselho Nacional de Seguros Privados, o
VGBL é espécie de seguro de vida com cobertura de sobrevivência mediante o pagamento de
remuneração baseada na rentabilidade do(s) fundo(s) de investimento em que aplicados os
recursos, e estruturado em contribuição variável (art. 2º c/c art. 7º, I), o que o enquadra como
plano de benefício de caráter previdenciário nos termos da Lei n. 11.053/2004, que institui a
opção pela tributação regressiva de Imposto de Renda nesses planos, conforme se extrai de seus
artigos 1º, caput, e 1º, §1º, inciso II, in verbis:
(...)
Desta forma, se a legislação reconhece o caráter previdenciário para esse fim, há de reconhecê-
lo igualmente para as demais consequências dessa classificação, como a isenção prevista no
inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988, afigurando-se írrita a recusa em reconhecer a
exclusão tributária à autora no que tange ao imposto de renda incidente sobre o resgate de seu
plano VGBL, tendo em vista que foi devidamente constatada moléstia grave por laudo com
validade definitiva oriundo do IPESP, órgão oficial do Governo do Estado de São Paulo (ID
1284281), com a concessão, pelo mesmo órgão, de isenção de IR sobre os proventos de
aposentadoria (ID 1284291)."
É certo que a Resolução CNSP 140/2005 foi revogada pela Resolução CNSP 348/2017, porém
tais dispositivos mantiveram idêntica correspondência na nova regulamentação., conforme abaixo
elucidado:
"Art. 2º A cobertura por sobrevivência de que trata esta Resolução é estruturada sob o regime
financeiro de capitalização e tem por finalidade o pagamento do capital segurado, de uma única
vez ou sob forma de renda, a pessoas físicas vinculadas ou não a um estipulante.
Parágrafo único. Ressalvado o caso de concessão de renda imediata, adquirida mediante
pagamento único, o evento gerador do pagamento do capital segurado de que trata o caput será
sempre a sobrevivência do segurado ao período de diferimento contratualmente previsto.
(...)
Art. 7º Os planos serão dos seguintes tipos: I – Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), quando,
durante o período de diferimento, a remuneração da Provisão Matemática de Benefícios a
Conceder for baseada na rentabilidade da(s) carteira(s) de investimentos de FIE(s), no(s) qual(is)
esteja(m) aplicada(s) a totalidade dos respectivos recursos, sem garantia de remuneração mínima
e de atualização de valores e sempre estruturado na modalidade de contribuição variável;
(...)"
As normas referidas pertencentes à Lei 11.053/2004 prescrevem, por sua vez, que (grifos
nossos):
"Art. 1º É facultada aos participantes que ingressarem a partir de 1º de janeiro de 2005 em planos
de benefícios de caráter previdenciário, estruturados nas modalidades de contribuição definida ou
contribuição variável, das entidades de previdência complementar e das sociedades seguradoras,
a opção por regime de tributação no qual os valores pagos aos próprios participantes ou aos
assistidos, a título de benefícios ou resgates de valores acumulados, sujeitam-se à incidência de
imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas:
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se:
(...)
II - aos segurados que ingressarem a partir de 1º de janeiro de 2005 em planos de seguro de vida
com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer
título pelo beneficiário."
Diante deste cenário, uma vez que a Corte Superior igualmente possui posicionamento pacífico
em relação à subsunção dos valores percebidos em decorrência de plano de previdência
complementar à norma isentiva (v. g., AgInt no REsp 1.554.683, Rel. Min.GURGEL DE FARIA,
DJe 29/06/2018; REsp 1.507.320, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 20/02/2015), o feito foi
julgado procedente.
Ora, neste caso, não há que se cogitar que a conclusão da sentença decorre de interpretação
extensiva de benefício fiscal. Trata-se, em verdade, de mero silogismo lógico-normativo: se a lei
admite isenção sobre proventos de aposentadoria, e há lei que caracterizao VGBL como plano de
previdência complementar, conclui-se que os resgastes de VGBL são aptos ao gozo daisenção
fiscal. Não há como se admitir, por outro lado,que a fenomenologia de fatos e negócios jurídicos
seja modificada livremente pela legislação para aplicação exclusiva no quefor do interesse do
Fisco. A consistência interna do ordenamento tributário exige trato uniforme dos institutos e
conceitos manejados para definição das regras de incidência nas normas de regulamentação e
tributação.
Por fim, veja-se que nada há a impedir, por princípio, que, preservado este parâmetro de
consistência,determinado investimento possua natureza jurídica dúplice (securitária e
previdenciária). De outra parte, o fato de que os planosVGBL são regulamentados pelo CNSP
não induz qualquer óbice:os planos PGBL, em relação aos quais é pacífica a caracterização de
previdência complementar,também o são e, neste sentido, cabe citar, atítulo de exemplo, a
Resolução CNSP 349/2017, que possuiextensa regulamentação a respeito de taisinvestimentos.
Ante ao exposto, nego provimento ao apelo fazendário e à remessa oficial.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA.PESSOA FÍSICA.
ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LEI 7.713/1988, ARTIGO 6º, XIV. VALORES DE RESGATE DE
PLANO VGBL. NATUREZA JURÍDICA DÚPLICE. CARACTERIZAÇÃO LEGAL COMO
PROVENTO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. RECURSO DESPROVIDO.
1. Épacífico na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça que o investimento VGBL
possui natureza securitária. De sua parte, a Lei 11.053/2004 expressamente, caracteriza como
"plano de benefício de caráter previdenciário" os "planos de seguro de vida com cláusula de
cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo
beneficiário" (Art. 1º, § 1º, II), ao que corresponde, exatamente, a definição dos investimentos
"Vida Gerador de Benefício Livre" (VGBL), nos termos da Resolução CNSP 348/2017 (artigo 2º,
combinado com artigo 7º, I).
2. Não há que se cogitar de interpretação extensiva de benefício fiscal. Trata-se, em verdade, de
mero silogismo lógico-normativo: se a lei admite isenção sobre proventos de aposentadoria, e há
lei a caracterizaro VGBL como plano de previdência complementar (que, por sua vez, segundo
entendimento igualmente pacífico da CorteSuperior, estão albergados na previsão do artigo 6º,
XIV da Lei 7.713/1988), conclui-se que os resgastes de VGBL enquadram-se naisenção fiscal.
3. Não há como se admitir, por outro lado,que a fenomenologia de fatos e negócios jurídicos seja
modificada livremente pela legislação para aplicação exclusivano que for do interesse do Fisco. A
consistência interna do ordenamento tributário exige trato uniforme dos institutos e conceitos
manejados para definição das regras de incidência nas normas de regulamentação e tributação.
Por outro lado, nada há a impedir, por princípio, que, preservado talparâmetro de consistência,
possa determinadoinvestimento possuirnatureza jurídica dúplice (securitária e previdenciária).
4. Apelo fazendário e remessa oficial desprovidos. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por
unanimidade, negou provimento ao apelo fazendário e à remessa oficial., nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
