
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000820-81.2024.4.03.6107
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: LUIS FRANCISCO SANGALLI - SP250155-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000820-81.2024.4.03.6107
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: LUIS FRANCISCO SANGALLI - SP250155-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação de rito comum ajuizada pelo INSS em face de Maria Aparecida dos Santos, objetivando a anulação de sentença que homologou acordo entre as partes junto ao Juizado Especial Federal da Subseção Judiciária de Araçatuba/SP.
A r. sentença, proferida em 16.05.2024, indeferiu a petição inicial, e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, incisos I e VI, do CPC. Deixou de condenar em custas e em honorários. (ID 302291325)
Em suas razões recursais, o INSS requer, preliminarmente, a nulidade da sentença, com a declaração de competência absoluta do juízo recorrido – 1ª Vara Federal de Araçatuba/SP.
No mérito, pugna pela decretação de procedência do pedido, ao argumento de que preenche os requisitos legais para anulação do acordo homologado pela 1ª Vara Gabinete do Juizado Especial Federal de Araçatuba/SP nos autos do processo n° 0004498-07.2021.4.03.6331.
Pleiteia a concessão da tutela de urgência. Por fim, suscita o prequestionamento legal para fins de interposição de recursos. (ID 302291327).
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
dcm
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000820-81.2024.4.03.6107
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: LUIS FRANCISCO SANGALLI - SP250155-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
COMPETÊNCIA PARA ANÁLISE DA AÇÃO ANULATÓRIA
No presente caso, foi declarada a incompetência absoluta pela 1ª Vara Federal de Araçatuba/SP, sob fundamento de que “o pedido pode ser veiculado nos próprios autos em que proferida a sentença homologatória, dado o princípio da informalidade e celeridade presente nos processos que tramitam no Juizado Especial Federal” (ID 302291325).
Por sua vez, verifica-se que nos autos da ação proposta pelo INSS perante a 2ª Vara Gabinete do Juizado Especial Federal de Araçatuba/SP (proc. n° 5000887-53.2024.4.03.6331 – ID 302291327), restou extinto o processo, sem análise do mérito, com fundamento no artigo 6º da Lei n° 10.259/2001.
Nesse contexto, há que se ressaltar o teor do art. 5º XXXV, da Constituição Federal, o qual estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
No mesmo sentido, dispõe o art. 966, §4º, do CPC, in verbis:
“Art.966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.”
Sobre o tema, confira-se doutrina e jurisprudência, respectivamente:
“(...) 19. Âmbito da ação anulatória – parágrafo quarto. Não há mais a dúvida quanto a qual seria o instituto adequado para impugnar os atos de disposição de direitos – reconhecimento jurídico do pedido, renúncia à pretensão, transação – homologados em juízo serão anuláveis, e não rescindíveis. Também sujeitos à ação anulatória (art. 966, §4º.) são atos homologatórios praticados durante a execução e a sentença que homologa partilha amigável (art. 655).”
(Primeiro Comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo/ coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. 2ª ed. São Paulo: Revista os Tribunais, 2016, p. 1537)
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. PRETENSÃO DE RESCINDIR ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. MEIO INADEQUADO. NECESSIDADE DE AÇÃO ANULATÓRIA. PRECEDENTES. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta eg. Corte entende que a ação anulatória é o meio adequado para desconstituir/rescindir acordo homologado judicialmente. Precedentes.
2. Inadequação da interposição de ação de rescisão contratual cumulada com pedido indenizatório para demanda que pretende rescindir acordo homologado judicialmente em outra ação.
3. Agravo interno a que se nega provimento.”
(STJ, AgInt no REsp 1714591/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 24.04.2018, DJe 30.04.2018)
Nessa perspectiva, cumpre-me registrar que, conforme o artigo 61 do Código de Processo Civil "a ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal". Logo, a competência para anular a homologação de acordo é do juízo que o homologou.
No entanto, nos termos do artigo 6º da Lei n° 10.259/2001, o INSS não pode figurar como parte autora no Juizado Federal, in verbis:
“Art. 6° Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:
I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996;
II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais”. (g.n.)
Ora, considerando que nos termos do art. 6º da Lei n° 10.259/2001 o INSS não pode figurar como parte autora no Juizado Especial Federal, infere-se que o requerido deduziu de forma acertada a presente pretensão perante a Vara Federal de Araçatuba/SP.
Nesse sentido, já houve julgamento pela Turma, nos termos que segue:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PREJUDICADA. NULIDADE DA HOMOLOGAÇÃO. CONSECTÁRIOS.
- A ação anulatória é o meio adequado para desconstituir acordo homologado judicialmente. Precedentes do STJ.
- A competência para anular homologação de acordo é do juízo que o homologou. Todavia, nos termos do art. 6º da Lei 10259/01, o INSS não pode figurar como parte autora no Juizado Federal, pelo que correto o ajuizamento perante a Vara Federal de Santo André.
- Considerando a data do ajuizamento da ação em 06.11.13 e que a sentença homologatória foi proferida em 31.05.10, não há que se falar em decadência/prescrição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme enunciados das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- No caso, posteriormente à homologação do acordo judicial constatou o INSS alicerçar-se o acordo em data equivocada do início da incapacidade, sendo certo que na data correta do início da incapacidade em 02.07.2004, fixada no laudo pericial produzido na ação de n. 2009.63.17.006052-1, conforme extrato do CNIS, a autora não ostentava qualidade de segurado.
- Manutenção da sentença com a imposição de desconstituição da transação homologada com desarquivamento e prosseguimento do feito, abrindo-se vista às partes para manifestação sobre o laudo e posterior julgamento de mérito do feito 00006052-39.2009.4.03.6317 que tramitava perante o Juizado Especial Federal de Santo André.
- Considerando que com a nulidade da homologação judicial, o feito de n. 0006052-39.2009.4.03.6317 terá prosseguimento, com abertura de vista para manifestação sobre o laudo, fica prejudicada a alegação de cerceamento de defesa.
- Honorários advocatícios fixados em conformidade com o §8º do art. 85 do CPC/2015, suspensos em função da gratuidade da justiça.
- Apelação desprovida.
(TRF3, ApCiv n° 0005377-28.2013.4.03.6126, Rel. Des.Fed. GILBERTO JORDAN – Nona Turma, julgado em 17.10.2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23.10.2019 – g.n.)
Por fim, oportuno registrar que se mostra necessário o exame de tal matéria primeiramente no primeiro grau de jurisdição, para somente depois ensejar seu reexame no segundo grau, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição.
Reitero que a supressão de instância enseja a violação de princípios constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição e o devido processo legal.
Sobre o tema leciona Humberto Theodoro Júnior:
"Isto quer dizer que, como regra geral, a parte tem o direito a que sua pretensão seja conhecida e julgada por dois juízos distintos, mediante recurso, caso não se conforme com a primeira decisão. Desse princípio decorre a necessidade de órgãos judiciais de competência hierárquica diferente: os de primeiro grau (juízes singulares) e os de segundo grau (Tribunais Superiores). Os primeiros são os juízos da causa e os segundos os juízos dos recursos.
[...]
Não pode o Tribunal, todavia, conhecer originariamente de uma questão a respeito da qual não tenha sequer havido um começo de apreciação, nem mesmo implícito, pelo juiz de primeiro grau." (Curso de Direito Processual Civil, 34ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. I, p. 25 e 517).
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: STJ, AgRg no AREsp 1412823-26.2014.8.12.0000 MS 2015/0098611-0, T3 – TERCEIRA TURMA, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Dje: 14.12.2015; STJ, AgInt no REsp 0269202-22.2013.8.21.7000 RS 2016/0299747-4, T4 – QUARTA TURMA, Rel. Min. MARCO BUZZI, Dje: 07.05.2020.
Desse modo, impõe-se o reconhecimento da competência da 1ª Vara Federal de Araçatuba/SP para análise do feito, cabendo a declaração de nulidade da sentença, com determinação do retorno dos autos à vara de origem para regular processamento.
TUTELA DE URGÊNCIA
Diante da situação delineada nos autos, inviável a concessão de tutela de urgência.
PREQUESTIONAMENTO
Por derradeiro, a sentença não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, acolho a preliminar, para reconhecer a competência da 1ª Vara Federal de Araçatuba/SP para julgamento do feito; e declarar nulidade da sentença, com determinação de retorno dos autos à vara de origem para regular processamento e, no mérito, julgo prejudicada a apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE PELO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. PRELIMINAR. COMPETÊNCIA PARA ANÁLISE DA AÇÃO. NULIDADE DA HOMOLOGAÇÃO PREJUDICADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Apelação do INSS contra sentença que indeferiu a petição inicial, e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, incisos I e VI, do CPC, declarando a incompetência absoluta para análise da ação anulatória de acordo homologado pelo Juizado Especial Federal de Araçatuba/SP.
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se há competência da 1ª Vara Federal de Araçatuba/SP para julgamento da ação; e (ii) saber da possibilidade de nulidade do acordo homologado pelo Juizado Especial Federal.
3. Conforme o teor do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
4. No mesmo sentido, dispõe o art. 966, §4º, do CPC, que “os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.”
5. O artigo 61 do Código de Processo Civil estabelece que "a ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal". Logo, a competência para anular a homologação de acordo é do juízo que o homologou.
6. Nos termos do art. 6º da Lei n° 10.259/2001 o INSS não pode figurar como parte autora no Juizado Especial Federal, de modo que deduziu de forma acertada a presente pretensão perante a Vara Federal de Araçatuba/SP.
7. Mostra-se necessário o exame de tal matéria primeiramente no primeiro grau de jurisdição, para somente depois ensejar seu reexame no segundo grau, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição.
8. Apelação parcialmente provida para reconhecimento da competência da 1ª Vara Federal de Araçatuba/SP para julgamento do feito; com declaração nulidade da sentença, e determinação de retorno dos autos à vara de origem para regular processamento. Análise do mérito prejudicada.
Tese de julgamento: “1. Nos termos do art. 6º da Lei n° 10.259/2001, o INSS não pode figurar como parte autora no Juizado Especial Federal, de modo que acertada a proposição de ação anulatória de acordo homologado pelo Juizado Especial Federal perante Vara Federal. 2. Necessário o exame da matéria primeiramente no primeiro grau de jurisdição, para somente depois ensejar seu reexame no segundo grau, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição”.
____________
Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, XXXV; CPC, art. 966, §4º, e art. 61; Lei n° 10.259/2001, art. 6°.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1714591/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 24.04.2018, DJe 30.04.2018; STJ, AgRg no AREsp 1412823-26.2014.8.12.0000 MS 2015/0098611-0, T3 – TERCEIRA TURMA, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Dje: 14.12.2015; STJ, AgInt no REsp 0269202-22.2013.8.21.7000 RS 2016/0299747-4, T4 – QUARTA TURMA, Rel. Min. MARCO BUZZI, Dje: 07.05.2020; TRF3, ApCiv n° 0005377-28.2013.4.03.6126, Rel. Des.Fed. GILBERTO JORDAN – Nona Turma, julgado em 17.10.2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23.10.2019.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
