
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003492-26.2024.4.03.6119
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ERALDO SEBASTIAO LUIZ DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA RENATA DE TOLEDO - SP300237-A, YANNE SGARZI ALOISE DE MENDONCA - SP141419-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003492-26.2024.4.03.6119
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ERALDO SEBASTIAO LUIZ DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA RENATA DE TOLEDO - SP300237-A, YANNE SGARZI ALOISE DE MENDONCA - SP141419-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio doença.
A r. sentença, proferida em 16.08.2024, julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 330, III e 485, I e VI do CPC, por ausência de interesse processual. Custas ex lege, estando isento a parte demandante por conta da concessão da gratuidade de justiça. Sem condenação da parte autora em honorários, ante a ausência de citação. (ID 304672480).
Em suas razões recursais, a parte autora requer a nulidade da sentença, com a determinação de prosseguimento do feito, ao argumento da desnecessidade de requerimento administrativo atual, em razão de tal documento não ser indispensável à propositura da ação, nos termos do art. 319 do CPC; bem como devido não ter transcorrido o prazo decadencial. (ID 304672632).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
dcm
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003492-26.2024.4.03.6119
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ERALDO SEBASTIAO LUIZ DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA RENATA DE TOLEDO - SP300237-A, YANNE SGARZI ALOISE DE MENDONCA - SP141419-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
INTERESSE DE AGIR
A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, XXXV, insculpe o princípio da universalidade da jurisdição, ao assegurar ao jurisdicionado a faculdade de postular em Juízo sem percorrer, previamente, a instância administrativa.
O extinto Tribunal Federal de Recursos, após reiteradas decisões sobre o tema, editou a Súmula nº 213, com o seguinte teor:
"O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária."
Trilhando a mesma senda, esta Corte trouxe à lume a Súmula nº 09, que ora transcrevo:
"Em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa, como condição de ajuizamento da ação."
Nota-se que a expressão exaurimento consubstancia-se no esgotamento de recursos por parte do segurado junto à Administração, o que significa que, ao postular a concessão ou revisão de seu benefício, o requerente não precisa se utilizar de todos os meios existentes na seara administrativa antes de recorrer ao Poder Judiciário. Porém, na ausência, sequer, de pedido administrativo, não resta aperfeiçoada a lide, vale dizer, inexiste pretensão resistida que justifique a tutela jurisdicional e, por consequência, o interesse de agir.
É bem verdade que, nos casos de requerimento de benefício previdenciário, a prática tem demonstrado que a Autarquia Previdenciária, por meio de seus agentes, por vezes, ao se negar a protocolizar os pedidos, sob o fundamento de ausência de direito ou de insuficiência de documentos, fere o direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, "a", CF e art. 105 da Lei n° 8.213/1991). Mas, não é menos verdade que muitas vezes os pedidos são rapidamente analisados, cumprindo o INSS com o seu dever institucional.
Por isso, correto determinar a comprovação do prévio requerimento na via administrativa, pois incumbe ao INSS analisar, prima facie, os pleitos de natureza previdenciária, e não ao Poder Judiciário, o qual deve agir quando a pretensão do segurado for resistida ou na ausência de decisão por parte da Autarquia, legitimando o interessado ao exercício da actio.
Aceitar que o Juiz, investido na função estatal de dirimir conflitos, substitua o INSS em seu múnus administrativo, significa permitir seja violado o princípio constitucional da separação dos poderes, insculpido no art. 2º da Lex Major, pois, embora os mesmos sejam harmônicos, são, igualmente, independentes, devendo cada qual zelar por sua função típica que o ordenamento constitucional lhes outorgou.
Tanto isso é verdade que o próprio legislador, quando da edição da Lei nº 8.213/1991, concedeu à autoridade administrativa, em seu art. 41, § 6º, o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para efetuar o pagamento da primeira renda mensal do benefício, após a apresentação da documentação necessária por parte do segurado. Na ausência de apreciação por parte da Autarquia ou se o pleito for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir, condição necessária à propositura de ação judicial.
Entender de maneira diversa equivale, a um só tempo, em contribuir para a morosidade do Poder Judiciário, devido ao acúmulo de um sem-número de ações e prejudicar a vida do segurado que, tendo direito ao benefício, aguardará por anos a fio o deslinde final de sua causa, onerando, inclusive, os cofres do INSS com o pagamento de prestações atrasadas e respectivas verbas acessórias decorrentes de condenação judicial.
Por fim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento de Recurso Extraordinário, sob regime de Repercussão Geral, pronunciou-se quanto à matéria, inclusive modulando os efeitos da decisão:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIOREQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.
4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmulade transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.
(R.E. 631.240/MG - Relator: Min. Luis Roberto Barroso - Data do Julgamento: 03/09/2014 - Data da Publicação: 10/11/2014).
DO CASO DOS AUTOS
No caso, a presente ação foi ajuizada em 17.05.2024, após a data de publicação do julgamento proferido pelo STF no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida (03.09.2014), o que implica a necessidade de demonstração de prévio requerimento administrativo para a propositura da ação.
O requerente juntou aos autos prévios requerimentos administrativos formulados em 05.07.2017, e em 28.05.2018 (ID 304672467 – págs. 02-03), e documentos médicos contemporâneos a tais requerimentos administrativos (ID’s 304672464/); ressalvando-se, ainda, que a eventual existência de incapacidade laboral nos alegados períodos temporais deverá ser objeto de análise na perícia médica judicial a ser realizada nos presentes autos.
Nesse contexto, resta evidenciada a demonstração de pretensão resistida, a indicar o interesse de agir em relação a tais benefícios.
É assente que o direito ao benefício previdenciário não é alcançado pela prescrição ou decadência. Tais institutos somente alcançam, em sede judicial, no caso da prescrição, as parcelas vencidas e, na hipótese de decadência, a revisão do cálculo da RMI.
Vale destacar, ainda, que o STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6096 declarou inconstitucional o art. 24 da Lei n° 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n° 8.213/1991, fixando prazo decadencial para ação que busca concessão ou restabelecimento de benefício previdenciário negado, ao entendimento de que “fulmina a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, comprometendo o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6° da Constituição da República”.
Dessa forma, in casu, é prescindível a exigência da comprovação de prévio requerimento administrativo atual, com demonstração da pretensão resistida, não se vislumbrando a falta de interesse de agir da parte autora, sendo de rigor a declaração de nulidade da r. sentença de primeiro grau, com determinação de remessa dos autos ao Juízo a quo, para regular processamento do feito.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para declarar a nulidade da sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de origem para regular processamento, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO ATUAL. PRÉVIOS REQUERIMENTOS ADMINISTRATIVOS JUNTADOS AOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE DECADÊNCIA OU PRESCRIÇÃO. NULIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Apelação da parte autora contra sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 330, III e 485, I e VI do CPC, por ausência de interesse processual.
2. A questão em discussão consiste em saber se há interesse processual da parte autora para a propositura da presente ação.
3. É assente que o direito ao benefício previdenciário não é alcançado pela prescrição ou decadência. Tais institutos somente alcançam, em sede judicial, no caso da prescrição, as parcelas vencidas e, na hipótese de decadência, a revisão do cálculo da RMI.
4. O STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6096 declarou inconstitucional o art. 24 da Lei n° 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n° 8.213/1991, fixando prazo decadencial para ação que busca concessão ou restabelecimento de benefício previdenciário negado, ao entendimento de que “fulmina a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, comprometendo o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6° da Constituição da República”.
5. O requerente juntou aos autos prévios requerimentos administrativos formulados em 05.07.2017, e em 28.05.2018, e documentos médicos contemporâneos a tais requerimentos administrativos; ressalvando-se, ainda, que a eventual existência de incapacidade laboral no alegado período temporal deverá ser objeto de análise na perícia médica judicial a ser realizada nos presentes autos.
6. Prescindível a exigência da comprovação de prévio requerimento administrativo atual, com demonstração da pretensão resistida, não se vislumbrando a falta de interesse de agir da parte autora.
7. Apelação provida, para declaração de nulidade da sentença, com determinação de retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento.
Tese de julgamento: “1. Prescindível a exigência da comprovação de requerimento administrativo atual, quando há apresentação de prévio requerimento administrativo nos autos, ante o entendimento jurisprudencial de que o direito ao benefício previdenciário não é alcançado pela prescrição ou decadência. Tais institutos somente alcançam, em sede judicial, no caso da prescrição, as parcelas vencidas e, na hipótese de decadência, a revisão do cálculo da RMI”.
____________
Dispositivos relevantes citados: CF, arts. 2º, e 5º, incisos XXXV, e XXXIV, "a"; Lei n° 8.213/1991, arts. 41, §6º, e 105.
Jurisprudência relevante citada: STF, R.E. 631.240/MG - Relator: Min. Luis Roberto Barroso - Data do Julgamento: 03.09.2014 - Data da Publicação: 10.11.2014; STF, ADI 6096; TFR, Súmula nº 213; TRF3, Súmula nº 09.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
