Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5006211-83.2021.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE
PERMANENTE E/OU AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. EXISTÊNCIA DE
INTERESSE PROCESSUAL. PRESENÇA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
DEMONSTRAÇÃO DE PRETENSÃO RESISTIDA. SENTENÇA ANULADA.
- Ação ajuizada em 12.07.2021, após a data de publicação do julgamento proferido pelo STF no
Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida (03.09.2014), o que
implica a necessidade de demonstração de prévio requerimento administrativo para a propositura
da ação.
- Presentes nos autos prévios requerimentos administrativos formulados em 01.07.2014, em
30.12.2015 e em 04.02.2021, com demonstração de pretensão resistida, a indicar o interesse de
agir da parte autora em relação a tais benefícios.
- O STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6096 declarou inconstitucional o art. 24 da
Lei n° 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n° 8.213/1991, fixando prazo
decadencial para ação que busca concessão ou restabelecimento de benefício previdenciário
negado, ao entendimento de que “fulmina a pretensão de revisar ato de indeferimento,
cancelamento ou cessação, comprometendo o direito fundamental à obtenção de benefício
previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6° da Constituição da
República”.
- Apelação da parte autora provida, com anulação da sentença e retorno dos autos para regular
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
processamento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006211-83.2021.4.03.6119
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: MARINA JOVENTINO DO NASCIMENTO
Advogado do(a) APELANTE: SILVANA DIAS BATISTA - SP233077-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006211-83.2021.4.03.6119
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: MARINA JOVENTINO DO NASCIMENTO
Advogado do(a) APELANTE: SILVANA DIAS BATISTA - SP233077-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
- INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez, com o adicional de 25%, ou de
auxílio doença.
A sentença, proferida em 23.08.2021, julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos
termos dos artigos 330, III e 485, I e VI do Código de Processo Civil/2015, por ausência de
interesse processual. Custas “ex lege”, estando isento o demandante por conta da concessão
da gratuidade de justiça. Sem condenação do autor em honorários, ante a ausência de citação.
(ID 220796336).
Em suas razões recursais, a parte autora requer a nulidade da sentença, com a determinação
de prosseguimento do feito, para a realização da perícia judicial, ao argumento de que houve a
juntada de requerimentos administrativos aos autos demonstrando a pretensão resistida pela
autarquia federal. (ID 220796339).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
dcm
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006211-83.2021.4.03.6119
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: MARINA JOVENTINO DO NASCIMENTO
Advogado do(a) APELANTE: SILVANA DIAS BATISTA - SP233077-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
INTERESSE DE AGIR
A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, XXXV, insculpe o princípio da universalidade da
jurisdição, ao assegurar ao jurisdicionado a faculdade de postular em Juízo sem percorrer,
previamente, a instância administrativa.
O extinto Tribunal Federal de Recursos, após reiteradas decisões sobre o tema, editou a
Súmula nº 213, com o seguinte teor:
"O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza
previdenciária."
Trilhando a mesma senda, esta Corte trouxe à lume a Súmula nº 09, que ora transcrevo:
"Em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa,
como condição de ajuizamento da ação."
Nota-se que a expressão exaurimento consubstancia-se no esgotamento de recursos por parte
do segurado junto à Administração, o que significa que, ao postular a concessão ou revisão de
seu benefício, o requerente não precisa se utilizar de todos os meios existentes na seara
administrativa antes de recorrer ao Poder Judiciário. Porém, na ausência, sequer, de pedido
administrativo, não resta aperfeiçoada a lide, vale dizer, inexiste pretensão resistida que
justifique a tutela jurisdicional e, por consequência, o interesse de agir.
É bem verdade que, nos casos de requerimento de benefício previdenciário, a prática tem
demonstrado que a Autarquia Previdenciária, por meio de seus agentes, por vezes, ao se negar
a protocolizar os pedidos, sob o fundamento de ausência de direito ou de insuficiência de
documentos, fere o direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, "a", CF e art. 105 da
Lei 8.213/91). Mas, não é menos verdade que muitas vezes os pedidos são rapidamente
analisados, cumprindo o INSS com o seu dever institucional.
Por isso, correto determinar a comprovação do prévio requerimento na via administrativa, pois
incumbe ao INSS analisar,prima facie, os pleitos de natureza previdenciária, e não ao Poder
Judiciário, o qual deve agir quando a pretensão do segurado for resistida ou na ausência de
decisão por parte da Autarquia, legitimando o interessado ao exercício daactio.
Aceitar que o Juiz, investido na função estatal de dirimir conflitos, substitua o INSS em seu
múnus administrativo, significa permitir seja violado o princípio constitucional da separação dos
poderes, insculpido no art. 2º daLex Major,pois, embora os mesmos sejam harmônicos, são,
igualmente, independentes, devendo cada qual zelar por sua função típica que o ordenamento
constitucional lhes outorgou.
Tanto isso é verdade que o próprio legislador, quando da edição da Lei nº 8.213/91, concedeu à
autoridade administrativa, em seu art. 41, § 6º, o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para
efetuar o pagamento da primeira renda mensal do benefício, após a apresentação da
documentação necessária por parte do segurado. Na ausência de apreciação por parte da
Autarquia ou se o pleito for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir, condição necessária à
propositura de ação judicial.
Entender de maneira diversa equivale, a um só tempo, em contribuir para a morosidade do
Poder Judiciário, devido ao acúmulo de um sem-número de ações e prejudicar a vida do
segurado que, tendo direito ao benefício, aguardará por anos a fio o deslinde final de sua
causa, onerando, inclusive, os cofres do INSS com o pagamento de prestações atrasadas e
respectivas verbas acessórias decorrentes de condenação judicial.
Por fim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento de Recurso
Extraordinário, sob regime de Repercussão Geral, pronunciou-se quanto à matéria, inclusive
modulando os efeitos da decisão:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.PRÉVIOREQUERIMENTO
ADMINISTRATIVOE INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art.
5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso
haver necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se
caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS,
ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de
prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
3. A exigência deprévio requerimento administrativonão deve prevalecer quando o
entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do
segurado.
4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício
anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação
mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se
depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -,
uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito
da pretensão.
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo
Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmulade transição para lidar com as ações em
curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que
tenha havidoprévio requerimento administrativonas hipóteses em que exigível, será observado
o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de
anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha
apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à
pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas,
observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30
dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será
intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia
deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for
acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões
imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o
interesse em agir e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial
deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para
todos os efeitos legais.
9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido
para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que
alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob
pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em
90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data
de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado
será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.
(R.E. 631.240/MG - Relator: Min. Luis Roberto Barroso - Data do Julgamento: 03/09/2014 - Data
da Publicação: 10/11/2014).
DO CASO DOS AUTOS
A presente ação foi ajuizada em 12.07.2021, após a data de publicação do julgamento proferido
pelo STF no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida
(03.09.2014), o que implica a necessidade de demonstração de prévio requerimento
administrativo para a propositura da ação.
Observa-se que a parte autora pleiteia a concessão de aposentadoria por incapacidade
permanente ou de auxílio por incapacidade temporária, desde o primeiro requerimento
administrativo em 01.07.2014, alegando a existência de incapacidade laborativa total e
permanente desde essa época, em razão de patologia grave e degenerativa.
A requerente juntou aos autos prévios requerimentos administrativos formulados em
01.07.2014, em 30.12.2015 e em 04.02.2021 (ID’s 220796316/317/319), e documentos médicos
contemporâneos a tais requerimentos administrativos (ID’s
220796320/321/322/323/324/325/326), ressalvando-se, ainda, que a eventual existência de
incapacidade laboral nos alegados períodos temporais deverá ser objeto de análise na perícia
médica judicial, restando evidenciada a demonstração de pretensão resistida, a indicar o
interesse de agir em relação a tais benefícios.
Aponto que o STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6096 declarou inconstitucional
o art. 24 da Lei n° 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n° 8.213/1991, fixando
prazo decadencial para ação que busca concessão ou restabelecimento de benefício
previdenciário negado, ao entendimento de que “fulmina a pretensão de revisar ato de
indeferimento, cancelamento ou cessação, comprometendo o direito fundamental à obtenção de
benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6° da
Constituição da República”, o que se aplica ao caso dos autos.
Dessa forma, in casu, é prescindível a exigência da comprovação de prévio requerimento
administrativo atual, com demonstração da pretensão resistida, sendo de rigor anulação da r.
sentença de primeiro grau e remessa dos autos ao Juízo a quo, para regular processamento do
feito.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para declarar a nulidade da
sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de origem para regular processamento, na
forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE
PERMANENTE E/OU AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. EXISTÊNCIA DE
INTERESSE PROCESSUAL. PRESENÇA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
DEMONSTRAÇÃO DE PRETENSÃO RESISTIDA. SENTENÇA ANULADA.
- Ação ajuizada em 12.07.2021, após a data de publicação do julgamento proferido pelo STF no
Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida (03.09.2014), o que
implica a necessidade de demonstração de prévio requerimento administrativo para a
propositura da ação.
- Presentes nos autos prévios requerimentos administrativos formulados em 01.07.2014, em
30.12.2015 e em 04.02.2021, com demonstração de pretensão resistida, a indicar o interesse
de agir da parte autora em relação a tais benefícios.
- O STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6096 declarou inconstitucional o art. 24
da Lei n° 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n° 8.213/1991, fixando prazo
decadencial para ação que busca concessão ou restabelecimento de benefício previdenciário
negado, ao entendimento de que “fulmina a pretensão de revisar ato de indeferimento,
cancelamento ou cessação, comprometendo o direito fundamental à obtenção de benefício
previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6° da Constituição da
República”.
- Apelação da parte autora provida, com anulação da sentença e retorno dos autos para regular
processamento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
