
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003918-39.2022.4.03.6109
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ANA ANGELITA RIBEIRO ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS BERKENBROCK - SP263146-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003918-39.2022.4.03.6109
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ANA ANGELITA RIBEIRO ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS BERKENBROCK - SP263146-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a revisão do cálculo do valor da aposentadoria por invalidez, a fim de que seja elaborado nos termos da legislação anterior à vigência da EC 103/19, e o pagamento dos valores das diferenças daí advindas.
A r. sentença, proferida em 29.02.2024, julgou improcedente o pedido e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais, e da verba honorária, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa corrigido, suspendendo a execução dos valores, nos moldes do artigo 98, §3º, do CPC/2015. (ID 292795138).
Em suas razões recursais, a parte autora requer, preliminarmente, a suspensão do feito até o julgamento do Tema 318 pela TNU, e a concessão da justiça gratuita.
No mérito, pugna pela decretação de procedência do pedido, ao argumento de que preenche os requisitos legais para a revisão do cálculo do valor da aposentadoria por invalidez, a fim de que seja elaborado nos termos da legislação anterior à vigência da EC 103/2019.
Caso mantida a sentença, pleiteia a declaração de inconstitucionalidade do art. 26 da EC 103/2019. Por fim, suscita o prequestionamento legal para fins de interposição de recursos. (ID 292795140).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
dcm
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003918-39.2022.4.03.6109
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ANA ANGELITA RIBEIRO ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS BERKENBROCK - SP263146-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
REVISÃO. DECADÊNCIA.
Inicialmente, cumpre-me apontar que a decadência do direito à revisão de benefício previdenciário possui natureza legal e reclama, inclusive, pronunciamento de ofício do juiz, ex vi do art. 210 do CC/2002, in verbis:
"Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei."
Cumpre observar, ainda, que o artigo 103 da Lei n.º 8.213/91, em sua redação original, não previa o instituto da decadência, mas tão-somente a prescrição das quantias não abrangidas pelo quinquênio anterior ao ajuizamento da ação.
A Lei n.º 9.528/1997, por sua vez, alterou referido dispositivo, passando a estabelecer em seu caput:
"Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo"
Em seguida, adveio a Lei nº 9.711/1998, que determinou a redução do prazo decadencial para cinco anos, o qual foi novamente fixado em dez anos pela Medida Provisória n.º 138, de 19 de novembro de 2003, convertida na Lei n.º 10.839, de 05 de fevereiro de 2004.
Ressalte-se que a 1ª Seção do C. STJ, no julgamento do Resp nº 1.303.988 (DJE 21.03.2012), determinou a perda do direito de pleitear a revisão do ato de concessão do benefício no prazo de 10 anos, a contar da Medida Provisória nº 1523-9/97, publicada em 28 de junho de 1997, norma predecessora da Lei nº 9.528/97, na hipótese da ação versar acerca de fatos anteriores a sua vigência.
Neste mesmo sentido pronunciou-se a 3ª Seção desta Corte, por ocasião do julgamento dos EI em AC nº 2009.61.83.010305-7, Rel. Des. Fed. Walter do Amaral, j. em 08.11.2012, D.E. 14.11.2012.
Por fim, o Colendo Supremo Tribunal Federal, declarou repercussão geral nos autos do RE 626489/SE e, em julgamento ocorrido em 16/10/2013, reconheceu o prazo de 10 (dez) anos para revisão de benefício previdenciário concedido anteriormente à MP 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/97.
Assim, a decadência constitui instituto de direito material, de forma que a norma não pode atingir situações constituídas anteriormente à sua vigência.
A C. Corte Superior se posicionou, então, no sentido de que os benefícios concedidos antes de 27 de junho de 1997, estão sujeitos a prazo decadencial de 10 (dez) anos contados da data em que entrou em vigor a mencionada norma, fixando o prazo decadencial decenal em 28.06.1997, cujo direito do segurado de pleitear a revisão expirou em 28.06.2007.
Quanto aos benefícios concedidos a partir de 28.06.1997 estão sujeitos ao prazo decadencial de 10 (dez) anos, contados do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão que indeferiu o pleito administrativo.
In casu, pretende a parte autora a revisão do cálculo do valor do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente (NB n° 32/630.571.284-4, DIB: 28.11.2019 – ID 292794760), mediante a retroação do marco inicial da incapacidade permanente para a data da concessão administrativa do benefício de auxílio por incapacidade temporária NB 31/630.178.868-4 (DIB: 09.11.2019 – ID 292794759), ou seja, requer o recálculo da RMI do benefício sem a incidência do art. 26, §2º, III, da EC 103/2019.
Ora, inarredável a conclusão de que a requerente visa questionar o ato de concessão do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, pelo que incide o prazo decadencial legal.
Em se tratando de benefício concedido após a vigência da Medida Provisória 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, consoante o julgamento acima transcrito proferido pelo Supremo Tribunal Federal, na contagem do prazo de decadência deve ser aplicado o art. 103 da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei nº 13.846/2019, que fixa o cômputo do marco inicial da decadência "do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo" (grifo nosso).
No caso, o termo final da contagem do prazo decenal ocorreria apenas em 01.2030, de modo que, tendo a recorrente ingressado com a demanda em 14.12.2022, não se há falar em decadência do suposto direito ora pleiteado.
SUSPENSÃO DO PROCESSO.
Em que pese às alegações da parte autora, aponto não houve nenhuma determinação no sentido da necessidade de suspensão dos processos em âmbito nacional no julgamento do PEDILEF 5000742-54.2021.4.04.7016/PR pela TNU, que aborda o TEMA 318, cuja questão submetida a julgamento se refere a “Definir se os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente, sob a vigência da EC nº 103/2019, devem ser concedidos ou revistos, de forma a se afastar a forma de cálculo prevista no art. 26, §2º, III, da EC nº 103/2019, ao argumento de que seria inconstitucional” (publ. 15.02.2023).
Da mesma forma, a despeito da existência da ADI 6.279/DF no STF, que analisará a inconstitucionalidade de diversas matérias referente à EC 103/2019, inclusive do seu art. 26, não houve nenhuma determinação dos Tribunais Superiores, em sede de repercussão geral e/ou em caráter de repetitivo, no sentido da necessidade de suspensão dos processos em âmbito nacional.
Assim, mostra-se desnecessária a determinação de suspensão do presente feito.
JUSTIÇA GRATUITA
Não se conhece da parte da apelação da requerente, que requer a concessão da justiça gratuita, pois a sentença não revogou os seus efeitos, inclusive suspendendo a execução dos valores, nos moldes do artigo 98, §3º, do CPC/2015, quando da condenação às verbas de sucumbência.
Nesse contexto, vale observar que a sentença de improcedência não implica a revogação da assistência judiciária gratuita, pois o pressuposto para a cessação desse benefício processual é a inexistência ou o desaparecimento do estado de miserabilidade econômica, não estando atrelada à forma de atuação da parte no processo.
Desta feita, não conheço de parte das preliminares e, na parte conhecida, a rejeito, e passo à análise do mérito.
DO CASO DOS AUTOS
VALOR DO BENEFÍCIO
Cumpre-me observar que, conforme o princípio tempus regit actum, um dos pilares do direito previdenciário, deve-se considerar preenchidos os requisitos legais para a concessão dos benefícios previdenciários à data do implemento das condições pelo segurado.
Nesse sentido, observo que o perito judicial indicou o início da incapacidade laborativa em “DII = 2001” (RESPOSTAS AOS QUESITOS DO JUIZO “8” – ID 292795133 – pág. 07).
Da mesma forma, o perito administrativo aponta que a requerente implementou as condições para a concessão do benefício em período anterior à vigência da EC 103/2019, visto que fixou a DII em 25.10.2019, quando da concessão administrativa da aposentadoria por incapacidade permanente NB 32/630.571.284-4 (LAUDO SABI - ID 292794772 – pág. 04).
Por sua vez, os documentos médicos juntados aos autos (ID 292794764) evidenciam a existência da incapacidade laborativa da autora, pelas mesmas patologias constatadas nas perícias: judicial e administrativa, em período contemporâneo ao requerimento administrativo em 09.11.2019 (ID 292794759).
Vale destacar que a autora gozou de auxílio por incapacidade temporária nos períodos de 06.05.2019 a 13.09.2019 e de 09.11.2019 a 27.11.2019, convertido em aposentadoria por incapacidade permanente em 28.11.2019 (CNIS - ID 292794761 – págs. 13-14), ou seja, não houve a recuperação da capacidade laborativa.
Assim, verifica-se que a requerente implementou as condições para a concessão da aposentadoria permanente em período anterior à vigência da Emenda Constitucional n° 103/2019 (data da publicação em 13.11.2019), desde pelo menos 09.11.2019, data da concessão administrativa do benefício de auxílio por incapacidade temporária NB 31/630.178.868-4, conforme conclusões periciais: judicial e administrativa, e documentos médicos apresentados.
Portanto, o valor da aposentadoria por incapacidade permanente deve observar a legislação de regência vigente à época do implemento dos requisitos legais pela parte autora (art. 44 da Lei n° 8.213/1991), pois não vigente as alterações trazidas pela EC 103/2019 à época.
Considerando a reforma da sentença, prejudicada a análise do pedido subsidiário de declaração de inconstitucionalidade do art. 26 da EC 103/2019.
CONSECTÁRIOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
PREQUESTIONAMENTO
Por derradeiro, a sentença não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, não conheço de parte das preliminares e, na parte conhecida, a rejeito, e dou provimento à apelação da parte autora, para determinar a revisão do cálculo do valor da aposentadoria por incapacidade permanente NB n° 32/630.571.284-4, a fim de que seja elaborado sem a incidência das regras da EC 103/2019, e o pagamento dos valores das eventuais diferenças daí advindas, a serem verificadas pelo juízo da execução, observados os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. AFASTADA A DECADÊNCIA AO DIREITO À REVISÃO DO BENEFÍCIO. PRELIMINARES NÃO CONHECIDAS EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, REJEITADA. VALOR DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS.
- Considerando que a recorrente ingressou com a demanda em 14.12.2022 e que, em se tratando de benefício concedido após a vigência da Medida Provisória 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, o termo final da contagem do prazo decenal ocorreria apenas em 01.2030, afastada a decadência do suposto direito à revisão da RMI do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente concedida administrativamente em 28.11.2019.
- Não houve nenhuma determinação no sentido da necessidade de suspensão dos processos em âmbito nacional no julgamento do PEDILEF 5000742-54.2021.4.04.7016/PR pela TNU, que aborda o TEMA 318, cuja questão submetida a julgamento se refere a “Definir se os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente, sob a vigência da EC nº 103/2019, devem ser concedidos ou revistos, de forma a se afastar a forma de cálculo prevista no art. 26, §2º, III, da EC nº 103/2019, ao argumento de que seria inconstitucional” (publ. 15.02.2023), de modo que se mostra desnecessária a determinação de suspensão do presente feito.
- A sentença não revogou os efeitos da justiça gratuita, inclusive suspendendo a execução dos valores, nos moldes do artigo 98, §3º, do CPC/2015, quando da condenação às verbas de sucumbência. Falta de interesse recursal.
- Demonstrado nos autos que a parte autora implementou os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente em período anterior à vigência da EC 103/2019, conforme conclusões periciais: judicial e administrativa, e documentos médicos apresentados; e à vista da concessão administrativa de benefícios por incapacidade, em interregno antecedente à Emenda Constitucional, sem a recuperação da capacidade laboral.
- Desse modo, o valor do benefício deve ser calculado nos termos do disposto no art. 44 da Lei n° 8.213/1991, legislação de regência anterior à Emenda Constitucional, em cuja vigência houve a implementação das condições para a concessão do benefício. Inteligência do princípio "tempus regit actum".
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Preliminares não conhecidas em parte e, na parte conhecida, rejeitada. Apelação da parte autora provida.
