
1ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001264-89.2021.4.03.6117
RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: POLIFRIGOR S/A INDUSTRIA E COMERCIO DE ALIMENTOS
Advogados do(a) APELADO: ANA CAROLINA VERISSIMO CRAVEIRO - SP416257-A, PAULO HENRIQUE DE SOUZA FREITAS - SP102546-A
OUTROS PARTICIPANTES:
1ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001264-89.2021.4.03.6117
RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: POLIFRIGOR S/A INDUSTRIA E COMERCIO DE ALIMENTOS
Advogados do(a) APELADO: ANA CAROLINA VERISSIMO CRAVEIRO - SP416257-A, PAULO HENRIQUE DE SOUZA FREITAS - SP102546-A
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação e remessa necessária em face de sentença proferida em mandado de segurança, através do qual a impetrante, POLIFRIGOR S/A - INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ALIMENTOS, pretende que o afastamento de empregadas gestantes realizado na forma da Lei 14.151/2021 cujo trabalho, por sua natureza, não pode ser exercido à distância, seja enquadrado como hipótese de salário-maternidade, bem como o reconhecimento do seu direito à compensação dos valores dos salários pagos às empregadas afastadas com o valor de futuras contribuições previdenciárias, na forma do art. 72, §1º da Lei 8.213/91. Requer, ainda, que seja afastada a incidência de contribuições destinadas à previdência social ou a terceiros (Sistema S) enquanto perdurar o afastamento sem contraprestação de serviço pelas empregadas gestantes.
Em sentença (Id 257284363), o c. juízo a quo concedeu a segurança, para “(i) garantir o direito da empresa impetrante a enquadrar como salário maternidade os valores pagos às empregadas gestantes afastadas por força da Lei n.14.151/21 e que exercem as funções abaixo especificadas, enquanto durar o afastamento, nos termos do disposto no art. 394-A, §2º, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/2017, c/c art. 72, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, aplicando-se tal determinação inclusive em relação às gravidezes vindouras durante o período de emergência e pandêmico e enquanto perdurar os efeitos da lei; bem como para excluir os pagamentos feitos às gestantes assim afastadas por força da Lei n. 14.151/21 da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais destinadas à previdência social e aos terceiros (Sistema S). (...) (ii) E declarar seu direito à repetição/compensação do indébito, (...)”.
Apelação do INSS (Id 257284367) com preliminar de incompetência da justiça federal, arguindo que os autos versam sobre matéria de competência da Justiça Trabalhista, bem como preliminar de ilegitimidade passiva do INSS, eis que a autarquia não possui poderes para desfazer os efeitos da Lei 14.151/2021. No mérito, sustenta que o afastamento total do trabalho previsto na Lei 14.151/2021 é obrigação subsidiária, apenas quando não for possível o trabalho remoto, e que não foi provado nos autos de forma cabal tal impossibilidade. Sustenta que a Lei 14.151/2021 não criou nova hipótese de concessão e salário maternidade e que não é admissível a extensão do referido benefício para além da estrita previsão do art. 71 da Lei 8.213/91. Afirma que a pretensão autoral importa violação aos princípios da precedência da fonte de custeio, do equilíbrio financeiro e atuarial, da legalidade, e da separação de poderes, e que não se pode aplicar o art. 394-A, §3º da CLT por analogia, por se tratar de situação distinta.
Apelação da União (Id 257284371) sustentando a impossibilidade de concessão de salário-maternidade fora das hipóteses legais e sem a observância estrita dos requisitos legais indispensáveis, sendo certo que a Lei 14.151/2021 não criou nova hipótese de concessão do referido benefício. Argui que o caso dos autos não se enquadra na hipótese do art. 394-A, §3º da CLT, eis que não trata de trabalho em ambiente ou condições insalubres, e que o referido regramento não pode ser estendido por analogia para abarcar situações distintas. Afirma que a pretensão autoral importa violação aos princípios constitucionais da seguridade social da precedência da fonte de custeio, do equilíbrio financeiro e atuarial e da legalidade, bem como ao princípio da separação de poderes. Afirma ser inadmissível a pretensão autoral de compensação de valores pagos a título de benefício estendido sem previsão legal com contribuições previdenciárias, eis que a ampliação do benefício por analogia não possui amparo legal.
Com contrarrazões pela impetrante, subiram os autos a este Tribunal Regional Federal.
Manifestação do Ministério Público Federal junto a esta Corte Regional sem análise do mérito da causa (Id 259512022).
É o relatório.
1ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001264-89.2021.4.03.6117
RELATOR: Gab. 03 - JUIZ CONVOCADO RENATO BECHO
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V O T O
Adiro ao entendimento do Exmo. Des. Fed. Hélio Nogueira:
Cinge-se a controvérsia quanto à titularidade da responsabilidade pelo ônus financeiro decorrente do afastamento remunerado do trabalho de empregadas gestantes cujas atividades não podem ser realizadas em regime de trabalho à distância, durante a crise sanitária causada pela COVID-19, por força da Lei 14.151/2021.
Pretende a impetrante que o ônus financeiro decorrente do afastamento seja reconhecido como hipótese de pagamento de salário maternidade, a ser suportado pela União Federal, de forma que todos os valores pagos às empregadas gestantes a título de remuneração no período de afastamento sejam reconhecidos como créditos previdenciários passíveis de compensação tributária.
Da preliminar de incompetência da Justiça Federal
Primeiramente, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal aventada pelo INSS em suas razões recursais. Com efeito, a discussão dos autos não versa sobre impasse de natureza trabalhista entre empregador e empregada, tampouco de hipótese em que empregador pleiteia, em nome próprio, direito trabalhista de empregadas. Versam os autos, contrariamente, sobre a pretensão da pessoa jurídica impetrante em face do Poder Público, visando obter, em última análise, o ressarcimento ou compensação tributária dos valores pagos às empregadas gestantes afastadas que não possa prestar trabalho remoto, em razão da natureza das atividades exercidas.
Se trata, pois, de pretensão regulamentação da relação jurídica administrativa e fiscal entre a impetrante e o Poder Público, materializado este na figura da Fazenda Nacional e do INSS, atraindo, portanto, a competência da Justiça Federal para conhecer da causa.
Da preliminar de ilegitimidade passiva do INSS
Rejeito, ainda, a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam deduzida pelo INSS em suas razões recursais, uma vez que dentre as pretensões da impetrante está o reconhecimento de que o afastamento de empregadas gestantes feito com fulcro na Lei 14.151/91 seria hipótese de salário-maternidade, a ensejar compensação com valores de contribuições previdenciárias na forma do art. 72, §1º, da Lei 8.213/91.
Havendo, portanto, discussão a respeito de gestão de benefício previdenciário, a participação do INSS no processo não é dispensável, não havendo motivo para a sua exclusão da lide.
Do mérito
A Lei 14.151/2021, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2, visou proteger as empregadas gestantes da possibilidade de contágio da grave enfermidade, em face de situação emergencial, excepcional e temporária.
Em sua redação originária, vigente à época da propositura da demanda e anterior às alterações introduzidas em 10/03/2022 pela Lei 14.311/2022, o diploma normativo assim regulamentava a situação sob análise:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Da leitura do supra colacionado regramento, se extrai que, mesmo nas hipóteses em que o trabalho exercido pela empregada gestante afastada não for passível de ser prestado à distância, no seu domicílio, o pagamento da remuneração não será prejudicado. A escolha legislativa pela expressão “sem prejuízo de sua remuneração” indica de forma clara a intenção do legislador de determinar ao empregador que mantivesse o pagamento da remuneração da empregada afastada.
Não poderia se tratar, contrariamente, de imputação de ônus ao Poder Público, hipótese essa que, caso fosse a vontade do legislador, viria acompanhada de regramento claro, expresso e detalhado, a viabilizar observância ao princípio da legalidade estrita aplicável à Administração Pública. Não há, portanto, qualquer omissão a ser integrada pelo Poder Judiciário.
Indo além, entendo ser inviável a caracterização do afastamento remunerado da empregada gestante como situação a ser enquadrada em hipótese de salário maternidade.
Com efeito, o salário-maternidade constitui benefício previdenciário previsto no art. 71 da Lei 8.213/91, que o regulamenta da seguinte forma:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Redação dada pala Lei nº 10.710, de .2003) (Vide Lei nº 13.985, de 2020) (Vide ADI 6327)
In casu, não estando presentes os pressupostos legais necessários para a concessão do benefício, não há qualquer margem legal para a sua concessão indiscriminada, por extensão, em situação que não se enquadra na previsão legal, sob pena de aberta violação ao princípio da legalidade estrita. Assim, inviável a pretensão autoral de imputar ao Poder Público a responsabilidade pelo custeio da remuneração devida às empregadas gestantes afastadas sem qualquer previsão legal para tanto e sem prévia fonte de custeio.
Em verdade, a Lei nº 14.151/2021 visa proteger a gestante no período que antecede o interstício durante o qual o salário maternidade é devido, sendo, portanto, uma proteção adicional à gestante e à maternidade, em linha com os postulados constitucionais e infraconstitucionais.
Ademais, de se apontar que, durante a tramitação do projeto da Lei nº 14.151/2021, foi rejeitada emenda propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade, indicando, pois, a intenção legislativa de manter na pessoa do empregador a responsabilidade pelo referido pagamento. Dessa forma, antes mesmo das alterações feitas pela Lei nº 14.311/2022, restava evidente que se tratava de obrigação do empregador custear o salário de sua empregada gestante afastada durante o período da pandemia.
Por certo, nos casos previstos pela Lei 14.151/2021, a empregada gestante permanece habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada do benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991, Convenção nº 103 da OIT e Decreto nº 10.088/2019), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.
Não se ignora que existe de fato uma ampla variedade de trabalhos que, por sua natureza e particularidades, não podem ser exercidos em regime de teletrabalho ou por outra forma de trabalho à distância. Entretanto, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.
Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado toda e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia. Entretanto, não foi este o caso. Não se pode ignorar que o Poder Público adotou uma diversidade de medidas com o intuito de preservar os postos de trabalho e ajudar as empresas durante esse período excepcional na saúde pública, como, por exemplo, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, criado pela Medida Provisória nº 1.045/2021, que permitiu a redução na jornada de trabalho e salário, bem como a suspensão de contratos de trabalho.
Em suma, no exercício de sua competência normativa e valendo-se de suas atribuições discricionárias, o legislador federal deu encaminhamento consentâneo com os elementos que estiveram presentes na situação de calamidade gerada pela pandemia, distribuindo equitativamente os ônus temporários entre todos os envolvidos. Nesse contexto, o controle judicial é inviável, porque não houve manifesta ou objetiva violação da discricionariedade política por parte do legislador.
Em verdade, o que pretende a impetrante é a modificação de política pública previdenciária, cujo controle no âmbito de sua discricionariedade não é afeta ao Judiciário, sob pena de substituição do gestor público em verdadeira intervenção judicial no exercício de função típica deste, o que configuraria inadmissível violação à cláusula pétrea que garante a separação de poderes.
Pretender atuação do Poder Judiciário em sentido diverso daquele já estabelecido pela lei significaria imputar-lhe função de legislador positivo, invadindo matéria reservada à lei, em aberta violação ao postulado constitucional da separação dos poderes.
A jurisprudência desta Corte Regional tem sido sólida no sentido de reconhecer plena validade às disposições da Lei 14.151/2021, não havendo que se falar na transferência de ônus da iniciativa privada ao Poder Público. Confira-se:
MANDADO DE SEGURANÇA. COVID-19. GESTANTES. AFASTAMENTO. LEI 14.151/21. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE SEM BASE LEGAL PARA ALCANÇAR HIPÓTESES NÃO EXPRESSAMENTE PREVISTAS. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Tendo em consideração os fundamentos jurídicos no sentido da possibilidade de ocorrência de AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA PRECEDÊNCIA DA FONTE DE CUSTEIO E DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL, bem como ao PRINCÍPIO DA SEPERAÇÃO DE PODERES, em virtude do acolhimento do pleito apelante para que um benefício previdenciário (salário-maternidade) seja estendido, sem base legal alguma, para alcançar hipóteses não expressamente previstas, pelo Poder Judiciário, o qual não pode decidir com base em valores jurídicos abstratos (LINDB, art. 20) como o Princípio da Solidariedade, desconsiderando os efeitos práticos altamente deletérios para a Previdência Social de pretensões como a da apelante, não deve ser concedida a medida pleiteada. 2 - Apelação desprovida. (ApCiv 5027083-79.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, DATA: 09/10/2022)
APELAÇÃO. INTERESSE DE AGIR DEMONSTRADO. LEI Nº 14.151/2021. AFASTAMENTO DA EMPREGADA GESTANTE DO TRABALHO PRESENCIAL DURANTE A EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO TELETRABALHO. EQUIPARAÇÃO AO SALÁRIO-MATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Preliminarmente, o interesse processual, segundo parte considerável da doutrina processualista, revela-se no binômio necessidade/utilidade. Prelecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 8ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 700). Consoante alguns doutrinadores, a indigitada condição da ação traduz-se, na verdade, em um trinômio, composto por necessidade/utilidade/adequação. II. Segundo a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação são aferidas conforme a teoria da asserção, ou seja, tão somente a partir do que foi narrado na petição inicial. Com efeito, tudo que exige cotejo probatório pertence ao mérito, pois, na análise das condições da ação, "se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão" (Direito e Processo, São Paulo: RT, 1995, p. 78)." (BEDAQUE, José Roberto Santos, apud REsp 1157383/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 17/08/2012). Neste sentido, o E. STJ, no julgamento do REsp 1551968/SP sob a sistemática dos recursos repetitivos, já decidiu que, quanto às condições da ação, "prevalece a teoria da asserção" (Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016). Neste contexto, da leitura da exordial, denota-se que há interesse de agir da parte autora quanto à interpretação a ser dada à Lei n.º 14.151/21 em relação à situação narrada, devendo ser anulada a r. sentença. III. No caso dos autos, imprescindível relatar, sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, que o art. 1º da Lei nº 14.151/2021 ordenou o seguinte: Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração. Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância. IV. Há expressa previsão legal, portanto, determinando que no tempo em que perdurar a situação pandêmica do Coronavírus (COVID-19), as trabalhadoras grávidas sejam afastadas do labor presencial e fiquem à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de desempenho à distância. V. Cuida-se, à evidência, de situação excepcional e que busca proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade mediante a substituição das atividades presenciais pelo sistema de teletrabalho ou trabalho remoto. Nestas condições, eventual impossibilidade desta modalidade de exercício em alguma área específica não tem o condão de alterar a legis, sequer a natureza dos valores pagos a título de remuneração para benefício previdenciário, in casu, o salário-maternidade. VI. Anote-se que nos ditames do art. 71 da Lei nº 8.213/91, "O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade". Desta feita, não ocorrida a condição legal para o dispêndio do benefício, inexiste falar em responsabilidade da Autarquia Previdenciária pelo desembolso de remuneração devida às empregadas em estado gestacional que, em virtude do tipo de atuação, estejam impossibilitadas de trabalhar remotamente. VII. No caso vertente, não restou comprovada inequivocamente a incompatibilidade da atividade exercida pelas empregadas grávidas com o home office ou que não possam ser aproveitadas/readaptadas em outras áreas da empresa, salientando-se, ademais, que ocasional incompatibilidade do labor exercido com o regime de teletrabalho/remoto, deve ser objeto de debate no âmbito da relação de trabalho, não gerando qualquer obrigação ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS de algum tipo de ressarcimento, até porque na Lei de sua instituição e nas normativas que regulamentam suas funções, ausentes previsões de tal natureza. VIII. Quanto ao pedido de compensação tributária, necessário mencionar, ainda, que não compete ao Poder Judiciário instituir benefício tributário sem previsão no ordenamento jurídico, eis que versa sobre disponibilidade de crédito público, considerando não ter atribuição legal ou constitucional para fazê-lo. IX. Apelação parcialmente provida, para anular a sentença e julgar improcedente o feito. (ApCiv 5035383-30.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - 1ª Turma, DATA: 07/10/2022)
DIREITO TRABALHISTA. DIREITO PÚBLICO. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. ESTADO DE CALAMIDADE. EMPREGADA GESTANTE. TELETRABALHO. LEI Nº 14.151/2021. IMPUTAÇÃO OU RESSARCIMENTO PELO PODER PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. LICENÇA-MATERNIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO TEMPORÁRIA DE ÔNUS. - Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante. - Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho, atende à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988) e representa regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não se revelando como empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), muito menos aumento de exação já existente que ampare pleito de compensação de indébito, o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991, Convenção nº 103 da OIT e Decreto nº 10.088/2019), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado. - É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia. - Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina. Assim, o Estado não pode ser obrigado ao pagamento dessas verbas trabalhistas devidas pelo empregador. - No caso dos autos, a parte-autora pede provimento jurisdicional para assegurar o afastamento da empregada gestante em razão da impossibilidade de realização de seu trabalho a distância, motivo insuficiente para se desonerar de seus deveres legais. - Recurso não provido. (AI 5001410-17.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, TRF3 - 2ª Turma, DATA: 11/10/2022)
Por fim, quanto ao pedido de compensação tributária, necessário mencionar que não compete ao Poder Judiciário instituir benefício tributário sem previsão no ordenamento jurídico, eis que versa sobre disponibilidade de crédito público, considerando não ter atribuição legal ou constitucional para fazê-lo.
Portanto, de se reconhecer que a Lei 14.151/2021 tratou de regulamentar situação excepcional, emergencial, temporária e de aplicação limitada, provocada por crise sanitária de escala mundial. Assim, em razão da excepcionalidade da norma, bem como do seu alcance temporal limitado, não há que se falar em violação a convenção ou tratado internacional, eis que, assim que superada a situação de emergência sanitária, a referida lei deixará de produzir efeitos no ordenamento jurídico brasileiro, com o restabelecimento do regramento anteriormente previsto.
Diante de todo o exposto, impõe-se a reforma da sentença a quo, com a denegação in totum da segurança pleiteada.
Dispositivo:
Diante do exposto, dou provimento às apelações do INSS e da União Federal e à remessa necessária para, reformando a sentença a quo, denegar in totum a segurança.
Decreto a inversão dos ônus da sucumbência e condeno a impetrante ao pagamento das custas remanescentes. Indevidos honorários advocatícios sucumbenciais, na forma do art. 25 da Lei 12.016/09.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA LEI 14.151/2021. COVID-19. AFASTAMENTO DE EMPREGADA GESTANTE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO INSS. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DURANTE O AFASTAMENTO. IMPUTAÇÃO AO PODER PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO DO SALÁRIO-MATERNIDADE. RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ARCABOUÇO LEGAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Cinge-se a controvérsia quanto à responsabilidade pelo ônus financeiro decorrente do afastamento remunerado do trabalho de empregadas gestantes cujas atividades não podem ser realizadas em regime de trabalho à distância, durante a crise sanitária causada pela COVID-19, por força da Lei 14.151/2021. Pretende a impetrante que o ônus financeiro decorrente do afastamento seja reconhecido como hipótese de pagamento de salário maternidade, de forma que todos os valores pagos às empregadas durante todo o período de afastamento sejam reconhecidos como créditos previdenciários passíveis de compensação.
2. Preliminar de incompetência da Justiça Federal rejeitada, porquanto a discussão dos autos não versa sobre impasse de natureza trabalhista entre empregador e empregada, mas sim sobre pretensão regulamentação da relação jurídica administrativa e fiscal entre a impetrante e o Poder Público, atraindo, portanto, a competência da Justiça Federal para conhecer da causa.
3. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do INSS rejeitada, pois uma das pretensões da impetrante atravessa a discussão sobre gestão de benefício previdenciário (salário-maternidade), justificando, portanto, a participação da autarquia previdenciária na lide.
4. A Lei 14.151/2021, ao dispor sobre o afastamento do trabalho presencial da empregada gestante durante a emergência de saúde pública decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, imputou ao empregador a responsabilidade de manter o pagamento da remuneração, mesmo nas hipóteses em que o trabalho exercido pela empregada gestante afastada não for passível de ser prestado à distância. Inaplicável interpretação no sentido de imputar tal ônus ao Poder Público, hipótese essa que, caso fosse a vontade do legislador, viria acompanhada de regramento claro, expresso e detalhado, a viabilizar observância ao princípio da legalidade estrita aplicável à Administração Pública.
5. Inviável a caracterização do afastamento remunerado da empregada gestante, efetivado na forma da Lei 14.151/2021, como situação a ser enquadrada em hipótese de salário maternidade, eis que, não estando presentes os pressupostos legais necessários, não há qualquer margem legal para concessão do benefício por extensão, nem para imputar ao Poder Público a responsabilidade pelo custeio da remuneração devida às empregadas gestantes afastadas sem qualquer previsão legal para tanto e sem prévia fonte de custeio.
6. Não se ignora que existe uma ampla variedade de trabalhos que, por sua natureza e particularidades, não podem ser exercidos em regime de teletrabalho ou por outra forma de trabalho à distância. Entretanto, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.
7. No exercício de sua competência normativa e discricionária, o legislador federal deu encaminhamento consentâneo com os elementos que estiveram presentes na situação de calamidade gerada pela pandemia, distribuindo equitativamente os ônus temporários entre todos os envolvidos. Nesse contexto, o controle judicial é inviável porque não houve manifesta ou objetiva violação da discricionariedade política por parte do legislador. Pretender atuação do Poder Judiciário em sentido diverso daquele já estabelecido pela lei significaria imputar-lhe função de legislador positivo, em aberta violação ao postulado constitucional da separação dos poderes
8. A Lei 14.151/2021 tratou de regulamentar situação excepcional, emergencial, temporária e de aplicação limitada, provocada por crise sanitária de escala mundial. Em razão da excepcionalidade da norma, bem como do seu alcance temporal limitado, não há que se falar em violação a convenção ou tratado internacional, eis que, assim que superada a situação de emergência sanitária, a referida lei deixará de produzir efeitos no ordenamento jurídico brasileiro, com o restabelecimento do regramento anteriormente previsto.
9. Apelações do INSS e da União Federal providas. Remessa necessária provida.
