VOTO
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Trata-se de apelação interposta pela autarquia em face de sentença que julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
Inicialmente, não conheço do pedido da observância da súmula 111 do STJ, vez que a sentença prevê sua aplicação. Assim, não há possibilidade obtenção de posição mais favorável, estando ausente o interesse recursal.
Com essas considerações, passo à análise do feito, em relação ao qual se verifica a presença dos pressupostos de admissibilidade.
O pedido de efeito suspensivo à apelação, pugnado pelo INSS em seu recurso, somente poderia ser deferido na hipótese do artigo 995, parágrafo único do Código de Processo Civil, o que não foi demonstrado pela autarquia, principalmente em relação ao perigo de dano grave ou de difícil reparação.
Do mesmo modo, não atendidos os requisitos previstos no artigo 1012, par. 4º do citado diploma legal.
Tendo em vista que a presente ação foi ajuizada em junho de 2023, não há que se falar na ocorrência de prescrição quinquenal prevista no art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91, uma vez que não transcorreu mais de 5 anos desde o indeferimento administrativo em 08/03/2022 (id. 327563658, pág.5).
Passo ao exame do mérito.
Da aposentadoria por Idade Rural
É assente que o trabalho rural impõe ao segurado a execução de atividades para as quais prevalece a necessidade de vigor físico e aptidão motora, e, não por outro motivo, a legislação previdenciária reduz os patamares etários para aposentação nesta modalidade em 5 anos para homens e mulheres consoante dicção do Art. 48, §1º da Lei 8.213/91.
A concessão do jubilamento ao segurado especial na modalidade etária, portanto, depende da integralização de 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres e, consentaneamente, a comprovação de efetivo exercício de atividade rurícola em período não inferior a 180 meses, conforme §2ºdo indigitado dispositivo legal.
A comprovação de atividade rural, por sua vez, ocorrerá com a juntada de início de prova material corroborada por testemunhas, nos termos do artigo 55, §3º, da Lei nº 8.213/91. Neste sentido, segundo entendimento pacificado pela Jurisprudência, consistirão início de prova material documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Aliás, é sabido que a atividade rural ocorre, na maior parte das vezes em pequenas propriedades de maneira precária e em regime de subsistência, razão pela qual, na forma do artigo 17, parágrafo 4º da LBPS, os documentos produzidos em nome do titular do grupo familiar ou qualquer de seus componentes, na ausência de elementos a infirmar a prestação rurícola, aproveitam aos demais (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03).
Assim, constituirão ainda início de prova material para comprovação da atividade os documentos elencados em caráter exemplificativo pelo artigo 116 da IN 128/2022 do INSS, dentre eles, instrumentos cíveis contemporâneos que vinculem o segurado à terra (contrato de arrendamento, parceria, meação, comodato, etc.), bloco de notas do produtor rural, notas fiscais de entrada de mercadorias, documentos fiscais, declaração do imposto de renda, licenças do INCRA ou IBAMA, ficha de associação em sindicato ou cooperativa, carteiras de vacinação, fichas de atendimento médico, recibos de insumos agrícolas, entre outras.
De se destacar ainda que o documento mais antigo apresentado, não constitui, necessariamente, marco inicial para cômputo do período de trabalho como segurado rurícola por força do entendimento sedimentado na Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça, que assegura o reconhecimento de períodos anteriores a esta baliza desde pautado em prova testemunhal colhida sob o crivo do contraditório.
Por derradeiro, é de se assinalar que a própria realidade social da atividade em exame, no mais das vezes, executada em caráter precário e com efetiva assistência de crianças e jovens menores de 16 anos, impondo-lhes notória privação de atividades de desenvolvimento intelectual e lazer, não pode repercutir em dupla punição a estes agentes, devendo ser garantida, malgrado a previsão do artigo 11, inciso VII, item "c" da Lei 8.213/91, o reconhecimento da atividade rurícola executada pelo maior de 12 e menor de 16 anos, na forma da Súmula 5 da TNU, quando efetivamente comprovada.
Contrato de Trabalho Rural x Atividade do Segurado Especial
Com relação à existência de contratos de trabalho rural, sejam da própria parte autora, sejam de integrantes do grupo familiar, cumpre esclarecer que, embora os períodos laborados em favor de empregadores rurícolas possam ser computados como tempo de atividade campestre para fins de aposentadoria por idade rural do titular do documento, é controvertida na jurisprudência a utilização desses vínculos como início de prova material para comprovação da atividade de segurado especial.
A distinção fundamental entre as modalidades de trabalho rural reside na natureza jurídica e nos riscos assumidos pelo laborista. A legislação buscou tutelar o exercício rurícola em regime de economia familiar, caracterizado pela mútua dependência entre os membros da família, que assumem conjuntamente os riscos do sucesso ou insucesso da atividade econômica.
Diversamente, o labor rural assalariado, ainda que informal, não envolve os riscos do plantio e da lavoura, razão pela qual, embora possa ser considerado como tempo contributivo, exige provas distintas daquelas relativas ao trabalho do segurado especial. Neste último caso, prospera a necessidade de provas relativas à unidade familiar, uma vez que não há subordinação a tomador de serviços ou empregador.
Isso porque o emprego de natureza rural não se confunde com o exercício de atividade como segurado especial no âmbito do grupo familiar. Nos termos do artigo 2º da Lei nº 5.889/1973, "empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário" (grifamos).
Tal como ocorre com o labor informal urbano sem anotação na Carteira de Trabalho, o trabalho rural precariamente executado em favor de tomadores ou empregadores pressupõe início de prova material contemporânea, que pode ser satisfeita com documentos comumente utilizados nesse tipo de vínculo, como livros de diárias, anotações de tonelagem, entre outros.
Ademais, o caráter personalíssimo do contrato de trabalho rural impede que as provas do vínculo empregatício de um membro do grupo familiar sejam utilizadas para demonstrar a atividade rural dos demais integrantes da unidade familiar. A relação empregatícia estabelece vínculo jurídico específico e individual entre empregador e empregado, de modo que a prestação de serviços é intransferível e não pode ser presumida em relação a terceiros, ainda que pertencentes ao mesmo núcleo familiar.
Portanto, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ou outros documentos comprobatórios do vínculo empregatício de um cônjuge ou parente não servem como início de prova material da atividade rural do segurado especial, uma vez que não há como inferir que os períodos de trabalho assalariado de um membro da família correspondam, necessariamente, ao exercício da atividade rurícola em regime de economia familiar pelos demais.
Esta Colenda Corte, em casos semelhantes, tem decidido nesse mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO. PROVA MATERIAL. PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. 1. Os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural compreendem a idade e a comprovação de efetivo exercício de atividade no campo. 2. Não é possível estender a condição de trabalhador rural de um cônjuge ao outro quando o início de prova material apresentado se restringir, tão só, à CTPS, uma vez que os contratos de trabalho nela registrados não significam que o postulante tenha trabalhado no meio rural, dado o seu caráter pessoal, ou seja, somente o contratado pode prestar o serviço ao empregador. 3. Não havendo nos autos documentos hábeis, contemporâneos ao período que se quer comprovar, admissíveis como início de prova material, é de ser extinto o feito sem resolução do mérito, face a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo. 4. Honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários. 5. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação prejudicada. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003957-69.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 08/05/2024, DJEN DATA: 14/05/2024)
Nesse sentido, pela própria natureza da relação de emprego, impera o elemento personalíssimo desse liame, não sendo possível, em contraste, presumir que, nos períodos em que não houve vinculação empregatícia, o segurado tenha se ativado como segurado especial.
Isso porque, nos termos do inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, o segurado especial é a pessoa física que executa, em conta própria ou com auxílio de familiares, atividade rural de subsistência, exercida com mútua dependência e colaboração, sem o auxílio de empregados permanentes.
Ademais, o § 1º do mesmo artigo define o regime de economia familiar como:
"a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes."
Veja-se que a dependência que se firma nessa espécie precária de filiação é dos membros em relação ao próprio grupo familiar e não em relação a um empregador, como ocorre no emprego rural regulado pela Lei nº 5.889/1973.
Em sequência, é de se rememorar que o § 6º do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que:
"para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar."
Assim, as atividades do segurado especial e do empregado rural estão absolutamente dissociadas, já que, nesta última, o trabalho não é realizado para a subsistência do grupo familiar, tampouco em condição de vulnerabilidade social. Além disso, como é próprio da relação de emprego, trata-se de vínculo de natureza personalíssima, que, portanto, não pode ser estendido aos demais componentes do grupo familiar do segurado.
Com efeito, não se nega a natureza extenuante do vínculo de emprego rural, que deve ser computado para a formação do período mínimo de trabalho a que alude o § 2º do artigo 48 da Lei nº 8.213/1991. No entanto, os vínculos dessa natureza constantes na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do laborista não se traduzem em início de prova material apto a respaldar períodos de trabalho como segurado especial.
Do caso em análise
A parte autora, nascida em 28/10/1955, atualmente com 69 anos, preencheu o requisito etário para a concessão da aposentadoria por idade rural em 28/10/2010.
Formulou requerimento administrativo em 10/09/2020, o qual foi indeferido sob a justificativa de ausência dos requisitos legais para a concessão do benefício (ID 287352404, pág. 129).
Registre-se, que a autora já havia ajuizado demanda anterior com o mesmo objeto, a qual teve o pedido acolhido em sentença de primeiro grau, porém reformada por decisão deste Egrégio Tribunal Regional Federal, que extinguiu o feito sem resolução de mérito, diante da ausência de início razoável de prova material suficiente à demonstração do exercício de atividade rural, possibilitando que a parte trouxesse aos autos, novas provas e testemunhas, não configurando portanto coisa julgada material (ID 287352403, pág.77/85).
Naquela oportunidade, consignou o julgado (ID 287352403, pág. 77/85):
(...) A autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade rural. Nasceu em 28 de outubro de 1955 (fl. 11), com implemento do requisito etário em 28 de outubro de 2010. Deveria, portanto, comprovar nos autos o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior a 2010, ao longo de, ao menos, 174 (cento e setenta e quatro) meses, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Para tanto, coligiu aos autos cópia da certidão de casamento dela, realizado em 1977, na qual o cônjuge foi qualificado como agricultor (fl. 13); e cópia da CTPS dele, na qual consta registro de caráter rural, a partir de 1º/02/2001, sem data de término e com anotação de cancelamento (fls. 14/15).
Como se vê dos elementos de prova carreados autos, a autora traz documentos que apenas indicam a condição de trabalhador rural do marido. Nesse particular, entendendo que a extensão de efeitos em decorrência de documento de terceiro - familiar próximo - parece-me viável apenas quando se trata de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar - o que não é o caso dos autos, haja vista que as testemunhas relataram que a autora trabalhava em propriedades rurais de terceiros. (...)
Na presente demanda, visando suprir as lacunas identificadas na ação anterior, a autora apresentou documentação diversa para fins de comprovação do labor rural:
- Comprovante de residência em nome do cônjuge, Adriano José Paixão, na Rua Dejanira Rodrigues dos Santos, nº 48, centro, Paraíso das Águas/MS (ID 287352402, pág. 19);
- Certidão de casamento datada de 05/09/1977, na qual consta a profissão do esposo como agricultor (ID 287352402, pág. 20);
- Declaração da FUNAI, datada de 18/05/2022, indicando a autora como filha de Pedrina Tereza da Conceição, indígena residente na aldeia Baixão, na terra indígena Atikum (ID 287352402, pág. 21);
- Declaração da FUNAI, datada de 01/04/2019, reconhecendo o esposo da autora como pertencente ao grupo étnico Atikum-Umã (ID 287352402, pág. 22);
- Declaração do Cacique da comunidade, datada de 22/02/2021, atestando que a autora pertence à etnia Atikum-Umã (ID 287352402, pág. 23).
Em 22/08/2023, foi realizada audiência de instrução e julgamento para oitiva das testemunhas não arroladas na ação anterior e para depoimento pessoal da parte autora:
Sebastião Rodrigues de Freitas afirmou conhecer a parte autora há aproximadamente 20 anos. Relatou que sempre trabalharam na roça, inicialmente em área rural, tendo posteriormente se mudado para a cidade, onde continuaram prestando serviços em fazendas. Esclareceu que trabalhavam juntos na lavoura, desenvolvendo atividades manuais no cultivo de milho, arroz e feijão, sempre em regime de trabalho braçal. Informou, ainda, que a autora reside na cidade há cerca de quatro anos.
Aparecido Borges da Silva também declarou conhecer a autora há mais de 20 anos, período em que, segundo ele, sempre exerceram atividades braçais, como serviços de roça, construção de cercas e empreitadas em propriedades rurais. Mencionou, especificamente, a Fazenda Córrego Fundo e, mais recentemente, a Fazenda Pedra Branca como locais em que a autora trabalhou. Afirmou que atualmente a autora mora na cidade, mas disse não saber se ela ainda exerce atividade rural, reforçando que, durante o período em que a conheceu, sempre trabalhou na lavoura.
Por sua vez, em seu depoimento, Tereza Pedrina da Conceição, apresentou-se como indígena e afirmou ser analfabeta, declarou ter 67 anos e sempre ter trabalhado na roça, inicialmente em Pernambuco, depois no Paraná e, por fim, no Mato Grosso. Contou que laborou por dez anos na Fazenda Boa Terra, e após a mudança para o Mato Grosso, trabalhou em diversas outras fazendas, mencionando nominalmente a Fazenda Mangabira e a Fazenda Córrego Fundo, onde permaneceu por cerca de 15 anos com seu esposo, igualmente indígena. Afirmou que nunca exerceu qualquer atividade na cidade e que não possui documentos, uma vez que sempre viveu do trabalho rural.
Inicialmente verifico que a única prova contemporânea a subsidiar o alegado labor rurícola é a certidão de casamento, que indica que o cônjuge da parte autora era lavrador ao tempo da respectiva lavratura.
Os demais documentos, dentre os quais, a certidões expedidas pela Fundação Nacional do Índio, são contemporâneos à propositura da ação, razão pela qual o seu valor probatório deve ser visto com cautela.
Muito embora as certidões emitidas por Fundações Públicas tenham presunção relativa de veracidade, é de se ponderar que a certificações foram expedidas indicando a condição atual da autora, sem menção a qualquer respaldo documental ou procedimento administrativo que conduziu à tal conclusão.
Não são citados estudos antropológicos, étnicos, diligências ou qualquer outra circunstância que faça concluir pela perpetuação da condição de indígena aldeada ou não aldeada ao longo da vida.
De efeito, estabelece o artigo o Regulamento de Previdência Social (Decreto 3.048/99):
Art. 19-D. O Ministério da Economia manterá sistema de cadastro dos segurados especiais no CNIS, observado o disposto nos § 7º e § 8º do art. 18, e poderá firmar acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal para a manutenção e a gestão do sistema de cadastro.
§ 13. A condição de segurado especial dos índios será comprovada por meio de certidão fornecida pela Fundação Nacional do Índio - Funai que:
I - conterá a identificação da entidade e de seu emitente, com a indicação do mandato, se for o caso;
II - será fornecida em duas vias, em papel timbrado, com numeração sequencial controlada e ininterrupta;
III - conterá a identificação, a qualificação pessoal do beneficiário e a categoria de produtor a que pertença;
IV - consignará os documentos e as informações que tenham servido de base para a sua emissão e, se for o caso, a origem dos dados extraídos de registros existentes na própria entidade declarante ou em outro órgão, entidade ou empresa, desde que idôneos e acessíveis à previdência social;
A ausência de dados a credenciar as informações que foram objeto de certificação pela FUNAI, faz presumir ser legítima a condição étnica certificada, que, contudo, não dessume labor rural ao longo da vida funcional e, tampouco, ao tempo da integralização do requisito etário ou ao tempo do requerimento do benefício.
Não olvide que o artigo 13 do 6.001/1973, o "Estatuto do Índio", dispõe que as certidões expedidas pela Instituição qualificam-se como meio "subsidiário" de prova. É dizer, devem ser corroborados por outros elementos fáticos e nada impede que sejam infirmados pelos mesmos motivos.
A prevalência absoluta das informações contidas nas certidões da FUNAI já foi relativizada em diversas oportunidades por esta Corte, uma vez que a mesma Fundação certificou a condição de indígena quando estavam ausentes indícios a corroborar o certificado, ou, quando existiam provas de labor urbano no período certificado:
:APELAÇÃO CÍVEL - 5001865-21.2023.4.03 .9999Requerente:EVA GAUTO VERARequerido:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SEGURADA ESPECIAL INDÍGENA . AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO DESPROVIDO. I . CASO EM EXAME 1. Agravo interno interposto pela parte autora contra decisão monocrática que extinguiu, de ofício, o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, IV e § 3.º, do CPC, por ausência de início de prova material do exercício de atividade rural à época do nascimento da filha, restando prejudicada a análise do recurso de apelação . II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se a certidão da FUNAI com data posterior ao nascimento da criança constitui início de prova material suficiente para comprovar a atividade rural da autora; (ii) estabelecer se a ausência de documentos nos 12 meses anteriores ao nascimento do filho impede o reconhecimento da qualidade de segurada especial; (iii) determinar se houve nulidade processual pela não realização de prova testemunhal. III . RAZÕES DE DECIDIR 3. A certidão da FUNAI apresentada pela autora, com data posterior ao nascimento da criança, não constitui início de prova material hábil a comprovar o exercício de atividade rural no período exigido. 4. A ausência de qualquer documento que comprove o exercício de atividade rural nos 12 meses anteriores ao nascimento da filha inviabiliza o reconhecimento da qualidade de segurada especial, conforme o art . 39, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991. 5. A alegação de nulidade por ausência de prova testemunhal não prospera, pois a própria parte autora expressamente dispensou a produção da prova oral, conforme petição nos autos . 6. A ausência de início de prova material impõe a extinção do feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC, conforme entendimento consolidado no STJ e na 9ª Turma do TRF. IV . DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. *Tese de julgamento:* 1. A certidão da FUNAI com data posterior ao evento gerador não constitui início de prova material para fins de concessão de benefício previdenciário . 2. A ausência de documentos que comprovem o exercício de atividade rural nos 12 meses anteriores ao nascimento da criança impede o reconhecimento da qualidade de segurada especial. 3. Não há nulidade processual quando a parte expressamente dispensa a produção de prova testemunhal . 4. A ausência de início de prova material impõe a extinção do processo sem resolução de mérito. ______ *Dispositivos relevantes citados:* CPC, arts. 485, IV e § 3º; Lei nº 8 .213/1991, art. 39, parágrafo único. *Jurisprudência relevante citada:* STJ, REsp 1.352 .721-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16 .12.2015 (repetitivo); STF, RE 1.086.351 (referido pela parte autora) .(TRF-3 - ApCiv: 50018652120234039999, Relator.: Juíza Federal LUCIANA ORTIZ TAVARES COSTA ZANONI, Data de Julgamento: 27/06/2025, 9ª Turma, Data de Publicação: 01/07/2025)
SALÁRIO-MATERNIDADE RURAL - PROVA DO EXERCÍCIO DE LABOR RURAL DURANTE O PERÍODO DE CARÊNCIA - CERTIDÃO DA FUNAI: PRESUNÇÃO DE VERACIDADE AFASTADA - PROVA TESTEMUNHAL INCOMPATÍVEL COM DADOS DO CNIS. 1. A teor do artigo 71 da Lei Federal nº. 8 .213/91, na redação dada pela Lei Federal nº. 10.710/03, o "salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade". 2 . Com relação à segurada especial, o salário maternidade será de 1 salário mínimo e não há carência, desde que prove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao início do benefício, conforme artigo 39, parágrafo único, da Lei Federal nº. 8.213/91. 3 . A prova da atividade rural exige início de prova material, não admitida a prova exclusivamente testemunhal a teor do artigo 55, § 3º, da Lei Federal nº. 8.123/91 e da Súmula nº. 149, do C . Superior Tribunal de Justiça. 4. Nos termos de orientação do C. Superior Tribunal de Justiça, em regime de repetitividade, a falta de prova do labor rural implica a extinção do processo, sem a resolução do mérito: CORTE ESPECIAL, REsp 1352721/SP, j . 16/12/2015, DJe 28/04/2016. Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. 5 . Em que pese a presunção de veracidade da certidão emitida pela FUNAI, verifica-se que a autora esteve trabalhando para a Secretaria de Estado da Educação até 01/07/2016 e, após o nascimento do filho, voltou a prestar serviço para o Município de Japorã, em 14/08/2018. 6. Verifica-se, ainda, que diferentemente do que consta da certidão e da afirmação das testemunhas, a autora nem sempre exerceu trabalho rural, uma vez que possui diversos vínculos empregatícios junto a empresa privada e órgãos do poder público de 2009 a 2020. 7 . Apelação provida. (TRF-3 - ApCiv: 50012307420224039999, Relator.: Juiz Federal MARCELO GUERRA MARTINS, Data de Julgamento: 09/08/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 12/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. PENSÃO POR MORTE . DECISÃO MONOCRÁTICA. INDÍGENA. CERTIDÃO ADMINISTRATIVA DA FUNAI.. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA COMO EMPREGADO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO ÓBITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.AGRAVO DESPROVIDO . I - Como restou expressamente consignado na decisão agravada, o julgamento monocrático atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais, ambos contemplados na nova sistemática processual civil, sendo passível de controle por meio de agravo interno, nos termos do artigo 1.021 do CPC, cumprindo o princípio da colegialidade.. II - A parte autora trouxe aos autos certidão emitida pela FUNAI, datada de 09.05.2017, dando conta de que o falecido exerceu atividade rural em regime de economia familiar na Aldeia Bororó, n. 787, no período de 02 .05.1980 a 10.10.2002, atuando no cultivo de mandioca, milho e batata . De outra parte, consta ainda dos autos extrato de CNIS informando que o de cujus possuía os seguintes vínculos empregatícios, a saber: empregado na "Construtora Jore Ltda", com data de admissão em 23.03.1987, sem data de saída, e empregado de "Paulo Silveira de Mello" no período de 01.06 .1998 a 31.05.2000. III - E sabido que a certidão emitida pela FUNAI acima reportada poderia ser reputada como início de prova material, consoante dispõe o art . 47, inciso XI, da Instrução Normativa n. 77/2015. Cabe ponderar, todavia, que a certidão foi emitida quase 15 (quinze) anos após a morte de Osvaldo da Silva Oliveira. Além disso, não há nenhum documento contemporâneo aos fatos que se pretende comprovar . Como se vê do extrato do CNIS, o finado manteve vínculo empregatício por 02 (dois) anos, com o recebimento de remuneração superior a um salário mínimo, o que se mostra incompatível com a condição de segurado especial. IV - A autora recebe atualmente pensão por morte decorrente do falecimento de sua genitora, a Sra. Rosinalda Arevalo (NB 127.918 .922 - 0), que se deu na mesma data do óbito do de cujus, seu esposo, constando ainda que ela atuou como empregada da Prefeitura Municipal de Dourados/MS até a data de sua morte, de acordo com os documentos id. 139448694 - pág. 20/30. Refuta-se, desta forma, a alegação de existência de regime de economia familiar . V - A despeito dos depoimentos testemunhais assegurarem que o falecido exerceu atividade rurícola até a data do evento morte, anoto que, em relação ao período imediatamente anterior ao óbito, notadamente aquele que sucede o término do período de "graça" previsto no art. 15, § 2º, da Lei n. 8, 213/91, que se verificou em 07/2001, não há documento que possa ser reputado como início de prova material. Frise-se que não houve desconsideração da certidão emitida pela FUNAI . Diante dos demais elementos probatórios constantes dos autos, todavia, sua força probante restou esmaecida. VI - Não foi apresentado documento indispensável ao ajuizamento da ação, ou seja, início de prova material da atividade rural exercido pelo falecido no período anterior ao óbito. Como o § 3º do art. 55 da Lei n . 8.213/91 versa sobre matéria probatória, reputo processual a natureza do dispositivo, de tal sorte que, nos feitos que envolvam o reconhecimento de tempo de serviço, a ausência do respectivo início de prova material constitui impedimento para o desenvolvimento regular do processo. Ausente o pressuposto processual, pois. VII - Vale lembrar a finalidade do § 3º do art . 55 da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do E. STJ, qual seja: evitar a averbação de tempo de serviço inexistente, resultante de procedimentos administrativos ou judiciais promovidos por pessoas que não exerceram atividade laborativa . No caso dos autos, carece a parte autora de comprovação material sobre o exercício de atividade rural desempenhado pelo falecido individualmente, restando prejudicada a apreciação do pedido de pensão por morte. Nesse sentido, o julgamento proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1 .352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Representativo de Controvérsia, em 16 .12.2015. VIII - Agravo ( CPC, art. 1 .021) interposto pelo Ministério Público Federal desprovido. (TRF-3 - ApCiv: 50001484420174036002, Relator.: Gab. 35 - DES. FED . SÉRGIO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 17/11/2021, 10ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 19/11/2021)
Sem prejuízo do consignado, a prova oral obtida foi homogênea em estabelecer o exercício de atividade campestre ao longo da vida da autora.
No entanto, cabe ressalvar que o labor rurícola declarado foi prestado em favor de fazendas em aparente condição informal de prestação de serviços.
É dizer, não existiu labor em prol do grupo familiar, ou, ao menos, como se esperaria na condição de indígena, em prol da comunidade em que se insere o membro do grupo étnico.
Muito embora corriqueiro, o trabalho informal prestado à empregadores rurais, não se qualifica como atividade do segurado especial em que prepondera a condição de mútua dependência entre os membros do grupo familiar, e, no caso específico, do grupo étnico.
O labor assalariado a que refere a prova testemunhal, dá-se mediante remuneração preestabelecida, e, portanto, afasta-se da economia de subsistência a que tutela a legislação protetiva.
Diante dos elementos considerados, concluo pela ausência de comprovação da condição de segurada especial da parte autora e, consequentemente, do tempo de carência necessário para obtenção da aposentadoria pleiteada.
É de se extinguir o feito sem exame do mérito, na forma do Tema 629 do C. STJ, de modo a viabilizar que a autora, em demanda devidamente instruída com início de prova material a demonstrar a existência de vínculo empregatício com os respectivos tomadores de serviço, nominalmente indicados pela prova oral e com a adequada causa de pedir, possa, eventualmente, demandar pela concessão do benefício postulado.
Sucumbência em reversão ora fixada em 10% do valor da causa em desfavor da parte autora, isenta ante ao deferimento de gratuidade judiciária. Custas pela parte autora, igualmente isenta.
DISPOSITIVO
Posto isso, voto por NÃO CONHECER de parte do recurso e, na parte conhecida, lhe dar PARCIAL PROVIMENTO para exonerar o INSS da obrigação de implantar benefício e extinguir, sem exame do mérito, o pedido de reconhecimento de tempo de labor rurícola.
ANA IUCKER
Desembargadora Federal