Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002093-47.2019.4.03.6115
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE.
IRREPETIBILIDADE DOS VALORES COBRADOS PELO INSS. CONTRATO DE TRABALHO
FICTÍCIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE AUFERIDOS PELA FALECIDA COMPANHEIRA.
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 979 DO C.STJ. BOA-FÉ
OBJETIVA. NATUREZA ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Tendo em vista que, no tocante ao pedido principal (reconhecimento de vínculo empregatício e
restabelecimento do benefício cessado) o processo foi extinto, sem resolução do mérito, nos
termos do art. do art. 485, I, c/c art. 330, III, do CPC, o presente acórdão se restringe à
apreciação da obrigação de o autor restituir aos cofres públicos os valores percebidos
indevidamente, em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Conforme se depreende do processo administrativo trazido aos presentes autos, à parte autora
foi deferido o benefício previdenciário de pensão por morte (NB 21/174.608.333-3), em razão do
falecimento de sua companheira (Norfa Elisabeth Rodrigues Falcão), o qual esteve em
manutenção desde o óbito, ocorrido em 22 de dezembro de 2017.
- Ocorre que, no âmago da Operação deflagrada pela Polícia Federal, denominada APATE, a
qual foi objeto da ação judicial nº 0000486-21.2018.403.6115, em trâmite pela 1ª Vara Federal de
São Carlos – SP, foi constatado que, por força de contrato de trabalho fictício, havia sido deferido
à de cujus dois benefícios por incapacidade, incluindo a aposentadoria por invalidez da qual foi
titular até a data do falecimento (NB 32/5392244773), sendo apurado complemento negativo da
ordem de R$ 433.419,56.
- Do acervo probatório verifica-se que o INSS não logrou comprovar que a parte autora tivesse
concorrido fraudulentamente para o equívoco na concessão dos benefícios por incapacidade dos
quais sua falecida companheira foi titular, restando caracterizado erro exclusivo da Administração,
ainda que decorrente da ação de terceiro. O mesmo fundamento se aplica no tocante às parcelas
de pensão por morte por ele auferidas até a data da suspensão administrativa do benefício.
- É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. Na situação retratada nos
autos, não resta demonstrada a atuação de má-fé da parte autora, motivo pelo qual é incabível a
devolução de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da
Administração, para o qual não concorreu.
- Dentro deste quadro, porquanto imbuído de boa-fé, carece o autor da obrigação de restituir aos
cofres públicos o valor das parcelas indevidamente auferidas.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002093-47.2019.4.03.6115
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BERIVALDO CONSTANTINO DIAS
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA CRISTINA FARIAS DA SILVA - SP294343-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002093-47.2019.4.03.6115
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BERIVALDO CONSTANTINO DIAS
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA CRISTINA FARIAS DA SILVA - SP294343-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por BERIVALDO CONSTANTINO DIAS em
face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURADO SOCIAL – INSS, objetivando o
restabelecimento da pensão por morte (NB 21/174.608.333-3) e a irrepetibilidade dos valores
cobrados, em razão do recebimento indevido de benefícios previdenciários, incluído a
aposentadoria por invalidez (NB 32/5392244773) da qual sua falecida companheira foi titular, no
interregno compreendido entre 15 de janeiro de 2010 e 22 de dezembro de 2017.
Em relação ao pedido principal (reconhecimento de vínculo empregatício e restabelecimento do
benefício cessado), o processo foi extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. do art.
485, I, c/c art. 330, III, do CPC (id. 196158978 – p. 1/3).
A r. sentença recorrida julgo procedente o pedido subsidiário, para declarar a ausência de
responsabilidade do autor em relação à cobrança dos pagamentos pelos benefícios do qual sua
falecida companheira foi titular (NB 31/129.306.561-4 e NB 32/539.224.477-3), além daquele
deferido administrativamente em razão do seu falecimento (NB 21/174.608.333-3 – id.
196159149 – p. 1/2).
Em suas razões recursais, pugna o INSS pela reforma da sentença, com o decreto de
improcedência do pleito, mantendo-se a obrigação de o demandante restituir aos cofres
públicos o montante auferido indevidamente. Argui que, a apuração da irregularidade na
concessão dos benefícios previdenciários decorreu da Operação da Polícia Federal
denominada APATE, a qual foi objeto da ação judicial nº 0000486-21.2018.403.6115, em
trâmite pela 1ª Vara Federal de São Carlos – SP. Sustenta ter sido apurado na aludida
operação contrato de trabalho fictício, entre a companheira do autor (Norfa Elisabeth Rodrigues
Falcão) e a empresa Golden Press Comunicações S/C Ltda, referente ao período de
15/09/1995 a 31/03/2003, o que propiciou a concessão de benefícios por incapacidade e da
pensão por morte, por força do falecimento da titular (id. 196159151 – p. 1/7).
Sem contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002093-47.2019.4.03.6115
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BERIVALDO CONSTANTINO DIAS
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA CRISTINA FARIAS DA SILVA - SP294343-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tendo em vista que, no tocante ao pedido principal (reconhecimento de vínculo empregatício e
restabelecimento do benefício cessado) o processo foi extinto, sem resolução do mérito, nos
termos do art. do art. 485, I, c/c art. 330, III, do CPC, o presente acórdão se restringe à
apreciação da obrigação de o autor restituir aos cofres públicos os valores percebidos
indevidamente, em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido.”
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (Resp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Conforme se depreende do processo administrativo trazido aos presentes autos, à parte autora
foi deferido o benefício previdenciário de pensão por morte (NB 21/174.608.333-3), em razão do
falecimento de sua companheira (Norfa Elisabeth Rodrigues Falcão), o qual esteve em
manutenção desde o óbito, ocorrido em 22 de dezembro de 2017 (id. 196158974 – p. 28).
Ocorre que, no âmago da Operação deflagrada pela Polícia Federal, denominada APATE, a
qual foi objeto da ação judicial nº 0000486-21.2018.403.6115, em trâmite pela 1ª Vara Federal
de São Carlos – SP, foi constatado que, por força de contrato de trabalho fictício, havia sido
deferido à de cujus dois benefícios por incapacidade, incluindo a aposentadoria por invalidez da
qual foi titular até a data do falecimento (NB 32/5392244773), sendo apurado complemento
negativo da ordem de R$ 433.419,56.
Os benefícios por incapacidade haviam sido deferidos administrativamente à falecida
beneficiária, com lastro em contrato de trabalho fictício, junto a Golden Press Comunicações
S/C Ltda, no período de 15/09/1995 a 31/03/2003.
Sustenta o autor que não pode ser alcançado pela obrigação de ressarcir aos cofres públicos o
prejuízo supostamente provocado pela falecida companheira, pois se encontrava de boa-fé,
quando pleiteou o benefício previdenciário de pensão por morte, decorrente do falecimento.
Alega ainda a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que guardam
natureza alimentar.
Com efeito, do acervo probatório verifica-se que o INSS não logrou comprovar que a parte
autora tivesse concorrido fraudulentamente para o equívoco na concessão dos benefícios por
incapacidade dos quais sua falecida companheira foi titular, restando caracterizado erro
exclusivo da Administração, ainda que decorrente da ação de terceiro.
O mesmo fundamento se aplica no tocante às parcelas de pensão por morte por ele auferidas
até a data da suspensão administrativa do benefício.
É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. Na situação retratada nos
autos, não resta demonstrada a atuação de má-fé da parte autora, motivo pelo qual é incabível
a devolução de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da
Administração, para o qual não concorreu.
Dentro deste quadro, porquanto imbuído de boa-fé, carece o autor da obrigação de restituir aos
cofres públicos o valor das parcelas indevidamente auferidas.
DOS CONSECTÁRIOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, na forma da fundamentação. Os
honorários advocatícios serão fixados, por ocasião da liquidação do julgado.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE.
IRREPETIBILIDADE DOS VALORES COBRADOS PELO INSS. CONTRATO DE TRABALHO
FICTÍCIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE AUFERIDOS PELA FALECIDA
COMPANHEIRA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 979 DO C.STJ.
BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
- Tendo em vista que, no tocante ao pedido principal (reconhecimento de vínculo empregatício e
restabelecimento do benefício cessado) o processo foi extinto, sem resolução do mérito, nos
termos do art. do art. 485, I, c/c art. 330, III, do CPC, o presente acórdão se restringe à
apreciação da obrigação de o autor restituir aos cofres públicos os valores percebidos
indevidamente, em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Conforme se depreende do processo administrativo trazido aos presentes autos, à parte
autora foi deferido o benefício previdenciário de pensão por morte (NB 21/174.608.333-3), em
razão do falecimento de sua companheira (Norfa Elisabeth Rodrigues Falcão), o qual esteve em
manutenção desde o óbito, ocorrido em 22 de dezembro de 2017.
- Ocorre que, no âmago da Operação deflagrada pela Polícia Federal, denominada APATE, a
qual foi objeto da ação judicial nº 0000486-21.2018.403.6115, em trâmite pela 1ª Vara Federal
de São Carlos – SP, foi constatado que, por força de contrato de trabalho fictício, havia sido
deferido à de cujus dois benefícios por incapacidade, incluindo a aposentadoria por invalidez da
qual foi titular até a data do falecimento (NB 32/5392244773), sendo apurado complemento
negativo da ordem de R$ 433.419,56.
- Do acervo probatório verifica-se que o INSS não logrou comprovar que a parte autora tivesse
concorrido fraudulentamente para o equívoco na concessão dos benefícios por incapacidade
dos quais sua falecida companheira foi titular, restando caracterizado erro exclusivo da
Administração, ainda que decorrente da ação de terceiro. O mesmo fundamento se aplica no
tocante às parcelas de pensão por morte por ele auferidas até a data da suspensão
administrativa do benefício.
- É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. Na situação retratada nos
autos, não resta demonstrada a atuação de má-fé da parte autora, motivo pelo qual é incabível
a devolução de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da
Administração, para o qual não concorreu.
- Dentro deste quadro, porquanto imbuído de boa-fé, carece o autor da obrigação de restituir
aos cofres públicos o valor das parcelas indevidamente auferidas.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
