
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135149-57.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO GONCALVES NETO
Advogados do(a) APELADO: BRUNO JOSE RIBEIRO DE PROENCA - SP335436-N, ROGERIO MENDES DE QUEIROZ - SP260251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135149-57.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO GONCALVES NETO
Advogados do(a) APELADO: BRUNO JOSE RIBEIRO DE PROENCA - SP335436-N, ROGERIO MENDES DE QUEIROZ - SP260251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a revisão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 140.406.003-8 - DIB 26/07/2006), mediante o reconhecimento de atividade especial nos períodos de 23/04/1973 a 07/08/1974, 16/05/1975 a 19/10/1978, 02/05/1979 a 09/05/1980, 12/05/1980 a 06/07/1994, 02/01/1995 a 03/11/1995, 06/11/1995 a 17/09/2002 e 07/05/2003 a 14/02/2006, com a implantação de aposentadoria especial ou, sucessivamente, a conversão em atividade comum com a majoração da renda mensal inicial.
A r. sentença julgou procedente o pedido, para: i) determinar que a autarquia ré proceda a averbação do período de 23/04/1973 a 07/08/1974, 16/05/1975 a 19/10/1978, 16/05/1975 a 19/10/1978, 02/05/1979 a 09/05/1980, 12/05/1980 a 06/07/1994, 02/01/1995 a 03/11/1995, 06/11/1995 a 17/09/2002 e de 07/05/2003 a 14/02/2006, laborado pelo autor em condições especiais; ii) condenar a parte ré a converter o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedido ao autor em aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo, sem aplicação do fator previdenciário, com o pagamento das diferenças apuradas, respeitada a prescrição quinquenal anterior ao ajuizamento da ação, acrescido de correção monetária e juros de mora. Condenou o INSS, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas, considerando-se como tais as compreendidas entre o termo inicial do benefício e a data da prolação da sentença.
Apelou o INSS, alegando, preliminarmente, a necessidade de atribuição de efeito suspensivo ativo ao recurso. Aduz que a perícia judicial não atende aos pressupostos fixados pela jurisprudência para ser considerada válida, notadamente quanto à inatividade da empregadora, comprovada similaridade desta com a empresa vistoriada e ausência de LTCAT ou de PPP da empregadora, bem como foi realizada com fundamento único nos relatos da parte autora, não tendo sido apresentado certificado de calibração. Destaca que o perito judicial concluiu pela especialidade da atividade profissional sem promover a indispensável vistoria dos ambientes de trabalho frequentados pela parte autora. Requer seja declarada nula a perícia, sem pagamento de honorários ao sr. perito, nomeando-se outro expert para o mister (ou julgando o feito no estado em que se encontra, considerando a suficiência de prova documental apresentada). No mérito, sustenta, em suma, que não restou comprovada a exposição a agente nocivo de forma habitual e permanente. Afirma que não foram preenchidos os requisitos para concessão ou revisão do benefício. Requer a reforma da r. sentença, com a improcedência do pedido. Se esse não for o entendimento, requer a observância da prescrição quinquenal, a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros da revisão a partir da juntada do laudo pericial aos autos; a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020; a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; e o desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135149-57.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO GONCALVES NETO
Advogados do(a) APELADO: BRUNO JOSE RIBEIRO DE PROENCA - SP335436-N, ROGERIO MENDES DE QUEIROZ - SP260251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso, ora analisado, mostra-se formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
De início, ainda, não conheço da apelação do INSS quanto à aplicação de prescrição quinquenal e à incidência da Súmula 111/STJ, uma vez que o Juízo a quo decidiu nesse sentido, não havendo sucumbência, portanto, nestes tópicos.
E, não entendo que a imediata execução da sentença ora recorrida resulte, necessariamente, em lesão grave ou de difícil reparação à Previdência Social, uma vez que se deve observar que, no presente caso, colidem o bem jurídico vida e o bem jurídico pecuniário, daí porque aquele primeiro é que deve predominar, mesmo porque, embora, talvez, não seja, realmente, possível a restituição dos valores pagos a título de tutela antecipada, se não confirmada a r. sentença em grau recursal, ainda será factível a revogação do benefício concedido, impedindo, destarte, a manutenção da produção de seus efeitos.
Verifico não ter sido apresentada pela autarquia fundamentação relevante que ensejasse a atribuição de efeito suspensivo à apelação, nos termos do artigo 1012, § 4º, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual deve ser o seu pedido indeferido.
Cabe salientar que a prova tem por objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo. A finalidade da prova é a formação de um juízo de convencimento do seu destinatário, o magistrado. Assim, a decisão pela necessidade, ou não, da produção de prova é uma faculdade do magistrado, a quem caberá avaliar se há nos autos elementos e provas suficientes para formar sua convicção, a teor do que dispõe os artigos 370, 371 e 464, § 1º, do CPC. Nesse sentido, os seguintes julgados: AI 00132847020114030000, DESEMBARGADORA FEDERAL MARIANINA GALANTE, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2012; TRF 3ª Região, AC nº 2001.61.83.004094-2, Oitava Turma, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. 23/04/2007, DJU 16/05/2007, p. 460.
Na espécie, constata-se que o laudo pericial judicial traz elementos suficientes ao deslinde da demanda, função precípua da prova pericial, bem como restou demonstrada a contradição nos PPP apresentados e a impossibilidade de obtenção de documentos junto às empresas oficiadas.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a parte autora já recebe aposentadoria por tempo de contribuição, resta incontroverso o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.213/91
A controvérsia nos presentes autos refere-se, portanto, ao reconhecimento do exercício de atividade especial nos períodos de 23/04/1973 a 07/08/1974, 16/05/1975 a 19/10/1978, 16/05/1975 a 19/10/1978, 02/05/1979 a 09/05/1980, 12/05/1980 a 06/07/1994, 02/01/1995 a 03/11/1995, 06/11/1995 a 17/09/2002 e de 07/05/2003 a 14/02/2006.
Atividade especial:
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/60.
Dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
O critério de especificação da categoria profissional com base na penosidade, insalubridade ou periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executivo, foi mantido até a edição da Lei nº 8.213/91, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo seriam consideradas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então denominado informativo SB-40.
O Poder Executivo baixou os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, relacionando os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Embora o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 tenha limitado a aposentadoria especial às atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, o critério anterior continuou ainda prevalecendo.
De notar que, da edição da Lei nº 3.807/60 até a última CLPS, que antecedeu à Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo, como penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico.
A própria Lei nº 8.213/91, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo 152, que a relação de atividades profissionais
prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação em vigor para aposentadoria especial.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
Destaque-se que o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, deixou de fazer alusão a serviços considerados perigosos, insalubres ou penosos, passando a mencionar apenas atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, sendo que o artigo 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original, estabelecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas às condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
A atividade especial somente pode ser considerada por presunção legal até 28/04/1995, ocasião em que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 foram alterados pela Lei nº 9.032/95. A partir de então, o reconhecimento da atividade especial apenas se dá caso seja demonstrada a exposição, de forma habitual e permanente, a agentes nocivos à saúde ou à integridade física, sendo que após 10/12/1997 - data da vigência da Lei nº 9.528/97 - passou a ser necessária a apresentação de laudo técnico para comprovação à exposição a agentes nocivos à saúde.
Registro que o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP substitui o laudo técnico, sendo documento suficiente para aferição das atividades nocivas a que esteve sujeito o trabalhador. E também não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho em condições especiais à extemporaneidade de documento, pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual à constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica.
O artigo 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual, portanto, pode se basear em qualquer metodologia científica. Não tendo a lei determinado que a aferição só poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº 53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel. Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997 caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A) (STJ, REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/12/2014).
Quanto à eficácia do EPI, vale dizer que, por ocasião do julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou as seguintes teses:
a) “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; b) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Mais recentemente, o C. STJ, em 09/04/2025, ao apreciar o Tema nº 1.090 em sede de recursos repetitivos (REsp 2082072/RS, REsp 1828606/RS, REsp 2080584/PR e REsp 2116343/RJ), de Relatoria da Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, firmou a seguinte tese:
“I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido; II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI; III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.”
Contudo, há situações em que há risco evidente de contato com agentes nocivos, nos quais a simples utilização de EPI, por si só, é insuficiente para a neutralização do risco, quais sejam:
a) atividades em que há exposição a níveis de ruído superiores aos limites previstos na legislação previdenciária (Tema nº 555 do C. STF, ARE 664335, Rel. Min. Luiz Fux);
b) atividades em que há exposição a agentes biológicos nocivos, notadamente quando envolve o contato com materiais infecto-contagiantes (médicos, enfermeiros, coletores de lixo, etc), uma vez nenhum EPI é suficiente para evitar completamente a contaminação por tais agentes;
c) atividades em que há exposição a agentes químicos cancerígenos, tendo em vista o alto grau de nocividade;
d) atividades que envolvam contato com eletricidade ou materiais explosivos, visto que a simples periculosidade já se revela suficiente para caracterizar a especialidade.
Com relação aos agentes químicos considerados cancerígenos, vale dizer que o artigo 68, §4º, do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 8.123/13, disciplinava que a mera presença de tais agentes no ambiente de trabalho seria suficiente para a comprovação da efetiva exposição do trabalhador.
Ocorre que o Decreto nº 10.410/2020, publicado em 01/07/2020, alterou a redação do artigo. 68, §4º do Decreto 3.048/99, passando a prever a possibilidade de descaracterização da especialidade, desde que comprovada a adoção de medidas de controle que eliminem a nocividade, nos seguintes termos: "§ 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição.".
Sendo assim, antes da edição do Decreto nº 10.410/2020, não havia qualquer restrição ao reconhecimento do tempo especial com base na exposição aos agentes químicos considerados cancerígenos.
Diante disso, até o advento do Decreto nº 10.410/2020, a utilização de EPI não possui o condão de descaracterizar a especialidade da atividade quando houver exposição a um dos agentes químicos constantes de qualquer um dos Grupos que integram a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos – LINACH.
Logo, quanto aos agentes químicos dessa natureza, somente para os períodos trabalhados após o Decreto nº 10.410/2020, a utilização de EPI eficaz deve ser avaliada concretamente para a comprovação do tempo de serviço especial.
De todo modo, para aqueles agentes constantes do grupo 1 da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH, ou seja, agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, a mera utilização de EPI não se mostra suficiente para neutralizar a real nocividade do agente.
No mais, a especialidade da atividade pode ser caracterizada também quando houver nos autos elementos que permitam contrariar eventual anotação no PPP quanto à eficácia do EPI fornecido pela empresa.
Assim, a possibilidade de afastamento do tempo especial em razão da utilização de EPI deve ser avaliada de forma casuística.
Destaco, ainda, que inexiste vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa, ou nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado.
Por seu turno, o recebimento de adicional de insalubridade ou de pagamento da taxa SAT (com indicação de IEAN no CNIS) não implica necessariamente no reconhecimento de exercício de atividade especial, que tem que ser comprovada pelos meios estabelecidos na legislação vigente.
Quanto à possibilidade da contagem do tempo em gozo de auxílio-doença como atividade especial, o julgamento proferido em sede de repetitivo (Tema repetitivo n. 998), fixou da seguinte tese: “O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial”.
No presente caso, da análise dos documentos juntados aos autos, e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial nos seguintes períodos:
- 02/05/1979 a 09/05/1980, uma vez que exerceu a função de "soprador", em estabelecimento industrial ("Vidraçaria Santa Rita Ltda."), enquadrado pela categoria com base nos códigos 2.5.2 Anexo III do Decreto 53.831/64 e 2.5.5 do Anexo II do Decreto 83.080/79 - CTPS, ID 33477173, p. 3;
- 23/04/1973 a 07/08/1974, 16/05/1975 a 19/10/1978, 12/05/1980 a 06/07/1994, 02/01/1995 a 03/11/1995, 06/11/1995 a 17/09/2002 e de 07/05/2003 a 14/02/2006, em que exposto de forma habitual e permanente a ruído superior a 90 dB(A), com base nos códigos 1.1.6 do Anexo III do Decreto 53.831/64, e 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Decreto nº 3.048/99 (Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003) - laudo judicial (ID 334772078).
Dessa forma, computando-se o tempo de serviço especial ora reconhecidos, excluídos os períodos concomitantes, até a data do requerimento administrativo (26/07/2006), verifica-se que a parte autora comprovou o exercício de atividades consideradas especiais por um período superior a 25 (vinte e cinco) anos, razão pela qual preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria especial, nos moldes dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91.
Em consonância com o posicionamento adotado por esta E. Turma e em nome do princípio da economia processual, determino que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão seja fixado pelo Juízo da Execução de acordo com a tese a ser fixada no Superior Tribunal de Justiça no Tema n.º 1.124:
“Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se os critérios estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947, sendo que a partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, haverá a incidência da taxa Selic para fins de atualização monetária e compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, além de reembolsar as custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, por se tratar de beneficiário da gratuidade da justiça (arts. 4º, I e parágrafo único, da Lei nº 9.289/1996, 24-A da Lei nº 9.028/1995, n.r., e 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/1993).
No tocante ao pedido para obrigar a parte autora a firmar a referida autodeclaração, trata-se de procedimento da entidade autárquica no âmbito administrativo, para o qual dispensa-se a determinação judicial.
Por fim, cumpre observar que o C. STF, por ocasião do julgamento do Tema nº 709 no RE 791.961, pacificou a questão, ao firmar a seguinte tese:
“(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão.”
Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por Lei.
Diante do exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou-lhe parcial provimento, para determinar que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão seja fixado pelo Juízo da Execução de acordo com a tese a ser firmada no Tema n.º 1.124/STJ e para observar a isenção de custas processuais, nos termos da fundamentação.
É como voto.
EMENTA
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. ENQUADRAMENTO PELA CATEGORIA. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. REQUISITOS PREENCHIDOS. ISENÇÃO DE CUSTAS. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS (TEMA 1124/STJ). APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDA.
I. Caso em exame
1. Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a revisão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 140.406.003-8 - DIB 26/07/2006), mediante o reconhecimento de atividade especial nos períodos de 23/04/1973 a 07/08/1974, 16/05/1975 a 19/10/1978, 02/05/1979 a 09/05/1980, 12/05/1980 a 06/07/1994, 02/01/1995 a 03/11/1995, 06/11/1995 a 17/09/2002 e 07/05/2003 a 14/02/2006, com a implantação de aposentadoria especial.
II. Questão em discussão
2. Questões em discussão: (i) atribuição do efeito suspensivo à apelação; (ii) possibilidade (ou não) de manutenção do reconhecimento de atividade especial efetuado em primeiro grau; (iii) implementação dos requisitos necessários à benesse vindicada e fixação do termo inicial dos efeitos financeiros; e (iv) isenção de custas processuais.
III. Razões de decidir
3. Apelação do INSS não conhecida quanto à aplicação de prescrição quinquenal e à incidência da Súmula 111/STJ, uma vez que o Juízo a quo decidiu nesse sentido, não havendo sucumbência, portanto, nestes tópicos.
4. Verifica-se não ter sido apresentada pela autarquia fundamentação relevante que ensejasse a atribuição de efeito suspensivo à apelação, nos termos do artigo 1012, § 4º, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual deve ser o seu pedido indeferido.
5. Constata-se que o laudo pericial judicial traz elementos suficientes ao deslinde da demanda, função precípua da prova pericial, bem como restou demonstrada a contradição nos PPP apresentados e a impossibilidade de obtenção de documentos junto às empresas oficiadas.
6. No presente caso, da análise dos documentos juntados aos autos, e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial nos seguintes períodos: - 02/05/1979 a 09/05/1980, uma vez que exerceu a função de "soprador", em estabelecimento industrial ("Vidraçaria Santa Rita Ltda."), enquadrado pela categoria com base nos códigos 2.5.2 Anexo III do Decreto 53.831/64 e 2.5.5 do Anexo II do Decreto 83.080/79 - CTPS; - 23/04/1973 a 07/08/1974, 16/05/1975 a 19/10/1978, 12/05/1980 a 06/07/1994, 02/01/1995 a 03/11/1995, 06/11/1995 a 17/09/2002 e de 07/05/2003 a 14/02/2006, em que exposto de forma habitual e permanente a ruído superior a 90 dB(A), com base nos códigos 1.1.6 do Anexo III do Decreto 53.831/64, e 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Decreto nº 3.048/99 (Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003) - laudo judicial.
7. Dessa forma, computando-se o tempo de serviço especial ora reconhecidos, excluídos os períodos concomitantes, até a data do requerimento administrativo (26/07/2006), verifica-se que a parte autora comprovou o exercício de atividades consideradas especiais por um período superior a 25 (vinte e cinco) anos, razão pela qual preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria especial, nos moldes dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91.
8. Em consonância com o posicionamento adotado por esta E. Turma e em nome do princípio da economia processual, determina-se que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão seja fixado pelo Juízo da Execução de acordo com a tese a ser fixada no Superior Tribunal de Justiça no Tema n.º 1.124: “Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”.
9. O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, além de reembolsar as custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, por se tratar de beneficiário da gratuidade da justiça (arts. 4º, I e parágrafo único, da Lei nº 9.289/1996, 24-A da Lei nº 9.028/1995, n.r., e 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/1993).
10. Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por Lei.
IV. Dispositivo e tese
11. Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS conhecida em parte e parcialmente provida.
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Dispositivos relevantes citados: artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91; Decreto nº 53.831/64, Decreto nº 83.080/79, Decreto nº 2.172/97 e Decreto nº 3.048/99 (Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003).
Jurisprudência relevante citada: Tema 1.124/STJ.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal
