
2ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5003652-46.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: ATACADO FERNANDES DE GENEROS ALIMENTICIOS, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA.
Advogado do(a) AGRAVADO: DIOGO DE ALMEIDA REIS GIORDANO - MS19596
OUTROS PARTICIPANTES:
2ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5003652-46.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: ATACADO FERNANDES DE GENEROS ALIMENTICIOS, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA.
Advogado do(a) AGRAVADO: DIOGO DE ALMEIDA REIS GIORDANO - MS19596
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R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO:Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela UNIÃO FEDERALcontra decisão proferida nos autos de ação que lhe é movida por ATACADO FERNANDES DE GENEROS ALIMENTICIOS, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA.
A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:
“1. Trata-se de ação, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e da União Federal (Fazenda Nacional).
Alega a parte autora que: exerce atividade empresarial e conta com diversas mulheres em seu quadro de funcionários; a Lei 14.151/2021 determinou o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus, sem prejuízo de sua remuneração, as quais devem ficar à disposição para exercer suas funções em regime de trabalho à distância; no entanto, suas atividades envolvem funções que não podem ser exercidas à distância; a lei não esclareceu a quem cabe o custeio da remuneração das colaboradoras afastadas nesse período que não puderem exercer suas funções, mas ele não deve ser atribuído à empregadora, seja porque importaria em ônus desproporcional, em face da necessidade de contratação de substitutos, com risco à sobrevivência da atividade empresarial, seja por conta da proteção prevista no art. 4º, item 8, da Convenção 103 da OIT.
Requer, assim, inclusive em caráter de antecipação de tutela, declaração do direito e autorização para afastamento das empregadas gestantes de suas atividades, requerimento dos respectivos salários-maternidade e compensação dos salários pagos com as contribuições devidas sobre a folha de salários, nos termos do art. 72, §1º, da Lei 8.213/91.
Decido.
A concessão de tutela de urgência demanda a demonstração de probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300 do CPC.
A Lei 14.151/2021, com efeito, determinou o afastamento das empregadas gestantes durante o período de vigência do estado de emergência decorrente da Covid-19, nos seguintes termos:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Como se observa, embora tenha previsto que a empregada permanecesse à disposição para exercer suas atividades à distância, a lei não tratou sobre as hipóteses em que tais atividades somente possam ser exercidas presencialmente, e nem sobre a titularidade do ônus remuneratório nessas situações.
A tal respeito, a Constituição Federal de 1988 conferiu especial proteção à saúde, à maternidade, à família e à infância (arts. 196, 201, II, 226 e 227), de modo que, diante da gravidade da pandemia da Covid-19, a necessidade de afastamento do trabalho da empregada gestante, mesmo que suas funções não possam ser exercidas à distância, é indubitável.
A seu turno, a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho, internalizada pelo Decreto 58.820/66, ora compilada no Decreto 10.088/19, estabelece em seu art. 4º que as prestações em espécie devidas em razão da maternidade devem ser custeadas por seguros obrigatórios ou fundos públicos, e “em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega” (item 8). A medida, evidentemente, visa evitar a discriminação de gênero no mercado de trabalho.
Nesse contexto, seja por força da Constituição Federal, seja por norma supralegal, cabe efetivamente ao Estado a proteção dos bens jurídicos em questão.
Tradicionalmente, o afastamento do trabalho da gestante por risco à saúde e incapacidade temporária receberia cobertura por meio do auxílio-doença ou benefício por incapacidade temporária, previsto no art. 59 da Lei 8.213/91, já que o salário-maternidade tem o parto como um de seus requisitos, nos termos do art. 71 da referida lei.
Não obstante, o art. 394-A da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/17, prevê o afastamento da empregada gestante em caso de atividades consideradas insalubres, mediante concessão de salário-maternidade, nos seguintes termos:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei n° 13.467, de 2017)
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017)
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)
§ 1° (VETADO) (Redação dada pela Lei n° 13.467, de 2017)
§ 2° Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017)
§ 3° Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento. (Incluído pela Lei n° 13.467, de 2017)
(Trechos tachados em decorrência da decisão do STF na ADIN 5938)
O risco reconhecido pela Lei 14.151/2021, portanto, é tutelado pela norma em comento, de maneira que é devido salário-maternidade à gestante afastada do trabalho nas condições nela previstas, cujas funções não possam ser exercidas à distância.
Consequentemente, cabe à empresa o pagamento do salário-maternidade, mediante compensação com os valores devidos a título de contribuição social sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos, na forma do art. 72, §1º, da Lei 8.213/91.
Por fim, tratando-se de risco já previsto pela legislação previdenciária, não há que se falar em violação à exigência de prévia fonte de custeio (art. 195, §5º, da CF).
No caso, os documentos acostados aos autos demonstram que a requerente desenvolve atividades de caráter eminentemente presenciais (comércio, transportes e panificação – id. 204668582), e conta com diversas empregadas em seu quadro, algumas gestantes (documentos anexos do id. 204667326), de modo que demonstrada a probabilidade do direito.
De outro lado, o risco de dano é patente, pois não é exigível da empregadora que arque com os custos da remuneração das empregadas gestantes, além de eventuais substitutos, sendo certo que em segmentos com uso intensivo de mão de obra o incremento significativo de despesas de pessoal pode ocasionar graves danos e risco à própria viabilidade da atividade empresarial.
Diante do exposto, defiro a tutela de urgência pleiteada, a fim de autorizar à requerente o afastamento das empregadas gestantes, cujas atribuições não sejam compatíveis com o trabalho à distância, de suas atividades, na forma da Lei 14.151/2021, cabendo-lhe o pagamento dos salários-maternidade e respectiva compensação sobre as contribuições incidentes sobre a folha de pagamento de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, nos termos do art. 72, §1º, da Lei 8.213/91. Os requerimentos administrativos dos benefícios deverão se dar na forma da lei e do regulamento, a serem instruídos com cópia da presente decisão, se necessário.
Intime-se o INSS (CEAB/DJ) e a Receita Federal do Brasil para cumprimento.
2. Considerando a natureza da matéria, e a baixa probabilidade de autocomposição pelas partes, deixo de designar audiência de conciliação (art. 334, §4º, II).
3. CITEM-SE e INTIMEM-SE os réus para contestar e especificar as provas que pretendem produzir, justificando-as, sob pena de preclusão.
4. Com a vinda da contestação, INTIME-SE a parte autora para réplica e especificação de provas, nos termos supra explanados.
5. Após, tornem conclusos para saneamento ou julgamento no estado em que se encontra, conforme o caso.
Sustenta a agravante, em síntese, a impossibilidade de concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública que esgote o objeto da ação. Assevera a impossibilidade de concessão de salário-maternidade fora das hipóteses legais, bem como a necessidade de observância do art. 37, caput, art. 195, §5º e art. 201, caput, da CF/88. Afirma a inadmissibilidade de compensação de valores pagos a título de benefício estendido sem previsão legal (e constitucional) com contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física.
Foi proferida decisão que deferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
2ª Turma
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V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO:
No presente caso, nenhuma das partes trouxe qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já manifestado na decisão que apreciou o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso.
Passo a transcrever os fundamentos da decisão por mim lavrada:
“Com a devida vênia, às luz das disposições do art. 10 do Regimento Interno deste E.TRF, o problema posto nos autos é essencialmente de direito público (logo, de competência das Turmas da Segunda Seção desta Corte) porque diz respeito a pedido de imputação ou ressarcimento de verbas salariais, formulado por empregador privado em face do poder público federal, quanto a pagamentos feitos em favor de empregadas gestantes no contexto da pandemia causada pelo novo coronavírus. A meu ver, é secundária a maneira pela qual se dá a imputação ou ressarcimento (concessão de salário maternidade, compensação com contribuição previdenciária, pagamento em dinheiro ou outra via). Todavia, reconheço que restou consolidado o entendimento pela competência das Turmas da Primeira Seção, conforme decidido pelo Órgão Especial deste E.TRF, no Conflito de Competência Cível 5000154-39.2022.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Antônio Cedenho, em 27/04/2022, posicionamento ao qual me curvo em favor da celeridade processual e da pacificação dos litígios.
As circunstâncias extraordinárias geradas pela pandemia exigiram esforços de todos os segmentos (privados e públicos) em favor da preservação da vida e da saúde, sem descuidar dos também relevantes aspectos da produção, distribuição e comercialização de bens e serviços.
Proposto o estado de calamidade (art. 84, XXVIII, da Constituição, Messagem nº 93, de 18/03/2020), sobreveio sua instauração pelo Congresso Nacional (art. 49, XVIII, da ordem de 1988, Decreto Legislativo n° 06, de 20/03/2020), motivando a Lei Complementar n ° 101/2000, a Lei Complementar nº 173/2020, e centenas de outros atos normativos, além de mudanças constitucionais (Emendas nºs 106/2020, 109/2021, 119/2022 e 121/2022). Todos esses atos foram editados em ambiente marcado por enormes incertezas, preocupações justificadas, perdas devastadoras de vidas humanas, expressivos impactos na dinâmica econômica privada e relevantes gastos públicos (nacionais e subnacionais). Ainda assim, as respostas foram dadas em cumprimento aos imperativos do Estado de Direito, de modo que o ordenamento jurídico pautou as tarefas extraordinárias do setor privado e dos entes estatais, evitando fragmentações que poderiam desorganizar o atendimento às necessidades emergenciais.
Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante. Essa Lei nº 14.151/2021 está assim redigida:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a empregada gestante que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra o referido agente infeccioso, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial. (Redação dada pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 1º A empregada gestante afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, sem prejuízo de sua remuneração. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 2º Para o fim de compatibilizar as atividades desenvolvidas pela empregada gestante na forma do § 1º deste artigo, o empregador poderá, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, alterar as funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 3º Salvo se o empregador optar por manter o exercício das suas atividades nos termos do § 1º deste artigo, a empregada gestante deverá retornar à atividade presencial nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
I - após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
II - após sua vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
III - mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que lhe tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante o termo de responsabilidade de que trata o § 6º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
IV - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 4º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 5º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 6º Na hipótese de que trata o inciso III do § 3º deste artigo, a empregada gestante deverá assinar termo de responsabilidade e de livre consentimento para exercício do trabalho presencial, comprometendo-se a cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 7º O exercício da opção a que se refere o inciso III do § 3º deste artigo é uma expressão do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, e não poderá ser imposta à gestante que fizer a escolha pela não vacinação qualquer restrição de direitos em razão dela. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho e atendeu à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988), representando regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não representando empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.
É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.
Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina.
Note-se que, na tramitação do projeto que resultou na Lei nº 14.151/2021, foi rejeitada emenda propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade. E mesmo antes das alterações feitas pela Lei nº 14.311/2022, restava evidente que se tratava de obrigação do empregador custear o salário de sua empregada gestante, durante o período da pandemia.
Assim, no exercício de sua competência normativa e valendo-se de suas atribuições discricionárias, o legislador federal deu encaminhamento consentâneo com os elementos que estiveram presentes na situação de calamidade gerada pela pandemia, distribuindo equitativamente os ônus temporários entre todos os envolvidos. Nesse contexto, o controle judicial é inviável porque não houve manifesta ou objetiva violação da discricionariedade política por parte do legislador.
No âmbito deste E.TRF já se formou entendimento pela validade das disposições da Lei nº 11.151/2021, como se nota nos seguintes julgados que trago à colação:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS NA FORMA DA LEI 14.151/2021. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA EQUIPARAÇÃO DA REMUNERAÇÃO PAGA AO SALÁRIO-MATERNIDADE E COMPENSAÇÃO COM CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS SOBRE A FOLHA DE SALÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO.
(...)
3. No caso dos autos, não há fumus boni iuris. No intuito de preservar a saúde da gestante durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19, a Lei nº 14.151/2021 estabeleceu o afastamento compulsório das empregadas nessa condição, sem prejuízo de sua remuneração, mantendo-se à disposição do empregador para a realização de outras atividades por meio de trabalho remoto.
4. O texto legal vai ao encontro do quanto previsto no artigo 201, inciso II, da Constituição da República, ao instituir política pública de proteção à mãe e ao nascituro até que se estabeleça o controle sanitário da pandemia.
5. Não obstante, a Lei nº 14.151/2021 é silente quanto ao término da situação excepcional. É igualmente silente quanto aos ônus decorrentes do afastamento compulsório das empregadas gestantes. Nesse contexto, recai sobre o empregador, exclusivamente, o ônus econômico do afastamento das empregadas gestantes.
6. Embora haja aparente omissão legislativa, deve-se considerar que, na tramitação do projeto de lei, foi apresentada emenda ao projeto, propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade, tendo sido a proposta foi rejeitada. Assim, não cabe ao Poder Judiciário suprir a decisão legislativa e atuar como legislador positivo.
7. É vedado o uso de analogia ou equidade para estender benefício tributário ou mesmo dispensar a cobrança de tributo, conforme determina o § 2º do artigo 108 do Código Tributário Nacional. Precedente.
8. Ausentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela provisória de urgência, no caso.Precedente.
9. Agravo de instrumento provido.”
(TRF3. AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5000060-91.2022.4.03.0000. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Hélio Nogueira. Data do Julgamento: 12/05/2022. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 18/05/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA NACIONAL DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS. AFASTAMENTO DO TRABALHO PRESENCIAL DAS EMPREGADAS GESTANTES. ART. 1º DA LEI Nº 14.151/21. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO TELETRABALHO NÃO ALTERA A NATUREZA DO SALÁRIO-MATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA PELO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DEVIDA ÀS EMPREGADAS GESTANTES IMPOSSIBILITADAS DE TRABALHAR REMOTAMENTE EM RAZÃO DA ÁREA DE ATUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DEFINITIVA. ART. 170-A DO CTN. SÚMULA Nº 212/STJ. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.
(...)
2. Ao dispor sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, o artigo 1º da Lei nº 14.151/2021 determinou que no período em que durar a situação emergencial decorrente do Coronavírus as empregadas gestantes serão afastadas do trabalho presencial e ficarão à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.
3. Trata-se à evidência, de situação excepcional causada pela pandemia da Covid19 e que busca proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade mediante a substituição das atividades presenciais pelo regime de teletrabalho ou trabalho remoto. Nestas condições, eventual impossibilidade de exercício do teletrabalho em alguma área específica não tem o condão de alterar a natureza dos valores pagos a título de remuneração para benefício previdenciário, in casu, o salário-maternidade.
4. Anoto, por relevante, que nos termos do artigo 71 da Lei nº 8.213/91 “O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade”. Nestas condições, não tendo ocorrido a condição legal para o pagamento do benefício em questão, não há que se falar na responsabilização da autarquia previdenciária pelo pagamento da remuneração devida às empregadas gestantes que, em razão da área de atuação, estão impossibilitadas de trabalhar remotamente, como pretende a agravada.
5. No caso concreto, não há comprovação inequívoca, ao menos em análise própria deste momento processual, de que há incompatibilidade do trabalho em home office para as empregadas gestantes da agravada. Ainda que assim não fosse, registro que eventual incompatibilidade de desempenho da atividade laboral de empregadas gestantes em regime de teletrabalho deve ser objeto de debate no âmbito da relação de trabalho, não gerando qualquer obrigação da autarquia previdenciária em ressarcir ao empregador o valor correspondente.
6. Por fim, quanto ao pedido de autorização para compensação ou restituição de valores em sede de tutela antecipada, registro que tal procedimento encontra expressa vedação legal no artigo 170-A do CTN, segundo o qual “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial” (negritei).
7. Cabe observar também que o C. STJ firmou o entendimento, sedimentado na Súmula nº 212, que desautoriza o acolhimento do pedido de liminar nos termos em que formulado pela impetrante, ao anotar que “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.
8. Agravo provido para indeferir a tutela de urgência pleiteada pela agravada nos autos de origem. Agravo interno prejudicado.
(TRF3. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5026689-39.2021.4.03.0000. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal WILSON ZAUHY. Data do Julgamento: 03/05/2022. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 09/05/2022)
Ante o exposto, defiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.”
Ausente qualquer motivo para alteração, entendo que a decisão deve ser mantida.
Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO TRABALHISTA. DIREITO PÚBLICO. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. ESTADO DE CALAMIDADE. EMPREGADA GESTANTE. TELETRABALHO. LEI Nº 14.151/2021. IMPUTAÇÃO OU RESSARCIMENTO PELO PODER PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. LICENÇA-MATERNIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO TEMPORÁRIA DE ÔNUS.
- Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante.
- Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho, atende à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988) e representa regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não se revelando como empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), muito menos aumento de exação já existente que ampare pleito de compensação de indébito, o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991, Convenção nº 103 da OIT e Decreto nº 10.088/2019), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.
- É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.
- Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina. Assim, o Estado não pode ser obrigado ao pagamento dessas verbas trabalhistas devidas pelo empregador.
- Agravo de instrumento provido.
