
2ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010569-81.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: SKYMARK GERENCIAMENTO DE RISCOS LTDA
Advogado do(a) AGRAVANTE: RAFAEL AGOSTINELLI MENDES - SP209974-A
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
2ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010569-81.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: SKYMARK GERENCIAMENTO DE RISCOS LTDA
Advogado do(a) AGRAVANTE: RAFAEL AGOSTINELLI MENDES - SP209974-A
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO: Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por SKYMARK GERENCIAMENTO DE RISCOS LTDA contra decisão proferida nos autos de ação que move contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS.
A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:
“Vistos.
Recebo petição de Id 245205608 como aditamento à inicial. Providencie a Secretaria a inclusão do Delegado da Receita Federal em Osasco no polo passivo.
O mandado de segurança é o instrumento legal colocado à disposição da pessoa física ou jurídica para proteger violação ou justo receio de sofrê-la ao seu direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando a ilegalidade ou o abuso de poder for praticado por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, ex vi do disposto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, c/c o artigo 1º da Lei n. 12.016/09, sujeitando-se a concessão liminar da segurança ao exame da relevância dos fundamentos do pedido e a possibilidade de ineficácia da medida, caso concedida somente ao final, ex vi do artigo 7º, III, da Lei n. 12.016/09.
O enfrentamento do pedido liminar é exercido em juízo de cognição sumária, pautado na verificação da aparência do direito e possibilidade de ineficácia da medida, caso seja ela concedida ao final, a revelarem o fumus boni iuris e o periculum in mora.
No caso dos autos, entendo ausentes os requisitos para a concessão da medida liminar.
A Lei 14.151, publicada em 13 de maio de 2021, disciplinou o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus.
Estabeleceu a legislação que:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
(...)
A despeito de lacuna na legislação, que não previu solução para os casos em que as atividades da empresa não se compatibilizam com o trabalho remoto, não vislumbro a plausibilidade do alegado direito da parte autora.
Com efeito, é cediço que a Constituição Federal proíbe a criação de novo benefício ou extensão dos já existentes sem apoio na estrita legalidade e na preexistência do respectivo custeio:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Aparentemente a pretensão ora deduzida traduz extensão do salário maternidade para período superior ao prazo previsto em lei, além de representar uma antecipação deste benefício fora das hipóteses legais.
Em análise de cognição sumária, tenho que não cabe ao Poder Judiciário dispensar requisitos e critérios legalmente estabelecidos para a concessão de um benefício, com o intuito de fomentar política pública de assistência social e amparo à empresa, ao arrepio da lei.
Ademais, a Lei 14.311/2022 alterou a Lei 14.151/2021 e passou a prever o afastamento do trabalho presencial apenas para as empregadas gestantes que ainda não tenham sido totalmente imunizadas. Diante do percentual da população com esquema vacinal completo, em relação aos fatos geradores futuros, a discussão perdeu em grande medida pertinência.
Diante do exposto, INDEFIRO o pedido liminar deduzido.
Notifiquem-se as Autoridades apontadas como coatoras para prestarem informações, no prazo legal.
Intime-se o representante judicial da pessoa jurídica interessada, nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei nº 12.016/09.
Após, remetam-se ao MPF para parecer.
Intimem-se.”
Sustenta a parte agravante, em síntese, que a Lei 11.141/2021 contém lacunas no que se refere à aplicação da legislação, como, por exemplo, a ausência da especificação sobre a quem incumbe arcar com a remuneração da empregada gestante durante o período de afastamento previsto na legislação. Esclarece que está sendo obrigada a arcar com a remuneração das empregadas gestantes afastadas (a natureza de suas funções impossibilita o teletrabalho) e simultaneamente, com a remuneração dos empregados contratados a substituí-las temporariamente, com vistas a realização das atividades de forma presencial. O mandado de segurança de origem tem por objeto afastar a obrigação da agravante de suportar o ônus salarial de suas funcionárias gestantes, enquanto afastadas pela Lei 14.151/2021, determinando-se que tal ocorra por meio do benefício do salário-maternidade; ao final, deve ser concedida a segurança para determinar que a parte agravada implante o benefício de salário-maternidade de forma antecipada às empregadas gestantes (tanto as que integram o quadro de funcionários e já estão afastadas, identificadas em documentos anexos à inicial dos autos de origem, quanto as empregadas que vierem a ser afastadas por engravidarem enquanto vigente a Lei 14.151/2021). Buscou-se, ainda, a recuperação, mediante compensação, dos valores despendidos para pagamento da remuneração das colaboradoras afastadas desde o início da vigência da Lei n. 14.151/2021. Requer a reforma da decisão agravada, pois caso a medida seja concedida somente ao final, a agravante será obrigada a continuar a arcar com o pagamento da remuneração de suas empregadas gestantes (atuais e futuras), sem que haja contraprestação, pois elas exercem funções que não podem ser realizadas em teletrabalho; isto, além de comprometer a manutenção de sua saúde financeira, tem o potencial de desequilibrar suas relações de emprego, podendo ocasionar prejuízos irremediáveis ou, no mínimo, de difícil reparação. Além disso, apesar de a Lei 14.151/2021 ter sido alterada pela Lei 14.311/2022, neste novo dispositivo legal permanecesse a omissão quanto à responsabilidade pela remuneração das empregadas gestantes afastadas.
Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
Foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal manifestou sua ciência quanto à decisão proferida nos autos.
É o relatório.
2ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010569-81.2022.4.03.0000
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO:
No presente caso, nenhuma das partes trouxe qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já manifestado na decisão que apreciou o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
Passo a transcrever os fundamentos da decisão por mim lavrada:
“Com a devida vênia, às luz das disposições do art. 10 do Regimento Interno deste E.TRF, o problema posto nos autos é essencialmente de direito público (logo, de competência das Turmas da Segunda Seção desta Corte) porque diz respeito a pedido de imputação ou ressarcimento de verbas salariais, formulado por empregador privado em face do poder público federal, quanto a pagamentos feitos em favor de empregadas gestantes no contexto da pandemia causada pelo novo coronavírus. A meu ver, é secundária a maneira pela qual se dá a imputação ou ressarcimento (concessão de salário maternidade, compensação com contribuição previdenciária, pagamento em dinheiro ou outra via). Todavia, reconheço que restou consolidado o entendimento pela competência das Turmas da Primeira Seção, conforme decidido pelo Órgão Especial deste E.TRF, no Conflito de Competência Cível 5000154-39.2022.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Antônio Cedenho, em 27/04/2022, posicionamento ao qual me curvo em favor da celeridade processual e da pacificação dos litígios.
As circunstâncias extraordinárias geradas pela pandemia exigiram esforços de todos os segmentos (privados e públicos) em favor da preservação da vida e da saúde, sem descuidar dos também relevantes aspectos da produção, distribuição e comercialização de bens e serviços.
Proposto o estado de calamidade (art. 84, XXVIII, da Constituição, Messagem nº 93, de 18/03/2020), sobreveio sua instauração pelo Congresso Nacional (art. 49, XVIII, da ordem de 1988, Decreto Legislativo n° 06, de 20/03/2020), motivando a Lei Complementar n ° 101/2000, a Lei Complementar nº 173/2020, e centenas de outros atos normativos, além de mudanças constitucionais (Emendas nºs 106/2020, 109/2021, 119/2022 e 121/2022). Todos esses atos foram editados em ambiente marcado por enormes incertezas, preocupações justificadas, perdas devastadoras de vidas humanas, expressivos impactos na dinâmica econômica privada e relevantes gastos públicos (nacionais e subnacionais). Ainda assim, as respostas foram dadas em cumprimento aos imperativos do Estado de Direito, de modo que o ordenamento jurídico pautou as tarefas extraordinárias do setor privado e dos entes estatais, evitando fragmentações que poderiam desorganizar o atendimento às necessidades emergenciais.
Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante. Essa Lei nº 14.151/2021 está assim redigida:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a empregada gestante que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra o referido agente infeccioso, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial. (Redação dada pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 1º A empregada gestante afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, sem prejuízo de sua remuneração. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 2º Para o fim de compatibilizar as atividades desenvolvidas pela empregada gestante na forma do § 1º deste artigo, o empregador poderá, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, alterar as funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 3º Salvo se o empregador optar por manter o exercício das suas atividades nos termos do § 1º deste artigo, a empregada gestante deverá retornar à atividade presencial nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
I - após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
II - após sua vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
III - mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que lhe tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante o termo de responsabilidade de que trata o § 6º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
IV - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 4º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 5º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 6º Na hipótese de que trata o inciso III do § 3º deste artigo, a empregada gestante deverá assinar termo de responsabilidade e de livre consentimento para exercício do trabalho presencial, comprometendo-se a cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
§ 7º O exercício da opção a que se refere o inciso III do § 3º deste artigo é uma expressão do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, e não poderá ser imposta à gestante que fizer a escolha pela não vacinação qualquer restrição de direitos em razão dela. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho, atende à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988) e representa regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não se revelando como empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), muito menos aumento de exação já existente que ampare pleito de compensação de indébito, o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.
É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.
Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina.
Note-se que, na tramitação do projeto que resultou na Lei nº 14.151/2021, foi rejeitada emenda propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade. E mesmo antes das alterações feitas pela Lei nº 14.311/2022, restava evidente que se tratava de obrigação do empregador custear o salário de sua empregada gestante, durante o período da pandemia.
Assim, no exercício de sua competência normativa e valendo-se de suas atribuições discricionárias, o legislador federal deu encaminhamento consentâneo com os elementos que estiveram presentes na situação de calamidade gerada pela pandemia, distribuindo equitativamente os ônus temporários entre todos os envolvidos. Nesse contexto, o controle judicial é inviável porque não houve manifesta ou objetiva violação da discricionariedade política por parte do legislador.
No âmbito deste E.TRF já se formou entendimento pela validade das disposições da Lei nº 11.151/2021, como se nota nos seguintes julgados que trago à colação:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS NA FORMA DA LEI 14.151/2021. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA EQUIPARAÇÃO DA REMUNERAÇÃO PAGA AO SALÁRIO-MATERNIDADE E COMPENSAÇÃO COM CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS SOBRE A FOLHA DE SALÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO.
(...)
3. No caso dos autos, não há fumus boni iuris. No intuito de preservar a saúde da gestante durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19, a Lei nº 14.151/2021 estabeleceu o afastamento compulsório das empregadas nessa condição, sem prejuízo de sua remuneração, mantendo-se à disposição do empregador para a realização de outras atividades por meio de trabalho remoto.
4. O texto legal vai ao encontro do quanto previsto no artigo 201, inciso II, da Constituição da República, ao instituir política pública de proteção à mãe e ao nascituro até que se estabeleça o controle sanitário da pandemia.
5. Não obstante, a Lei nº 14.151/2021 é silente quanto ao término da situação excepcional. É igualmente silente quanto aos ônus decorrentes do afastamento compulsório das empregadas gestantes. Nesse contexto, recai sobre o empregador, exclusivamente, o ônus econômico do afastamento das empregadas gestantes.
6. Embora haja aparente omissão legislativa, deve-se considerar que, na tramitação do projeto de lei, foi apresentada emenda ao projeto, propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade, tendo sido a proposta foi rejeitada. Assim, não cabe ao Poder Judiciário suprir a decisão legislativa e atuar como legislador positivo.
7. É vedado o uso de analogia ou equidade para estender benefício tributário ou mesmo dispensar a cobrança de tributo, conforme determina o § 2º do artigo 108 do Código Tributário Nacional. Precedente.
8. Ausentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela provisória de urgência, no caso.Precedente.
9. Agravo de instrumento provido.”
(TRF3. AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5000060-91.2022.4.03.0000. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Hélio Nogueira. Data do Julgamento: 12/05/2022. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 18/05/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA NACIONAL DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS. AFASTAMENTO DO TRABALHO PRESENCIAL DAS EMPREGADAS GESTANTES. ART. 1º DA LEI Nº 14.151/21. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO TELETRABALHO NÃO ALTERA A NATUREZA DO SALÁRIO-MATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA PELO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DEVIDA ÀS EMPREGADAS GESTANTES IMPOSSIBILITADAS DE TRABALHAR REMOTAMENTE EM RAZÃO DA ÁREA DE ATUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DEFINITIVA. ART. 170-A DO CTN. SÚMULA Nº 212/STJ. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.
(...)
2. Ao dispor sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, o artigo 1º da Lei nº 14.151/2021 determinou que no período em que durar a situação emergencial decorrente do Coronavírus as empregadas gestantes serão afastadas do trabalho presencial e ficarão à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.
3. Trata-se à evidência, de situação excepcional causada pela pandemia da Covid19 e que busca proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade mediante a substituição das atividades presenciais pelo regime de teletrabalho ou trabalho remoto. Nestas condições, eventual impossibilidade de exercício do teletrabalho em alguma área específica não tem o condão de alterar a natureza dos valores pagos a título de remuneração para benefício previdenciário, in casu, o salário-maternidade.
4. Anoto, por relevante, que nos termos do artigo 71 da Lei nº 8.213/91 “O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade”. Nestas condições, não tendo ocorrido a condição legal para o pagamento do benefício em questão, não há que se falar na responsabilização da autarquia previdenciária pelo pagamento da remuneração devida às empregadas gestantes que, em razão da área de atuação, estão impossibilitadas de trabalhar remotamente, como pretende a agravada.
5. No caso concreto, não há comprovação inequívoca, ao menos em análise própria deste momento processual, de que há incompatibilidade do trabalho em home office para as empregadas gestantes da agravada. Ainda que assim não fosse, registro que eventual incompatibilidade de desempenho da atividade laboral de empregadas gestantes em regime de teletrabalho deve ser objeto de debate no âmbito da relação de trabalho, não gerando qualquer obrigação da autarquia previdenciária em ressarcir ao empregador o valor correspondente.
6. Por fim, quanto ao pedido de autorização para compensação ou restituição de valores em sede de tutela antecipada, registro que tal procedimento encontra expressa vedação legal no artigo 170-A do CTN, segundo o qual “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial” (negritei).
7. Cabe observar também que o C. STJ firmou o entendimento, sedimentado na Súmula nº 212, que desautoriza o acolhimento do pedido de liminar nos termos em que formulado pela impetrante, ao anotar que “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.
8. Agravo provido para indeferir a tutela de urgência pleiteada pela agravada nos autos de origem. Agravo interno prejudicado.
(TRF3. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5026689-39.2021.4.03.0000. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal WILSON ZAUHY. Data do Julgamento: 03/05/2022. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 09/05/2022)”
Ausente qualquer motivo para alteração, entendo que a decisão deve ser mantida.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO TRABALHISTA. DIREITO PÚBLICO. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. ESTADO DE CALAMIDADE. EMPREGADA GESTANTE. TELETRABALHO. LEI Nº 14.151/2021. IMPUTAÇÃO OU RESSARCIMENTO PELO PODER PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. LICENÇA-MATERNIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO TEMPORÁRIA DE ÔNUS.
- Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante.
- Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho, atende à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988) e representa regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não se revelando como empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), muito menos aumento de exação já existente que ampare pleito de compensação de indébito, o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991, Convenção nº 103 da OIT e Decreto nº 10.088/2019), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.
- É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.
- Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina. Assim, o Estado não pode ser obrigado ao pagamento dessas verbas trabalhistas devidas pelo empregador.
- Agravo de instrumento desprovido.
