
| D.E. Publicado em 30/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, retificar o erro material constante no dispositivo da decisão de fls. 172/173vº e negar provimento ao agravo legal, mantendo o V. acórdão, por fundamento diverso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006939-17.1999.4.03.6109/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo o benefício assistencial a partir da citação, acrescido de correção monetária "de acordo com o preceituado no artigo 454 do Provimento Unificado n.º 64 da Corregedoria Geral da Justiça Federal da Terceira Região, a partir da data em que cada prestação deveria ser paga" (fls. 118vº) e juros de 1% ao mês a contar da citação. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ, deixando o INSS de ser condenado ao pagamento das custas processuais. Foi concedida a tutela antecipada.
Inconformada, apelou a autarquia, pleiteando a reforma integral da R. sentença. Caso não seja esse o entendimento, requer a redução dos juros de mora para 0,5% ao mês.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
A Oitava Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo legal interposto pela parte autora, mantendo a decisão monocrática que deu provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido, revogando a antecipação dos efeitos da tutela.
A parte autora interpôs Recurso Especial contra o V. acórdão (fls. 214/237).
A E. Vice-Presidência desta Corte, com fundamento no art. 543-C, §7º, inc. II, do CPC, determinou a devolução dos autos a esta Oitava Turma para realização do juízo de retratação ou manutenção do acórdão recorrido, tendo em vista os julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 305/306vº, opinando pelo provimento da apelação.
É o breve relatório.
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente, observo a existência de erro material no dispositivo da decisão de fls. 172/173vº, proferida pela então Relatora Desembargadora Federal Vera Jucovsky, in verbis:
"Isso posto, com fundamento no art. 557, caput e/ou §1º-A, do CPC, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO AUTÁRQUICA, para julgar improcedente o pedido. REVOGO A TUTELA ANTECIPADA. Sem ônus sucumbenciais." (fls. 173vº) |
Com efeito, o dispositivo em questão padece de evidente equívoco, uma vez que não constou deliberação acerca da remessa oficial, tida por ocorrida, embora ela tenha sido devidamente apreciada, tendo em vista que todas as matérias contrárias ao INSS foram analisas na fundamentação da decisão monocrática, nos termos do art. 475, §1º, do CPC.
Utilizo-me, aqui, dos ensinamentos do Eminente Professor Cândido Rangel Dinamarco, em "Instituições de Direito Processual Civil", vol. III, pp. 684 e 685, Malheiros Editores:
"Embora se diga que ao publicar a sentença o juiz cumpre e acaba sua função jurisdicional (art. 463, caput), em casos bem definidos no inc. I é lícito e imperioso alterar para corrigir. O que há de fundamental, no confronto entre a regra maior e a exceção a ela, é que o juiz fica somente autorizado a corrigir eventuais defeitos de expressão e nunca, desvios de pensamento ou de critério para julgar. (...) As correções informais da sentença são admissíveis a qualquer tempo, sem o óbice de supostas preclusões. Precisamente porque não devem afetar em substância o decisório da sentença, o que mediante elas se faz não altera, não aumenta e não diminui os efeitos desta." |
Confira-se, ainda, o voto do ilustre Ministro Eduardo Ribeiro, no julgamento do Recurso Especial n.º 13.685/SP, assim ementado:
"erro material. A correção do erro material pode fazer-se de ofício. Desse modo, não importa que não se tenha contido nos termos do pedido de declaração formulado pela parte. Não há cogitar de 'reformatio in pejus'." |
Dessa forma, o dispositivo da decisão de fls. 172/173vº deve ser retificado, passando a constar da seguinte forma:
"Isso posto, com fundamento no art. 557, caput e/ou §1º-A, do CPC, DOU PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, TIDA POR OCORRIDA, E À APELAÇÃO AUTÁRQUICA, para julgar improcedente o pedido. REVOGO A TUTELA ANTECIPADA. Sem ônus sucumbenciais." |
Passo ao exame do mérito.
Quadra ressaltar que os presentes autos retornaram da E. Vice-Presidência a fim de que fosse reexaminada a questão da miserabilidade, para fins de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 8.742 de 7/12/1993.
O Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. |
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. |
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. |
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. |
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. |
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. |
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. |
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. |
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. |
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. |
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. |
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). |
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. |
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento." |
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13) |
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. |
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. |
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. |
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). |
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável. |
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. |
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. |
7. Recurso Especial provido." |
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09) |
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso concreto, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, entendo que, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu a E. Terceira Seção desta Corte, conforme ementa abaixo transcrita, in verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR. |
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora. |
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo. |
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos. |
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita. |
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91. |
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação. |
VII - Embargos infringentes não providos." |
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04) |
Passo à análise do caso concreto.
In casu, com relação à alegada miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 11/3/08, data em que o salário mínimo era de R$415,00) demonstra que a parte autora residia com seu cônjuge, de 79 anos, em "casa própria, bem conservada, cozinha com azulejos até o teto, boa higiene, arejada, móveis e utensílios usuais" (fls. 100, grifos meus). No mesmo terreno, em imóvel localizado nos fundos, residia sua filha, Josefa Aparecida Fonseca, de 48 anos, viúva, a qual ajudava a requerente nos serviços domésticos e recebia pensão por morte do marido. A renda familiar mensal totalizava R$470,00, sendo R$380,00 provenientes da aposentadoria do marido e R$90,00 oriundos do aluguel da garagem da casa. Os gastos mensais eram de R$180,00 em alimentação, R$13,75 em água, R$30,00 em energia elétrica, R$34,00 em gás para 45 dias, R$65,00 em telefone e R$457,00 em medicamentos. Segundo a assistente social, "[t]odos os medicamentos são comprados, esporadicamente são encontrados na farmácia de alto custo (DIR), ou então os filhos ajudam" (fls. 101, grifos meus).
Cumpre registrar, por oportuno, que a jurisprudência desta E. Corte é pacífica no sentido de que a ajuda financeira prestada pelos filhos à requerente deve ser levada em consideração para a análise da miserabilidade (TRF - 3ª Região, AC nº 2001.61.83.002360-9, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. em 15/12/08, v.u., DJU de 27/01/09).
Conforme documentos acostados a fls. 307/308 pelo I. representante do Parquet Federal, a autora passou a receber pensão por morte de seu cônjuge, no valor de um salário mínimo, a partir de 28/2/12.
Ademais, em consulta ao Sistema Único de Benefícios - DATAPREV - Informações do Benefício, cuja juntada ora determino, verifica-se que a filha que reside no mesmo terreno da requerente, percebe pensão por morte desde 7/7/92, a qual, em dezembro/2015, correspondia a R$1.586,33.
Dessa forma, não ficou comprovada a alegada miserabilidade da parte autora.
Ante o exposto, de ofício, retifico o erro material constante da R. decisão de fls. 172/173vº na forma acima mencionada e nego provimento ao agravo legal da parte autora, mantendo o V. acórdão, por fundamento diverso. Retornem os autos à E. Vice-Presidência desta Corte.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
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| Data e Hora: | 19/09/2016 17:16:47 |
