D.E. Publicado em 11/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, e fixar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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Nº de Série do Certificado: | 11DE180529616199 |
Data e Hora: | 26/02/2019 17:11:02 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005883-64.2013.4.03.6106/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação ordinária formulada por Ivone dos Santos Inacio Silva em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual objetiva o recebimento de valores devidos ao seu falecido filho, Adauto dos Santos Silva - beneficiário de aposentadoria por invalidez -, entre 11.08.1992 a 26.03.2004.
Procuração e documentos juntados às fls. 05/27.
Contestação do INSS às fls. 33/36, na qual sustenta, em sede preliminar, a ilegitimidade da autora. Argumenta que, por pender procedimento de inventário, caberia ao espólio do falecido figurar no polo ativo da demanda. No mérito, sustenta estarem prescritas as parcelas cobradas pela requerente.
Cópias do processo administrativo anexadas às fls. 67/85, 100/249 e 252/254.
Houve réplica (fls. 88/90).
O Ministério Público Federal opinou pela desnecessidade de sua intervenção no feito (fls. 92/93).
Foram encartados aos autos cópias do processo de interdição do falecido filho da parte autora (fls. 259/311).
As partes apresentaram alegações finais às fls. 313/313v e 316.
Sentença às fls. 317/318v, pela improcedência do pedido.
Apelação da parte autora às fls. 323/325, em que alega a não ocorrência de prescrição, em vista da incapacidade absoluta do seu falecido filho, razão por que lhe é devido a totalidade dos valores, desde a data da suspensão do benefício até o seu restabelecimento.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte (fls. 330/333).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 02.06.1940, o recebimento de valores originariamente devidos ao seu falecido filho (Sr. Adauto dos Santos Silva), beneficiário de aposentadoria por invalidez, durante o período de 11.08.1992 a 26.03.2004, cujo pagamento foi suspenso pela autarquia previdenciária após a não retirada dos proventos por diversos meses.
O INSS, por sua vez, opõe-se ao pedido argumentando estarem prescritas as parcelas eventualmente devidas. Aduz que a interdição judicial do ex-segurado se deu apenas em 09.03.2010, não sendo possível afirmar a existência de incapacidade absoluta em período pretérito. Dessa forma, entende serem devidos, apenas, os valores referentes aos últimos 5 (cinco) anos a partir da data do requerimento para o restabelecimento do benefício previdenciário.
Ao analisar detidamente os autos, depreende-se que o Sr. Adauto dos Santos Silva, filho da parte autora, após se desligar da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, para a qual prestou serviços, no município de Rio Verde - GO, entre os anos de 15.08.1978 a 23.09.1983, requereu auxílio-doença, concedido em 09.10.1983 (fls. 67/75). O benefício, entretanto, foi cessado em 07.10.1985, após perícia realizada na cidade de Goiânia - GO, em que se apurou a sua capacidade para o trabalho (fl. 76). Após recurso em sede administrativa, decidiu-se pela prorrogação do benefício previdenciário e, após nova perícia médica, sendo verificada a incapacidade total e permanente para atividades laborativas, decorrente de problemas neurológicos e psiquiátricos, foi concedida ao autor a aposentadoria por invalidez (D.I.B. 01.02.1986; fls. 77/85).
Ocorre que em 01.12.1989, segundo relatou a parte autora ao INSS (fl. 130), o Sr. Adauto dos Santos Silva deixou a sua cidade de origem em direção à São Paulo. Neste momento, houve o total rompimento dos vínculos familiares, não se tendo, desde então, quaisquer notícias do ex-segurado. Após, aproximadamente, 20 (vinte) anos, um cidadão da cidade de São Paulo, identificado como Cesar Pescuma Carlos, entrou em contato com a Prefeitura Municipal de São Simão (20.09.2008; fl. 10), relatando o seguinte:
"Sou morador em São Paulo e próximo do meu trabalho há um morador de rua que se diz perdido em SP. Percebe-se que esse cidadão teve um lapso de memória e se perdeu, mas hoje consegue lembrar do nome e de seus familiares. Todos são de São Simão. O nome dele é Adal[u]to dos Santos Silva e este dá como endereço residencial a Rua 13, casa nº 5, Setor do Imprégio. Solicito a gentileza de entrar em contato para que possamos ajudar essa pessoa a retornar para a sua casa e família. Aguardo retorno. Grato Cesar.".
Após tomar conhecimento do fato, a parte autora viabilizou a transferência do seu filho para a cidade natal, a fim de que pudesse ser realizado o devido tratamento.
Em razão da falta de saques dos proventos da aposentadoria por invalidez, esta foi suspensa em 11.08.1992, vindo a ser reativada apenas em 27.03.2009, após parecer médico (fls. 160/162), quando a genitora do segurado se apresentou à Agência da Previdência Social de São Simão - GO (fls. 130/131) para prestar esclarecimentos.
Ressalta-se que a avaliação médica, realizada em 18.08.2009, diagnosticou o filho da requerente com bipolaridade e esquizofrenia (código F.20). Importante consignar que o filho do Sr. Adauto, Welliton Luis dos Santos Silva, recebeu benefício assistencial destinado à pessoa com deficiência (fl. 63), falecendo em 31.01.2000, aos 19 (dezenove) anos de idade, sendo a causa de sua morte apontada como "morte súbita, epilepsia" (fl. 24). Destaca-se, ainda, que a ex-esposa do segurado, mãe de Welliton, a Sra. Helena Marta dos Santos, faleceu em 09.02.2009, aos 45 (quarenta cinco) anos, em razão de "infarto agudo do miocárdio" (fl. 227).
No interregno entre o restabelecimento do benefício previdenciário e o seu requerimento, a parte autora ingressou com processo de interdição do seu filho, vindo a ser nomeada sua curadora (fls. 12/21 e 176/177).
O filho da requerente, pouco tempo depois do início do processo de interdição (03.09.2009; fl. 15), aos 52 (cinquenta e dois) anos de idade, veio a falecer, vítima de "septicemia, broncopneumonia, diabetes mellitus, hipertensão arterial" (10.02.2010; fl. 23).
Ao fim do processo administrativo instaurado junto ao INSS (fls. 208/249 e 252/254), foi reconhecido ao filho da autora o direito sobre valores referentes às parcelas de 27.03.2004 a 10.02.2010, em virtude de ser aplicada a prescrição quinquenal, tendo como origem a data do pedido de reativação do benefício previdenciário (27.03.2009).
Como única herdeira do seu filho, busca a parte autora o recebimento dos valores relativos à aposentadoria por invalidez que entende lhe sejam devidos, de 11.08.1992 (início da suspensão) até 26.03.2004, argumentando não correr prazo prescricional contra o absolutamente incapaz.
Desse modo, a controvérsia instaurada nos autos delimita-se a decidir se a sentença proferida no processo de interdição do filho da autora possui natureza declaratória ou constitutiva, ou melhor, se no momento em que o ex-segurado deixou de receber o seu benefício previdenciário, ficando desaparecido por cerca de 20 (vinte) anos, já era possível constatar a sua incapacidade civil absoluta. No caso do não reconhecimento da incapacidade absoluta desde o seu desaparecimento, afirma-se que esta surgiu apenas a partir da decisão judicial, sendo de rigor a aplicação da prescrição quinquenal em relação aos valores que lhe são devidos a título de benefício de aposentadoria por invalidez. Por sua vez, entendendo pela natureza declaratória da sentença, assenta-se que a incapacidade total para os atos da vida civil são pretéritos, portanto, não correndo a prescrição durante o seu desaparecimento.
Inicialmente, cumpre apontar, ainda que de forma genérica, alguns traços do transtorno mental atribuído ao filho da requerente.
Sobre os aspectos gerais da esquizofrenia, Ana Paula Wenerck de Castro, em Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ("Uso de antipsicóticos e prevenção de re-hospitalização em pacientes com esquizofrenia", p. 10), aponta que:
Em relação, especificamente, à fase da vida na qual o transtorno comumente se manifesta, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, produzido pela American Psychiatric Association, em sua quinta edição (DSM-5), afirma:
O Código Civil/2002 (CC/2002), em seu art. 198, I, dispõe não correr prazo de prescrição contra os absolutamente incapazes do exercício dos atos da vida civil. Tal dispositivo, claramente, visa à proteção dos direitos daqueles classificados pelo ordenamento jurídico como inaptos para manifestação de vontade livre, informada e consciente.
Não se olvida que a Lei nº 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência") promoveu importantes alterações no Código Civil brasileiro, tais como a retirada das pessoas com deficiência do rol dos incapazes para o exercício pessoal dos atos civis.
Entretanto, de acordo com a legislação de vigência à época dos fatos discutidos nos autos, ainda constam como absolutamente incapazes "os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da civil".
Assim, pode-se concluir que os prazos de prescrição não corriam contra os absolutamente incapazes que, por deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento para a realização pessoal dos atos da vida civil.
Por sua vez, ao tratar do instituto da curatela, o CC/2002, em sua redação original, elencou como sujeitos de interdição, no art. 1767, I, II, III e IV:
Em seu art. 1773, antes da alteração promovida pela Lei nº 13.105/2015, o CC/2002 firmou que a sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso.
Nesse contexto, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, interpretando o artigo supracitado, assentou a natureza constitutiva da sentença de interdição, motivo por que a produção dos seus efeitos não alcançam atos pretéritos a sua prolação:
Entretanto, a suspensão do prazo prescricional, para as pessoas absolutamente incapazes, ocorre no momento em que se constata a incapacidade, sendo a sentença de interdição, para o fim em apreço, meramente declaratória:
No caso dos autos, em que pese a sentença de interdição do filho da requerente ter sido posterior à data do início do prazo prescricional, firmado quando o ex-segurado deixou de retirar os valores depositados a título de aposentadoria por invalidez de sua conta bancária, pode-se extrair dos autos que a sua incapacidade absoluta para o exercício pessoal dos atos da vida civil seguramente se iniciou em data pretérita.
Com efeito, desde o início da década de 1980 o filho da parte autora apresentou indícios de transtorno mental, futuramente confirmado como sendo esquizofrenia paranoide. Por volta dos 30 (trinta) anos de idade - fase da vida em que a doença costuma se manifestar, segundo a ciência médica - foi afastado do seu trabalho por problemas, à época, identificados como neurológicos e psiquiátricos.
O fato de o filho da autora ter sido dado por desaparecido por quase 20 (vinte) anos, vindo a ser encontrado em um outro estado, vivendo em situação de rua, corrobora a presença da doença - e da incapacidade - em momento bastante anterior à sentença de sua interdição. Nesse sentido, aponta-se que não houve qualquer impugnação do INSS em relação à situação narrada nos autos.
Além disso, a segunda perícia médica, acolhida pela autarquia previdenciária, pela qual passou o curatelado para o restabelecimento do seu benefício previdenciário, atestou a incapacidade total para os atos da vida (fl. 166), mostrando-se este "apático, com juízo crítico severamente comprometido, alheio ao ambiente que o cerca". (fl. 292).
Outrossim, levando em consideração que "[...] as características psicóticas da esquizofrenia costumam surgir entre o fim da adolescência e meados dos 30 anos; início antes da adolescência é raro [...], bem como, na maioria dos indivíduos a doença manifestar [...] um desenvolvimento lento e gradativo de uma variedade de sinais e sintomas clinicamente importantes (DSM-5), dúvidas não restam sobre a incapacidade civil total do filho da requerente a partir de 09.10.1983 (fls. 67/75), quando lhe foi concedido o benefício de auxílio-doença.
Finalmente, vale ressaltar que o E. STJ, no julgamento do REsp 1101324/RJ, reconheceu a responsabilidade civil de genitora, por ato praticado por seu filho - maior e não interditado - que gerou dano a terceiro:
Destaco a seguinte passagem do julgado supracitado, em que foi dada precedência aos fatos jurídicos comprovados nos autos, para reconhecer a incapacidade civil de pessoa com esquizofrenia, independente de processo de interdição:
Sendo assim, por não correr prazo prescricional contra absolutamente incapazes, descabido falar, no caso em tela, de prescrição quinquenal.
Destarte, a parte autora faz jus aos valores devidos ao seu falecido filho (Adauto dos Santos Silva), a título de aposentadoria por invalidez, entre 11.08.1992 a 26.03.2004.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Diante do exposto, dou provimento à apelação, para, fixando, de oficio, os consectários legais, julgar procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe os valores relativos a benefício de aposentadoria por invalidez, devidos ao seu falecido filho, Sr. Adauto dos Santos Silva, entre 11.08.1992 a 26.03.2004, tudo na forma acima explicitada.
É como voto.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR:10081 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE180529616199 |
Data e Hora: | 26/02/2019 17:10:59 |