
| D.E. Publicado em 30/05/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença e julgar procedente o pedido da parte autora, restando prejudicada a análise da apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004283-61.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), sobreveio sentença de extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, incisos IV e IX, do Código de Processo Civil, tendo em vista o falecimento da requerente.
Inconformados, os sucessores da parte autora interpuseram recurso de apelação, pugnando pela integral reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido, sustentando o preenchimento dos requisitos necessários para a concessão do benefício.
Sem as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): É cediço que a extinção do processo com fundamento no artigo 267, inciso IX, do Código de Processo Civil, somente é possível se o pedido da parte autora versar sobre direito material intransmissível por expressa disposição legal.
No caso em exame, postulou a Autora a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), vindo a falecer no curso do processo, antes do julgamento de seu pedido.
Nesse passo, cabe esclarecer que embora o benefício pleiteado seja de caráter personalíssimo, os valores devidos ao seu titular em decorrência de tal benefício são transmissíveis aos seus herdeiros, consoante norma geral do Direito Sucessório e o estabelecido no parágrafo único do artigo 23 do Decreto 6.214/2007, in verbis:
Portanto, impõe-se a anulação da sentença, uma vez que o falecimento da parte autora não lhe retira o direito ao benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal) até a data do óbito. Por conseguinte, na hipótese de ser devido o benefício postulado, os valores devidos até o óbito são transmissíveis aos herdeiros habilitados.
Nesse sentido é o entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional, conforme revela a ementa deste julgado:
Outrossim, observo que para a solução da demanda não é necessária produção de novas provas, tendo em vista que a causa encontra-se em condições de julgamento imediato, sendo possível o exame do mérito por este Tribunal, nos termos do inciso I do § 3º do art. 1013 do NCPC.
O benefício assistencial está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou pessoa idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício assistencial, aquela que segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 12.470/2011, tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Com relação ao primeiro requisito, restou comprovado por meio do laudo médico juntado às (fl. 188/193), que atestou que a parte autora era portadora de sequelas de neoplasia maligna do reto, apresenta cicatriz de cirurgia abdominal com presença de colostomia na fossa ilíaca esquerda, sem conduções que permitam realizar qualquer atividade em caráter profissional que exija qualquer tipo de esforço físico, encontrando-se incapacitada em caráter permanente, o que é suficiente para evidenciar o cumprimento do requisito legal.
De outra parte, quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº435871/SP, Relator Ministro Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça.
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
No presente caso, o estudo social realizado em 10/03/2014 (fls. 164/165) revela que a requerente residia com seu marido e dois filhos, em uma casa de quatro cômodos apertados de difícil acesso e infraestrutura precária. A renda da unidade familiar era composta apenas pelos valores auferidos por meio de "bicos" feitos por seu marido.
Assim, os elementos de prova coligidos são suficientes para evidenciar as condições econômicas em que vivia a parte autora, inserindo-se ela no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (16/01/2013 fls. 31), uma vez que o conjunto probatório carreado aos autos demonstra que indeferimento foi indevido, e o termo final na data do óbito (06/01/2015 - fl. 212).
Juros de mora e correção monetária na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a redação atualizada pela Resolução 267/2013, observando-se, no que couber, o decidido pelo C. STF no julgado das ADI's 4.357 e 4.425.
Em virtude da sucumbência, arcará o instituto-réu com o pagamento da verba honorária, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação conforme entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional.
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar as custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, na forma da fundamentação.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
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