Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002495-53.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
13/12/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/12/2018
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AGRAVO
INTERNO DO INSS. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA. DEVOLUÇÃO.
DESCABIMENTO. AGRAVO INTERNO DA PARTE AUTORA. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO
PROBATÓRIO PARA COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL.
MANUTENÇÃO DO JULGADO AGRAVADO.
1.No confronto entre as normas legais tidas por infringidas pela autarquia e aquelas decorrentes
da nossa Lei Maior, obviamente aquelas cedem espaço a estas.
2.A decisão agravada, ao se pronunciar sobre a irrepetibilidade dos valores indevidamente pagos
ao beneficiário da Previdência, em razão da natureza alimentar da verba, recebida de boa-fé por
força de tutela antecipada, visou prestigiar o princípio da dignidade da pessoa humana.
3.A despeito da orientação do e. STJ, a devolução pleiteada pela autarquia não se justifica.
Precedentes do Colendo STF.
4. No tocante ao recurso da parte autora, restam expressamente fundamentados na decisão
impugnada os motivos da improcedência do pedido.
5. Diversamente da argumentação expendida em suas razões recursais, a parte autora não se
desincumbiu do ônus de comprovar o efetivo exercício de atividade rurícola, em regime de
economia familiar.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
6. Em contraposto as provas trazidas, verificou-se a existência de elementos capazes de
descaracterizar o regime de subsistência, como vínculos empregatícios pretéritos, tamanho da
propriedade e o valor das notas fiscais.
7. Agravos internos do INSS e da parte autora desprovidos.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002495-53.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELO VANILTON DA SILVA FERNANDES
Advogados do(a) APELADO: DJALMA CESAR DUARTE - MS16874, JOCIANE GOMES DE LIMA
- MS10070
APELAÇÃO (198) Nº 5002495-53.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELO VANILTON DA SILVA FERNANDES
Advogados do(a) APELADO: DJALMA CESAR DUARTE - MS16874, JOCIANE GOMES DE LIMA
- MS10070
R E L A T Ó R I O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de agravo interno interposto pela autarquia e pela parte autora contra decisão que deu
provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido, eximindo, porém, a autora da
devolução dos valores recebidos em razão da tutela revogada.
Recorre o INSS defendendo a legalidade da cobrança de valores recebidos indevidamente pela
parte autora.
Por outro lado, a parte autora alega ser devido o benefício de aposentadoria por idade. Sustenta
que o conjunto probatório é suficiente a comprovar o exercício de atividade rural em regime de
economia familiar
Instadas as partes a apresentar contraminuta quedaram-se inertes.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO (198) Nº 5002495-53.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELO VANILTON DA SILVA FERNANDES
Advogados do(a) APELADO: DJALMA CESAR DUARTE - MS16874, JOCIANE GOMES DE LIMA
- MS10070
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
O órgão previdenciário afirma que ao decidir o litígio da forma como feito, no tocante à não
determinação para devolução das importâncias, a provisão judicial censurada ter-se-ia
descompassado com artigos tais como: 115, 475-O, inc. II, 876 e 884 a 885 do Código Civil; 115,
inc. II, da Lei 8.213/91 e 37, 97, 195, da Constituição Federal.
Os argumentos do ente público permitem concluir que, sob sua óptica, a quaestio relativa à
imperatividade de devolução de quantias percebidas, reduz-se, pura e simplesmente, a um
negócio jurídico entabulado entre segurados e a própria autarquia federal, em perfeita
equanimidade, enquanto contratantes; via de consequência, incluindo-se, de maneira cabal, no
contexto do Código Civil.
No entanto, a hipótese que ora se apresenta é diversa, in essentia, daquela idealizada pelo INSS,
por envolver mais que espécie de acordo entre partes iguais.
É que, a uma das partes, vale dizer, aos segurados, faz-se lícito subentender imbricada, no mais
das vezes, imanente condição de hipossuficiência.
Por outro lado, o objeto da controvérsia também não consubstancia mera prestação recebida
indevidamente, corporifica benesse de natureza alimentar, que, à evidência, esvai-se na
mantença dos agraciados.
Sob tal raciocínio, tenho que, na análise de hipóteses como a vertente, o Julgador deve,
necessariamente, observar o preceituado no art. 5º da LICC, de que "Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
Para além, que são objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988 [art. 3º] "construir
uma sociedade livre, justa e solidária [art. 3º, inc. I]" e "erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais", não se me afigurando razoável compelir,ex vi legis,
isto é, via interpretação literal do texto, a parte autora a devolver o que, por força de
pronunciamento judicial, repise-se, fazia jus, notadamente porquanto, à ocasião da prolação do
ato decisório, foram consideradas satisfeitas as exigências previstas na normatização de regência
da espécie.
Nota-se, em princípio, que se opõem à pretensão do ente previdenciário, ainda, os princípios da
irrepetibilidade e da boa fé de quem percebeu valores, este último, registre-se, não infirmado pela
autarquia.
Não se desconhece do julgado proferido pelo e. STJ (REsp 1.401.560/MT), que assentou legítimo
o desconto de quantias recebidas pelos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social,
ainda que no cumprimento de decisão judicial precária posteriormente revogada.
Contudo, não se afigura crível detivesse e/ou detenha a parte segurada conhecimento técnico a
diferenciar o recebimento de determinada verba em caráter precário.
Auferindo-a, decerto acreditava ser um seu direito a se realizar.
Quanto ao art. 115 da Lei 8.213/91, de seu turno, deve ser examinado segundo seu devido
campo de abrangência, i. e., situações nas quais o pagamento de um dado beneplácito se tenha
operado em atenção à eventual decisão administrativa, não, todavia, judicial.
No que tange ao art. 37 da Constituição Federal, uma vez mais, o Instituto quer a prevalência
generalizada de princípios como os do art. 37 em alusão, este voltado à Administração Pública,
olvidando-se de outros, relacionados à pessoa humana, v. g., os dos arts. 1º, inc. III; 3º, incs. I e
III; 5º, caput; 6º e 201, inc. I, da Carta Magna.
Com relação a ADI 675-4/DF, esta foi julgada prejudicada, por perda superveniente de objeto, em
razão da revogação da norma da qual se buscava a declaração de inconstitucionalidade.
Frise-se, por oportuno, que em momento algum foi discutida, ainda que minimamente, a
inconstitucionalidade de artigo de lei. Aliás, afirmação nesse sentido só pode ser entendida como
explanação argumentativa do ente público, com vistas a impor o que supõe tenha acontecido na
análise do caso.
Contudo, a aplicação de um ou de outro dispositivo de lei ganha contornos de compreensibilidade
quando estudado o conjunto de fundamentos do ato decisório e não quando extraído da
contextura e interpretado de per se.
Assim, pelos fundamentos expostos, e em consonância com o entendimento do e. STF, a
devolução pleiteada pela autarquia não se justifica.
No tocante ao recurso da autora, também não é o caso de retratação.
Diversamente da argumentação expendida em suas razões recursais, a parte autora não se
desincumbiu do ônus de comprovar o efetivo exercício de atividade rurícola, em regime de
economia familiar.
Em contraposto as provas trazidas, verificou-se a existência de elementos capazes de
descaracterizar o regime de subsistência, como vínculos empregatícios pretéritos, tamanho da
propriedade e o valor das notas fiscais.
Trata-se de mero inconformismo da parte contra a decisão, que assim se pronunciou:
"Para comprovar a sua condição de segurado especial, o requerente apresentou notas fiscais de
entrada e produtor, datadas de 1997/2009, as quais fazem alusão à propriedade Estância Nossa
Senhora Aparecida.
A prova testemunhal, por sua vez, formada por dois depoimentos, atesta que o autor, por cerca
de 20 anos, trabalhou por conta própria em sua propriedade rural, onde cria gado e produz leite.
Esse conjunto probatório em tese seria suficiente à concessão do benefício, não fosse o valor
expressivo das notas fiscais, e os vínculos empregatícios pretéritos e o tamanho da propriedade,
circunstâncias que não se alinham com o regime de subsistência e a simplicidade do homem
campesino.
Segundo CNIS juntado pelo INSS, o autor por muitos anos, atuou em área administrativa e
comercial, primeiro em bancos (1973 a 1985), depois como empresário/empregador (01/05/1986
a 31/08/1986), e por fim para empresa nova veículos e acessórios Ltda (01/07/1993 a
25/02/1994).
Afora isso, as notas fiscais indicam a comercialização de grandes quantidades de bovino e
compra de leite, com circulação de expressivo volume monetário.
Destacam-se as notas fiscais de produtor rural de f. 25 e 28 do id 1950026, referentes a 2011 e
2014, as quais demonstram, respectivamente, o comércio de 20 vacas e 20 machos para
cria/recria, totalizando o valor de R$ 33.406,00 e de R$ 16.500,00.
Outrossim, consoante pesquisa ao CAFIR, detalhamento constante do CNIS, a propriedade em
que o autor alega desenvolver sua atividade rural apresenta tamanho muito superior aos 4
(quatro) módulos fiscais da região, nos termos do artigo 11, VII, "a", item 1, da Lei nº 8.213/91.
Enfim, as circunstâncias indicam que não se trata de economia de subsistência.
A propriedade rural tocada pelo autor é voltada a fins comerciais, exclusivamente, de modo que
não se amolda à situação exigida pelo artigo 11, § 1º, da LBPS,in verbis:
“§1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros
da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo
familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de
empregados permanentes”.
A aposentadoria por idade rural é reservada às pessoas pobres, sem capacidade contributiva,
que vivem em situação de regime de economia familiar, situação assaz diversa da experimentada
pelo autor durante sua vida laborativa.
A toda evidência, trata-se de produtor rural, contribuinte individual, que não comprovou o
recolhimento das contribuições devidas, pelo que se impõe a reforma da r. sentença."
É forte na 3ª Seção desta Casa jurisprudência no sentido de que decisões condizentemente
fundamentadas e sem máculas, tais como ilegalidade ou abuso de poder, não devem ser
modificadas, verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. VIA INADEQUADA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
1- Segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do Relator não deve ser alterada se
solidamente fundamentada e dela não se vislumbrar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que
resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte.
(...)
4- Agravo improvido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgMS 235404, proc. 2002.03.00.015855-6,
rel. Des. Fed. Santos Neves, v. u., DJU 23/8/2007, p. 939)
"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL. JUIZADO ESPECIAL
FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DECISÃO
FUNDAMENTADA.
I - É pacífico o entendimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar decisões proferidas
pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou
abuso de poder que possa gerar dano irreparável ou de difícil reparação.
(...)
VI - Agravo não provido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgAR 6420, A competência para
processar e julgar as ações rescisórias ajuizadas contra decisões proferidas pelos Juizados
Federais é do órgão de interposição dos próprios Juizados, isto é, das Turmas Recursais, não do
Tribunal Regional Federal (artigos 102, I, "j", 105, I, "e", e 108, I, "b", CF/88).
Esclareça-se que às Cortes Regionais Federais não incumbe rever os decisórios oriundos dos
Juizados Especiais Federais, por se tratarem de órgãos jurisdicionais diversos.
De resto, fixadas a estruturação e competência da Justiça Especializada por força de lei (Leis nº
9.099/95 e 10.259/2001), cediço que o reexame das causas ali julgadas há de ser realizado pelos
Juízos de interposição correlatos (Turmas Recursais
proc. 2008.03.00.034022-1, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., DJF3 21/11/2008)
Ademais, eventual alegação de que não é cabível o julgamento monocrático no caso presente
resta superada, frente à apresentação do recurso para julgamento colegiado.
Consigno, finalmente, que foram analisadas todas as alegações constantes do recurso capazes
de, em tese, infirmar a conclusão adotada no decisum recorrido.
Isso posto, voto no sentido deNEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DO INSS E DA PARTE
AUTORA.
É O VOTO.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AGRAVO
INTERNO DO INSS. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA. DEVOLUÇÃO.
DESCABIMENTO. AGRAVO INTERNO DA PARTE AUTORA. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO
PROBATÓRIO PARA COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL.
MANUTENÇÃO DO JULGADO AGRAVADO.
1.No confronto entre as normas legais tidas por infringidas pela autarquia e aquelas decorrentes
da nossa Lei Maior, obviamente aquelas cedem espaço a estas.
2.A decisão agravada, ao se pronunciar sobre a irrepetibilidade dos valores indevidamente pagos
ao beneficiário da Previdência, em razão da natureza alimentar da verba, recebida de boa-fé por
força de tutela antecipada, visou prestigiar o princípio da dignidade da pessoa humana.
3.A despeito da orientação do e. STJ, a devolução pleiteada pela autarquia não se justifica.
Precedentes do Colendo STF.
4. No tocante ao recurso da parte autora, restam expressamente fundamentados na decisão
impugnada os motivos da improcedência do pedido.
5. Diversamente da argumentação expendida em suas razões recursais, a parte autora não se
desincumbiu do ônus de comprovar o efetivo exercício de atividade rurícola, em regime de
economia familiar.
6. Em contraposto as provas trazidas, verificou-se a existência de elementos capazes de
descaracterizar o regime de subsistência, como vínculos empregatícios pretéritos, tamanho da
propriedade e o valor das notas fiscais.
7. Agravos internos do INSS e da parte autora desprovidos. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo do INSS e da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
