Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5185895-02.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/06/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 24/06/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DEFEITOS
REMEDIÁVEIS NA VIA INTEGRATIVA. INEXISTÊNCIA. IMPROVIMENTO.
1. Nos estreitos lindes estabelecidos na lei processual, os embargos de declaração não se
prestam à alteração do pronunciamento judicial quando ausentes os vícios listados no artigo
1.022 do CPC, tampouco se vocacionam ao debate em torno do acerto da decisão impugnada,
competindo à parte inconformada lançar mão dos recursos cabíveis para alcançar a reforma do
ato judicial.
2. Inexistência dos defeitos historiados.
3. Embargos de declaração desacolhidos.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5185895-02.2020.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: VALMAIR MANSANARES
Advogados do(a) APELANTE: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5185895-02.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: VALMAIR MANSANARES
Advogados do(a) APELANTE: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
em face de aresto que, em sede de ação tendente à outorga de benefício assistencial, deu
provimento ao apelo autoral e reformou a sentença para julgar procedente o pedido (cf. ementa
ID 143984584).
Aduz, em síntese, que o aludido decisum padece de omissão, contradição e obscuridade, no
que tange ao termo inicial do benefício, estatuído à data do requerimento administrativo, sob
argumento de que inexiste prova de miserabilidade a remontar a tal marco temporal. Citando
precedente jurisprudencial em sentido adverso ao esposado no julgado atacado, assevera que,
dado o tempo decorrido entre as datas do pleito administrativo e do ajuizamento da ação, o dies
a quo da benesse deveria ser assinalado na data da citação.
Intimada, a parte adversa apresentou contrarrazões ao integrativo (ID 151572882).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5185895-02.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: VALMAIR MANSANARES
Advogados do(a) APELANTE: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Como cediço, os embargos de declaração não se prestam à alteração do pronunciamento
judicial quando ausentes omissão, obscuridade, contradição ou erro material a ser sanado, no
termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, competindo à parte inconformada lançar
mão dos recursos cabíveis para alcançar a reforma do ato judicial (STJ, ED no AG Rg no Ag em
REsp n. 2015.03.17112-0/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJE de
21/06/2016).
A via integrativa é efetivamente estreita e os embargos de declaração não se vocacionam ao
debate em torno do acerto da decisão impugnada, sendo a concessão de efeito infringente
providência excepcional e cabível, apenas, quando corolário natural da própria regularização do
vício que ocasionou a oposição daquele remédio processual.
In casu, tenho por certo que o embargante, asseverando a ocorrência de máculas no aresto
atacado, limita-se a apontar sua divergência em face da solução haurida em referido
julgamento.
Deveras, a questão focalizada pelo ente securitário foi, sim, abordada pelo aresto e de modo
suficientemente motivado, podendo-se depreender com facilidade os motivos embasadores da
exegese lá sufragada.
Confiram-se, a propósito, as seguintes passagens do voto prolatado:
“(...)
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 126350344, realizado em 25/08/2017,
considerou o autor, então, com 43 anos de idade, que estudou até a 7ª série e trabalhou como
pedreiro, portador de hepatite C e alcoolismo crônicos, urolitíase e síndrome depressiva
recorrente.
Dentre os sintomas da hepatite C crônica, apresenta dores de cabeça fortes, mal estar geral,
febre baixa, perda do apetite, vômitos, cansaço fácil, dor nas articulações, cor amarelada na
pele e nos olhos, fraqueza, mialgia, cefaléia, irritabilidade e anemia.
As dores nas articulações, o mal estar e o cansaço fácil são constantes e interferem no
desempenho de qualquer atividade cotidiana do apelante, tal como andar, sentar ou agachar.
O promovente tem constantes crises comportamentais e sofre, também, alterações psicológicas
e distúrbios mentais, passando por períodos de total falta de discernimento, em decorrência do
alcoolismo.
Além disso, é portador de epicondilite lateral junto ao cotovelo direito, que lhe causa dores
crônicas à movimentação, atingindo antebraço e mãos e comprometendo os movimentos de
apreensão de objetos com a mão direita.
O perito concluiu que as patologias diagnosticadas incapacitam o requerente ao labor, de forma
parcial e permanente, vislumbrando a possibilidade de reabilitação profissional.
Não obstante, salientou que os impedimentos que acometem o demandante estão presentes há
quatro anos e, desde então, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade, em
igualdade de condições com as demais pessoas.
Tenho, no mais, que o alcoolismo constitui, a todas as luzes, enfermidade, constando, inclusive,
da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID 10), cujo tópico F10 cuida dos
Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool. Destarte, não se cuida de
adotar conduta paternalista e escoimar pessoas das responsabilidades pelos seus atos, mas
sim de reputar altamente comprometido e controvertido o elemento volitivo quando da sujeição
do indivíduo ao vício. Aliás, sem qualquer pretensão de aprofundamento no assunto, certo é
que estudos científicos indagam acerca do componente genético nessas moléstias, o que, a
meu sentir, problematiza, ainda mais, a existência de vontade livre e desembaraçada por
ocasião da adesão ao hábito pernicioso.
Guardo, pois, reservas à posição de obstar a fruição de benesses por incapacidade à vista
dessa divisada voluntariedade. Acredito ser de todo curial a adoção de conduta cautelosa, tanto
mais porque não são poucas as doenças notoriamente decorrentes de comportamentos
encampados pela pessoa no decorrer de sua vida, mesmo com alertas aos riscos daí advindos.
A ilustrar, sabidamente os inconsequentes excessos alimentares conduzem a doenças
cardíacas, problemas no cérebro, diabetes e tantos outros males. O tabagismo é decerto causa
determinante de neoplasia pulmonar. A ausência de adequada prevenção pode vir a engendrar
contaminação pelo vírus HIV. E note-se: a ninguém ocorre negar benesses por incapacidade
nessas situações, pela só convergência da atitude do doente ao mal que porta. Porque, então,
inibir apenas ao etilista o acesso ao benefício de prestação continuada pretendido? Qual o
discrimine lógico e razoável para se estabelecer distinções nesse campo? Como, válida e
objetivamente, apartar as hipóteses em que a pessoa verdadeiramente concorreu à doença?
Ademais, em relação ao amparo assistencial, o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007,
estabelece que “a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a
avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda,
“a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas
especificidades”, daí defluindo que a avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a
qualificação e experiência pessoal do postulante do amparo assistencial, no contexto social em
que vive.
Nesse cenário, antevejo a existência de comprometimento ou restrições sociais decorrentes da
enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de
deficiência necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos
estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 126350375, produzido em 29/05/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside no município de Santa Fé do Sul/SP,
com a companheira, de 41 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A moradia é simples, o terreno pertence a sua companheira. O local é bem precário, a parede
da residência é divisória com uma pequena empresa que exala um cheiro de tinta bem forte (o
casal esclareceu que essa empresa é do ex marido de sua companheira). Construção de
alvenaria, coberto com telha Eternit, fiação aparente, sem forro, banheiro sem vaso sanitário ou
porta, quintal de terra. É constituída apenas por um cômodo e partir deste colocaram uma
pequena parede na tentativa de organizar o banheiro, um colchão de casal colocado em cima
do palet, duas cadeiras com roupas. Tecidos colocados nas duas janelas, a única entrada/saída
não possui porta. No espaço que representa a cozinha possui um fogão, uma geladeira e uma
estante de ferro. Possui luz elétrica, água encanada, rede de esgoto e dejetos, asfalto e limpeza
pública."
O casal recebe a transferência de R$ 171,00 do Programa Bolsa Família. A companheira do
autor "mencionou que não trabalha por sérios problemas de saúde".
A água e energia, "o pouco que utilizam, são pagos pelo dono da fábrica. Alimentos tem sido
provenientes de doação, pedindo porta a porta ou a igreja".
A maior parte da medicação utilizada pelo proponente é disponibilizada pela rede pública de
saúde, "mas quando não é possível adquirir de forma gratuita, precisam comprar e,
esporadicamente, o pai o auxilia".
Quanto ao gás, no valor de R$ 75,00, "pagam com o dinheiro do benefício do governo".
Destarte, aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal a justificar a
inclusão da parte autora no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da assistente social, no sentido de que, do ponto de
vista sociológico, o autor encontra-se em situação de vulnerabilidade social:
"Segundo informações do autor, sobrevivem de forma precária, pois não possuem renda fixa o
único recebimento atual é proveniente do programa do governo federal “Bolsa Família”.
O mesmo já nasceu em um ambiente economicamente vulnerável e tendo realizado vários
trabalhos, porém acometido pela doença ficou impossibilitado de fazê-lo
Neste cenário fica distante de obter uma oportunidade de readaptação em um mercado em que
o indivíduo possa ser designado a uma função diante de suas capacidades (condições físicas e
de saúde), necessidades especificas e história de vida.
Nota-se que as famílias tem se adaptado, ou melhor, submetidas a escolher o que lhe é
primordial em adquirir entre os itens básicos (carne, legumes, verduras, leite, vestuário) ou
medicações que são necessárias a qualidade de vida e em algum aspecto que lhe é de extrema
importância, ficam desassistidos, considerações estas sob a ótica relatada pela família e
demonstrada por políticas públicas de atenção a estes.
Do ponto de vista social, quanto aos domínios de atividades e participação, o autor, está
vivendo parcialmente isolado, tendo em vista sua condição de saúde.
Mantém vínculos familiares preservados, mas seus filhos são estudante e dependentes da
genitora. Seu pai é aposentado, porém mantém o pagamento com as próprias despesas
familiares.
Durante a visita e entrevista foram observados o ambiente familiar, comportamento e atitude do
autor, e fica evidente que trata-se de família encontra-se em situação vulnerável destituída de
condições que assegure seu bem estar e portanto, sua acessibilidade ao sistema social lhe
resultaria melhor qualidade de vida."
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse
sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona
Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
(...)”.
Como se colhe, em aludida oportunidade joeiraram-se detidamente os elementos de convicção
acostados aos autos, concluindo-se, ao lume do livre convencimento motivado, pela presença
dos quesitos necessários à outorga do beneplácito pretendido. No tangente ao ponto realçado
pela autarquia em seu aclaratório, estatuiu-se, à vista de jurisprudência assente nesta egrégia
Turma Julgadora, conforme julgados trazidos à guisa de ilustração, a data de protocolização do
requerimento na senda administrativa como marco inicial da benesse.
Como bem se colhe, os defeitos divisados pelo insurgente insubsistem. O conteúdo do
provimento jurisdicional é de clareza meridiana, de molde a não ensejar a ordem de indagações
e hesitações ora explanada, e o resultado do julgamento acha-se, à saciedade, motivado,
retratando a convicção do julgador frente à controvérsia que lhe foi submetida a deslinde. A
decisão comporta uma só exegese, que é facilmente perceptível a partir de seu detido exame.
Especificamente no que diz com a apontada contradição, consigne-se que a acolhida pela
legislação ao tratar dos embargos de declaração é a interna, entre partes ou aspectos da
decisão embargada, e não, como pretende o embargante, entre a decisão proferida e a
expectativa de interpretação encampada pela parte ou mesmo entre o decisório guerreado e
outros precedentes do Tribunalvazados, pretensamente, em veredas opostas e que, em tese,
seriam mais benéficas à tese sustentada pelo embargante. Convenha-se em que raciocinar
assim importaria descurar das especificidades encontradas em cada caso concreto, além de
ceifar o princípio do livre convencimento motivado.
Reitere-se, a contradição que rende ensejo à oposição de embargos de declaração é aquela
intrínseca ao próprio julgado, o que não sucede na hipótese em tela.
De tudo que se expôs, não se verifica a consubstanciação de quaisquer dos vícios remediáveis
na senda integrativa, em ordem a esvaziar-se, de consequência, eventual desiderato de
prequestionamento acalentado pelo embargante.
Em arremate, não cabe a oposição de embargos de declaração embasados exclusivamente no
inconformismo da parte, ao fundamento de que o direito não teria sido bem aplicado à espécie
sujeita à apreciação e julgamento.
Destarte, conclui-se que o acórdão não incidiu em quaisquer dos quaisquer vícios susceptíveis
de retificação na senda integrativa.
Ante o exposto, REJEITO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DEFEITOS
REMEDIÁVEIS NA VIA INTEGRATIVA. INEXISTÊNCIA. IMPROVIMENTO.
1. Nos estreitos lindes estabelecidos na lei processual, os embargos de declaração não se
prestam à alteração do pronunciamento judicial quando ausentes os vícios listados no artigo
1.022 do CPC, tampouco se vocacionam ao debate em torno do acerto da decisão impugnada,
competindo à parte inconformada lançar mão dos recursos cabíveis para alcançar a reforma do
ato judicial.
2. Inexistência dos defeitos historiados.
3. Embargos de declaração desacolhidos. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
