
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068276-46.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ALICE MORGADO ROCHA
Advogados do(a) APELADO: DAVID ORSI DOMINGUES - SP376596-N, FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068276-46.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ALICE MORGADO ROCHA
Advogados do(a) APELADO: DAVID ORSI DOMINGUES - SP376596-N, FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR:
Trata-se de ação em que se pleiteia a conversão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição em aposentadoria especial, mediante o reconhecimento de período(s) laborado(s) em atividades especiais.
A sentença acolheu o pedido de desistência quanto ao reconhecimento dos períodos de 01/06/1978 a 29/02/0980 e de 01/04/1983 a 30/12/1983 e, no mais, julgou procedente o pedido, para condenar o INSS a computar, como tempo especial, os períodos trabalhados pela autora nas empresas: Vito Fasanella e Outros (de 01/06/1985 a 31/01/1986, de 05/03/1986 a 30/06/1988 e de 01/07/1988 a 12/10/1988), Sociedade Agrícola Santa Helena Ltda. (de 17/10/1988 a 22/05/1989) e Polenghi Indústria Brasileira de Produtos Alimentícios Ltda. (de 23/05/1989 a 02/06/2003 e de 03/05/2004 a 22/04/2015), convertendo a aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo (22/04/2015). Condenou o INSS, ainda, ao pagamento dos valores devidos em atraso, correção monetária e juros de mora nos termos do art. 1-F da Lei n. 9494/97. Condenou a autarquia, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado das parcelas vencidas. Não há reembolso de custas ou despesas processuais, salvo aquelas comprovadas.
Sentença não submetida à remessa necessária.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, suscitando, preliminarmente, a nulidade da perícia e de todos os atos subsequentes, diante da não apresentação dos formulários de atividade especial, devendo a parte autora diligenciar no sentido de apresentar referidos documentos, reabrindo-se a instrução processual. No mais, requer a submissão da sentença à remessa necessária.
No mérito, sustenta que o laudo pericial acolhido pela sentença não observou os requisitos técnicos e legais de enquadramento. Alega, ainda, a necessidade de aplicação da metodologia adequada para a aferição do ruído, bem como a ausência de comprovação de habitualidade e permanência quanto à exposição. Quanto ao pedido de reconhecimento da atividade especial por categoria profissional admitido pela legislação até 28/04/1995 (véspera da vigência da Lei nº 9.032/1995) -, as atividades mencionadas pela parte autora devem se enquadrar nos Anexos dos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 (Quadro II do Anexo III do Decreto nº 53.831, de 1964, e Quadro II do Anexo ao Regulamento aprovado pelo Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979), o que não ocorreu no caso dos autos, sendo que a prova documental apresentada deve ser conclusiva quanto ao desempenho de categoria profissional prevista nos antigos decretos previdenciários, sobretudo quando se tratar de simples anotação em CTPS. Ademais, sustenta que a parte autora não comprovou o exercício de labor na agropecuária, nos termos do enquadramento por categoria profissional vigente até a edição da Lei nº 9.032/1995, nem a exposição a agentes nocivos. Quanto à alegada exposição a agentes químicos, assevera que a documentação apresentada pela parte autora refere genericamente a presença de agentes químicos no ambiente de trabalho, razão pela qual o pedido de reconhecimento da especialidade deve ser julgado improcedente. Refere a impossibilidade de conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, a inaplicabilidade da tese do "melhor benefício" e violação à vedação contida no art. 57, §8º, da Lei nº 8.213/91.
Caso mantida a condenação, requer que: os efeitos financeiros da condenação passem a contar da data da juntada do laudo pericial em juízo; que o índice de correção monetária aplicável ao caso seja o INPC e, a partir da competência janeiro/2022, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, que seja adotada a SELIC (a EC n. 113/2021 iniciou sua vigência em 9/12/2021, data de sua publicação); a observância da prescrição quinquenal; seja a parte intimada a firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; o desconto, de eventual montante retroativo, dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período, bem como pelo deferimento da cobrança de eventuais valores pagos indevidamente à parte autora em sede de antecipação dos efeitos da tutela.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068276-46.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
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APELADO: MARIA ALICE MORGADO ROCHA
Advogados do(a) APELADO: DAVID ORSI DOMINGUES - SP376596-N, FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do(s) recurso(s) de apelação.
Rejeito a preliminar de nulidade da perícia.
A produção de provas visa à formação do convencimento do magistrado, a quem compete, consoante o art. 370 do CPC, "de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”.
Embora o pedido de reconhecimento de labor exercido em condições especiais seja analisado, via de regra, mediante informações contidas em formulários e laudos técnicos elaborados pelo empregador, inexiste óbice a que o conjunto probatório seja suprido por perícia técnica judicial.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício, seu valor aproximado e a data da sentença, que o valor total da condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do art. 496 do CPC/15.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Prevê ainda, o mencionado diploma legal, no art. 162, o reconhecimento de atividade especial prestada em data anterior à sua edição, na hipótese de seu cômputo ser mais benéfico ao segurado.
Como assentado pelas Cortes Superiores "tal hipótese, apesar de similar, não se confunde com a questão da legislação aplicável ao caso de concessão de aposentadoria, tampouco com aquela que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço. (...) Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercida depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência." (Ag Rg no REsp nº 1015694, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, DJe 01/02/2011)
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
Nos termos da Súmula nº 68 da TNU, “o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”. A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014); “inexiste exigência legal de contemporaneidade dos documentos técnicos que comprovam o exercício de labor especial” (8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008647-15.2021.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 09/08/2022, DJEN DATA: 12/08/2022).
Da vedação prevista no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91
O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709 de repercussão geral (RE nº 791.961-PR, j.08.06.2020), em que se discute, à luz dos arts. 5º, XIII; 7º, XXXIII, e 201, § 1º, da Constituição Federal, a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, que veda a percepção do benefício da aposentadoria especial pelo segurado que continuar exercendo atividade ou operação nociva à saúde ou à integridade física, firmou a seguinte tese: “I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão”.
Em 24.02.2021, o Pleno do STF, por maioria, acolheu parcialmente os embargos de declaração, para: “a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas; b) alterar a redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida: “4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.’”; c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento; e d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento, nos termos do voto do Relator.”
Em 04.10.2021, o Pleno retomou a análise da matéria em sede de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal para modular os efeitos, excepcionalmente e temporalmente, da incidência do acórdão, no tocante aos profissionais de saúde constantes do rol do art. 3º-J da Lei nº 13.979/2020, e que estejam trabalhando diretamente no combate à pandemia do COVID-19, ou prestando serviços de atendimento a pessoas atingidas pela doença em hospitais ou instituições congêneres, públicos ou privados, ficando suspensos os efeitos do acórdão proferido nos autos, enquanto estiver vigente a referida lei, que dispõe sobre as medidas de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do vírus SARS-COV2, rejeitando os aclaratórios opostos pelo Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios, Derivados de Petróleo e Combustíveis de Santos e Região.
Depreende-se assim, que o exercício da atividade especial pelo segurado durante o trâmite do processo administrativo ou judicial, seja de concessão ou de revisão, não altera o seu direito à percepção do benefício e dos efeitos financeiros decorrentes. Apenas com a implantação efetiva do benefício é que se lhe aplica a vedação do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, cabendo ao INSS, dentro das suas atribuições, fiscalizar o afastamento do segurado das atividades a partir de então.
Ruído
O Decreto nº 53.831/64 considerava insalubre o labor desempenhado com exposição permanente a ruído acima de 80 dB; já o Decreto nº 83.080/79 fixava a pressão sonora em 90 dB. Na medida em que as normas tiveram vigência simultânea, prevalece disposição mais favorável ao segurado (80 dB).
Com a edição do Decreto nº 2.172/97, a intensidade de ruído considerada para fins de reconhecimento de insalubridade foi elevada para 90 dB, mas, em 2003, essa medida foi reduzida para 85 dB, por meio do Decreto nº 4.882, de 18 de novembro de 2003.
Até 09 de outubro de 2013, os Tribunais adotavam o enunciado pela Súmula nº 32 da TNU. Contudo, esta Súmula foi cancelada em decorrência do julgamento da PET 9059 pelo Superior Tribunal de Justiça (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJe 09/09/2013) cujo entendimento foi sufragado no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Em relação ao agente ruído, vigora o princípio do tempus regitactum. Considera-se especial a atividade desenvolvida acima do limite de 80dB até 05/03/1997, quando foi editado o Decreto nº 2.172/97, a partir de então deve-se considerar especial a atividade desenvolvida acima de 90dB até 18/11/2003, quando foi editado o Decreto nº 4882/2003. A partir de 19/11/2003 o limite passou a ser de 85 dB.
Saliente-se que a especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico previdenciário (a partir de 11/12/97).
É corrente em nossos tribunais a tese de que sempre se exigiu laudo técnico para comprovar a exposição do trabalhador aos agentes físicos ruído e calor em níveis superiores aos limites máximos de tolerância. Entretanto, no tocante às atividades profissionais exercidas até 10/12/97 - quando ainda não havia a exigência legal de laudo técnico -, essa afirmação deve ser compreendida, não na literalidade, mas no sentido de ser necessário o atesto efetivo e seguro dos níveis de intensidade dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto durante sua jornada laboral.
Logo, para as atividades profissionais exercidas até 10/12/97, é suficiente que os documentos apresentados façam expressa menção aos níveis de intensidade dos agentes nocivos.
A legislação de regência não exige que a nocividade do ambiente de trabalho seja aferida a partir de uma determinada metodologia. O artigo 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual, portanto, pode se basear em qualquer metodologia científica. Não tendo a lei determinado que a aferição só poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
Na sessão de julgamento de 08/02/2017, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1083), o STJ estabeleceu a tese de que o exercício de atividades sob condições especiais pela exposição a ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido através do Nível de Exposição Normalizado (NEN), que indica a média ponderada de ruído. Na ausência deste, deverá ser adotado o critério de nível máximo (pico) de ruído, desde que comprovada a habitualidade e permanência da exposição, através de perícia judicial.
Contudo, acerca da habitualidade e permanência da exposição ao agente ruído, entendo aplicável à hipótese a norma prevista no artigo 375 do CPC/2015, considerando que o cotejo das provas carreadas aos autos, em especial as descrições das atividades desenvolvidas pelo segurado, permite concluir que o segurado ficava habitual e permanentemente exposto ao agente nocivo indicado nos formulários previdenciários/PPP durante a jornada de trabalho, não se fazendo necessário, portanto, a conversão do feito em diligência para a produção de laudo pericial, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais.
Saliente-se que de acordo com o definido pelo C. STJ a informação de inserção do NEN, no PPP ou LTCAT, somente tornou-se exigível a partir da edição do Decreto 4.882/2003.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 1.889.768/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 10/12/2021; REsp n. 1.800.908/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/4/2019, DJe de 22/5/2019; REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Agentes químicos
Considera-se especial o labor desempenhado de forma habitual e permanente com exposição a agentes químicos, conforme previsto na legislação previdenciária, entre eles:
- Hidrocarbonetos e derivados e outros tóxicos inorgânicos - no item 1.2.11 do Quadro do Decreto nº 53.831/64; nos itens 1.2.10 e 1.2.11 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e do Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99;
- Poeiras minerais - no item 1.2.10 do Decreto 53.831/64, item 1.2.12 do Quadro I, do Decreto nº 83.080/79, e do Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99;
- Fumos metálicos - no item 1.2.9 do Decreto 53.831/64;
- Agentes cancerígenos previstos no Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99.
Consoante estabelecido no Anexo 13 da NR-15 do Ministério do Trabalho, a exposição do trabalhador a agentes químicos tem sua intensidade aferida a partir de análise qualitativa ou quantitativa.
Quanto aos agentes hidrocarbonetos e derivados e outros tóxicos inorgânicos, em que a análise é qualitativa, prescinde, portanto, de quantificação da concentração da substância para caracterização da especialidade da atividade, bastando a comprovação do contato físico com o agente nocivo durante o labor.
Neste sentido: ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5287730-33.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, julgado em 13/12/2022, Intimação via sistema DATA: 15/12/2022.
No que tange aos agentes químicos sujeitos à análise quantitativa, o reconhecimento da especialidade depende de sua quantificação, nos termos do Anexo IV da Decreto nº 3.048, de 1999.
Vale dizer que a exposição aos agentes cancerígenos prescinde de análise qualitativa ou quantitativa para configurar condição especial de trabalho, vez que a substância integra o rol de agentes cancerígenos, cujo risco potencial de agressão à saúde, impõe o reconhecimento da insalubridade (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000745-28.2019.4.03.6136, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 16/12/2022, Intimação via sistema DATA: 28/12/2022).
A partir da vigência da Lei n.º 9.732/98, exigiu-se a elaboração de laudo técnico dispondo sobre a existência e utilização de tecnologia de proteção coletiva ou individual, passível de diminuir a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.
Assim, a partir de 14/12/1998 o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição ao agente nocivo durante o labor; se o uso de EPI for capaz de neutralizar a nocividade do agente, não haverá respaldo legal à percepção da aposentadoria especial.
No julgamento do ARE 664.335/SC com repercussão geral (Relator Ministro Luiz Fux, DJe 12/2/2015), o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que (I) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (II) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (III) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Consoante jurisprudência desta Corte, a ausência da informação da habitualidade e permanência no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) não impede o reconhecimento da especialidade, porquanto o PPP é formulário padronizado pelo próprio INSS, a teor do § 1º do artigo 58 da Lei 8.213/91, sendo de competência da autarquia a adoção de medidas para reduzir as imprecisões no preenchimento do PPP pelo empregador; como os PPPs não apresentam campo específico para indicação de configuração de habitualidade e permanência da exposição ao agente, o ônus de provar a ausência desses requisitos é do INSS (AR 5009211-23.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 1 7/5/2020).
Forçoso concluir, assim, que o mero preenchimento dos campos constantes do PPP e/ou a menção à utilização de EPI sem comprovação efetiva de seu fornecimento e fiscalização no uso, não tem o condão de descaracterizar a especialidade da atividade exercida sob exposição a agentes nocivos (AC n.º 0009611-62.2012.4.03.6102, Rel. Desembargador Federal Newton De Lucca, e-DJF3 Judicial 1 30/3/2020).
Radiação ionizante
A exposição à radiação foi inicialmente prevista no item 5, in fine, do Quadro Anexo II do Decreto n. 48.959-A/60, bem como no código 1.1.4 do Quadro Anexo ao Decreto n. 53.831/64, no contexto de "operações em locais com radiações capazes de serem nocivas à saúde - infra-vermelho, ultra-violeta, raios X, rádium e substâncias radiativas", englobando "trabalhos expostos a radiações para fins industriais, diagnósticos e terapêuticos - operadores de raio X, de rádium e substâncias radiativas, soldadores com arco elétrico e com oxiacetilênio, aeroviários de manutenção de aeronaves e motores, turbo-hélices e outros".
Posteriormente, o código 1.1.3 do Quadro Anexo I do Decreto n. 63.230/68 previu a radiação ionizante como agente nocivo, nos termos seguintes: "Extração de minerais radioativos (tratamento, purificação, isolamento e preparo para distribuição). Operações com reatores nucleares com fontes de nêutrons ou de outras radiações corpusculares. Trabalhos executados com exposições aos raios X, rádio e substâncias radioativas para fins industriais, terapêuticos e diagnósticos. Fabricação de ampolas de raios X e radioterapia (inspeção de qualidade). Fabricação e manipulação de produtos químicos e farmacêuticos radioativos (urânio, rádon, mesotório, tório X, césio 137 e outros). Fabricação e aplicação de produtos luminescentes radíferos. Pesquisas e estudos dos raios X e substâncias radioativas em laboratórios". As atividades profissionais de médico radiologista ou radioterapeuta e de técnico de raios X também foram expressamente consignadas como especiais no código 2.1.3 do Quadro Anexo II do Decreto n. 63.230/68.
Como agente nocivo, a radiação ionizante também foi elencada nos códigos 1.1.3 do Quadro Anexo I do Decreto n. 72.771/73 e do Anexo I do Decreto n. 83.080/79, nos mesmos termos empregados no Decreto n. 63.230/68, mantido o enquadramento das categorias de médico radiologista ou radioterapeuta e de técnico de raios X, cf. códigos 2.1.3 do Quadro Anexo II do Decreto n. 72.771/73 e do Anexo II do Decreto n. 83.080/79.
Por fim, os códigos 2.0.3 dos Anexos IV de ambos os Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99 estabeleceram a especialidade do trabalho com exposição a radiações ionizantes, no contexto de "a) extração e beneficiamento de minerais radioativos; b) atividades em minerações com exposição ao radônio; c) realização de manutenção e supervisão em unidades de extração, tratamento e beneficiamento de minerais radioativos com exposição às radiações ionizantes; d) operações com reatores nucleares ou com fontes radioativas; e) trabalhos realizados com exposição aos raios Alfa, Beta, Gama e X, aos nêutrons e às substâncias radioativas para fins industriais, terapêuticos e diagnósticos; f) fabricação e manipulação de produtos radioativos; g) pesquisas e estudos com radiações ionizantes em laboratórios".
É de se observar que nenhum dos decretos estabeleceu intensidade mínima de radiação para a qualificação da atividade como especial, para fins previdenciários.
Nessa linha, a própria orientação administrativa do INSS era de que a qualificação da atividade pela exposição a radiações ionizantes independia do atingimento dos limites de tolerância, que são estabelecidos, em âmbito nacional, pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM). Assim dispunha o artigo 3º, inciso V, da IN INSS/DC n. 39, de 26.10.2000 (in verbis: "Vibrações, radiações ionizantes e pressão atmosférica anormal: O enquadramento como especial em função destes agentes será devido se as tarefas executadas estiverem descritas nas atividades e códigos específicos dos Anexos do Regulamento da Previdência Social - RPS respectivos, independentemente de limites de tolerância, desde que executadas de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente"), entendimento que foi mantido em atos supervenientes, a saber: artigo 175 da IN INSS/DC n. 57, de 10.10.2001; artigo 183 da IN INSS/DC n. 78, de 16.07.2002; artigo 182 da IN INSS/DC n. 84, de 17.12.2002; e artigo 182 da IN INSS/DC n. 95, de 07.10.2003.
Essa disciplina foi alterada com a edição da IN INSS/DC n. 99, de 05.12.2003 e se manteve com a edição da IN INSS/DC n. 118, de 14.04.2005 (artigo 182), da IN INSS/PRES n. 11, de 20.09.2006 (artigo 182), da IN INSS/PRES n. 20, de 10.10.2007 (artigo 182), da IN INSS/PRES n. 45, de 11.08.2010 (artigo 241) e da IN INSS/PRES n. 77, de 21.01.2015 (D.O.U. de 22.01.2015). Atualmente vigora a IN INSS/PRES n. 128, de 28.03.2022 (D.O.U. de 29.03.2022).
Quanto às atividades que envolvem o uso de raios X, em serviços de radiologia, a Norma de Higiene Ocupacional Fundacentro n. 5 refere que a exposição ocupacional (entendida como "exposição de um indivíduo em decorrência de seu trabalho em práticas autorizadas", cf. glossário constante do item 4) à radiação deve obedecer a limites de dose equivalentes em função do tipo de área: até 0,4mSv/semana, em área controlada ("área sujeita a regras especiais de proteção e segurança, com a finalidade de controlar as exposições normais e evitar as exposições não autorizadas ou acidentais"), e até 0,02Sv/semana, em área livre ("área isenta de controle especial de proteção radiológica, onde os níveis de equivalente de dose ambiente devem ser inferiores a 0,5mSv/ano").
Note-se que estas normas técnicas não estabelecem limites de tolerância determinantes de insalubridade laboral (termo que sequer é nelas empregado), mas parâmetros de exposição que, não observados, revelam considerável comprometimento da segurança dos procedimentos.
As instruções são atos administrativos que veiculam "normas gerais de orientação interna das repartições, emanadas de seus chefes, a fim de prescreverem o modo pelo qual seus subordinados deverão dar andamento aos seus serviços" (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 424). Como tais, não são instrumento hábil à inovação da ordem normativa, e sua edição deve ater-se à finalidade de ordenação executiva dos atos e normas hierarquicamente superiores.
Bem se vê, portanto, que a IN INSS/DC n. 99/03, assim como as que se sucederam, extrapolaram o texto da lei e dos decretos regulamentares no que concerne à qualificação do tempo especial por exposição ao agente nocivo radiação ionizante.
Ainda que houvesse, por hipótese, regular delegação normativa à Presidência ou à Diretoria Colegiada do INSS para dispor acerca do tema, assim mesmo haveria abuso do dever regulamentar, porque as instruções em comento vincularam a qualificação do tempo de serviço especial à própria desobediência das normas de segurança da área radiológica, o que é manifestamente desarrazoado. Deve-se ter em mente que o agente agressivo em apreço é determinante não apenas de insalubridade laboral, mas de perigo à vida.
Observo que a natureza das atividades, com a exposição ao agente físico radiação ionizante, por se tratar de procedimento altamente invasivo, permite concluir que a indicação de fornecimento e uso de EPI eficaz, por si só, não basta para a comprovação da efetiva neutralização do agente agressivo. Nesse sentido, precedente da 7ª Turma desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. DENTISTA. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. RADIAÇÕES IONIZANTES. RECONHECIMENTO PARCIAL. TEMPO INSUFICIENTE. BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
(...)
9 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
(...)
15 - Importante esclarecer que, nos casos em que resta comprovada a exposição à nocividade do agente físico radiação ionizante, a natureza das atividades já revela, por si só, que mesmo nos casos de utilização de equipamentos de proteção individual, tido por eficazes, não é possível afastar a insalubridade a que fica sujeito o profissional. Isso porque é inconcebível compreender a neutralização completa das fortes radiações ionizantes, por se tratar de procedimento altamente invasivo, tanto que permite a realização precisa de exames do corpo humano. Logo, tais atividades devem ser consideradas especiais.
(...)
20 - Apelação do INSS e remessa necessária providas em parte.
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 0015570-55.2015.4.03.9999/SP, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 21/10/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/10/2019)
Fonte de custeio
Quanto à alegação de necessidade de prévio custeio, cumpre ressaltar inexistir vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa/nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado. Assim já definiu o C. STF, ao apreciar o tema em repercussão geral ARE nº 664.335/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 09/12/2014, DJE 27/03/2015.
Caso concreto - elementos probatórios
Cinge-se a controvérsia acerca da especialidade das atividades trabalhadas no(s) período(s) de 01/06/1985 a 31/01/1986, de 05/03/1986 a 30/06/1988, de 01/07/1988 a 12/10/1988, de 17/10/1988 a 22/05/1989, de 23/05/1989 a 02/06/2003 e de 03/05/2004 a 22/04/2015, e ao preenchimento dos requisitos necessários para a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial.
Atividade especial
O lapso de 17/10/1988 a 22/05/1989, laborado junto à empresa Sociedade Agrícola Santa Helena Ltda. (sucedida pela empresa Citrosuco S/A Agroindústria), no cargo de braçal rural, deve ser enquadrado como especial, visto que a perícia realizada apontou que “Como trabalhadora braçal a autora trabalhava na Fazenda Santa Helena, atuando no combate a formigas, desbrota e capina manual”, e concluiu que esteve exposta à radiação ultravioleta (ID 277262402), enquadrando-se nos códigos 1.1.4 do Decreto nº 53.831/64, 1.1.3 do Decreto nº 83.080/79 e 2.0.3 do Anexo IV ao Decreto nº 3.048/99.
O(s) período(s) de 01/06/1985 a 31/01/1986, de 05/03/1986 a 30/06/1988 e de 01/07/1988 a 12/10/1988, de 23/05/1989 a 02/06/2003 e de 03/05/2004 a 22/04/2015 é(são) passível(is) de reconhecimento como especial(is) tendo em vista que a pericia judicial realizada (ID 277262542) concluiu que:
- Nos interregnos de 01/06/1985 a 31/01/1986, de 05/03/1986 a 30/06/1988 e de 01/07/1988 a 12/10/1988, laborados junto à Vito Fasanella e Outros, na função de serviços gerais, “esteve exposto aos agentes agressivos RUÍDO, ÁCIDOS e ÁLCALIS CÁUSTICOS, de forma habitual e permanente acima dos limites de tolerância estabelecidos pela Norma Regulamentadora Nº 15 “Atividades e Operações Insalubres”, anexos 01, 11 e 13”, enquadrando-se no código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e no item 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, bem como no item 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e no item 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99 c/c Decreto n.º 4.882/03, bem como ante à exposição habitual e permanente do autor a agentes químicos (ácidos e álcalis cáusticos), tornando a atividade especial, nos termos do código 1.2.9 do Decreto nº 53.831/64.
- Nos períodos de 23/05/1989 a 02/06/2003 e de 03/05/2004 a 22/04/2015, laborados junto à empresa Polenghi Indústria Brasileira de Produtos Alimentícios Ltda., nas funções de auxiliar de embalagens e auxiliar de produção, “a Requerente esteve exposta aos agentes agressivos RADIAÇÕES NÃO-IONIZANTES e DEFENSIVOS AGRÍCOLAS ORGANOFOSFORADOS, de forma habitual e permanente, conforme determina a Norma Regulamentadora Nº 15 “Atividades e Operações Insalubres” anexos 07 e 13”, o que permite o reconhecimento da atividade como especial, nos termos dos códigos 1.2.9 e 1.2.10 do Decreto nº 53.831/64, códigos 1.2.6 e 1.2.11 do Decreto nº 83.080/79 e item 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Ademais, observo que a exigência legal de comprovação de exposição a agente insalubre de forma permanente, introduzida pela Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do art. 57 da Lei nº 8.213, deve ser interpretada como o labor continuado, não eventual ou intermitente, de modo que não significa a exposição ininterrupta a agente insalubre durante toda a jornada de trabalho.
Verifica-se que a soma dos períodos especiais aqui reconhecidos totaliza mais de 25 anos de tempo de serviço especial, o que autoriza a conversão da aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
São devidas as diferenças decorrentes da conversão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição em aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo.
Considerando que a ação foi ajuizada após o prazo de 5 anos contado do término do processo administrativo, ainda que o termo inicial do benefício tenha sido fixado na data do requerimento formulado naquela esfera, o pagamento das parcelas vencidas deve observar a prescrição quinquenal, nos termos do artigo103, §único, da Lei n° 8.213/91.
No que tange aos efeitos financeiros da concessão ou revisão do benefício, considerando que o reconhecimento das atividades especiais decorreu de produção de prova realizada apenas na esfera judicial, a hipótese do caso se amolda à previsão do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça, e, portanto, deve seguir o quanto vier a ser definido quando do julgamento dos recursos representativos de controvérsia Resp. 1905830/SP, 1912784/SP e 1913152/SP, afetados em 17/12/2021.
Contudo, embora haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, entendo que a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte já neste momento, priorizando, assim, o princípio da celeridade processual, cabendo ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
É obrigatória a dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos administrativamente à parte autora, a mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei, após o termo inicial do benefício ora assinalado, em consonância com o disposto no art. 124 da Lei nº 8.213/91.
Quanto à alegação de necessidade de a parte autora apresentar autodeclaração, entendo tratar-se de procedimento a ser efetuado na esfera administrativa, na qual dispensa-se a determinação judicial.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1291244/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013)
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
No mais, considerando-se os parâmetros estabelecidos no art. 85, §§2º e 3º, do CPC/2015 e o entendimento majoritário adotado na E. Sétima Turma desta Corte, fixo a condenação do INSS ao pagamento de honorários de advogado em 10% do valor da condenação com fundamento nos incisos I ou II do §3º do artigo 85 do CPC/2015, aplicada a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça (Tema 1105 do STJ).
Considerando o parcial provimento do recurso, incabível a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Precedente do STJ (AgInt nos EREsp n. 1.539.725/DF, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 9/8/2017, DJe de 19/10/2017.)
Aplica-se ao INSS a norma do art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal. Entretanto, consoante disposto no parágrafo único do mencionado art. 4º, compete-lhe o reembolso dos valores eventualmente recolhidos a esse título pela parte vencedora.
Ante o exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeito as preliminares e dou parcial provimento à apelação do INSS, quanto à prescrição quinquenal, ao termo inicial dos efeitos financeiros, a dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos administrativamente à parte autora, a aplicação da Súmula n° 111 do C. Superior Tribunal de Justiça e para isentá-lo do pagamento de custas, nos termos da fundamentação, mantida, no mais, a sentença recorrida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. REMESSA NECESSÁRIA. INADMISSIBILIDADE. REVISÃO DA RMI. CONVERSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. RADIAÇÕ IONIZANTE. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. EXPOSIÇÃO PERMANENTE. PRÉVIO CUSTEIO. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TEMA 1.124/STJ. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. CUSTAS. JUSTIÇA FEDERAL. ISENÇÃO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
1. Preliminar de nulidade da perícia. A produção de provas visa à formação do convencimento do magistrado, a quem compete, consoante o art. 370 do CPC, "de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”. Embora o pedido de reconhecimento de labor exercido em condições especiais seja analisado, via de regra, mediante informações contidas em formulários e laudos técnicos elaborados pelo empregador, inexiste óbice a que o conjunto probatório seja suprido por perícia técnica judicial.
2. Valor da condenação inferior a 1.000 salários mínimos. Preliminar rejeitada.
3. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.
4. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico previdenciário (a partir de 11/12/97).
5. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente a radiação ultravioleta, enquadrando-se nos códigos 1.1.4 do Decreto nº 53.831/64, 1.1.3 do Decreto nº 83.080/79 e 2.0.3 do Anexo IV ao Decreto nº 3.048/99.
6. Comprovada a exposição habitual e permanente a agentes químicos (ácidos, ális cáusticos e defensivos agrícolas organofosforados), tornando a atividade especial, nos termos dos códigos 1.2.9 e 1.2.10 do Decreto nº 53.831/64, códigos 1.2.6 e 1.2.11 do Decreto nº 83.080/79 e item 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
7. Para o agente ruído, considera-se especial a atividade desenvolvida acima do limite de 80dB até 05/03/1997, quando foi editado o Decreto nº 2.172/97, a partir de então deve-se considerar especial a atividade desenvolvida acima de 90dB. A partir da edição do Decreto nº 4.882 em 18/11/2003, o limite passou a ser de 85dB.
8. O uso de Equipamento de Proteção Individual – EPI para o agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, não descaracteriza o tempo de serviço especial.
9. A exigência legal de comprovação de exposição a agente insalubre de forma permanente, introduzida pela Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213, deve ser interpretada como o labor continuado, não eventual ou intermitente, de modo que não significa a exposição ininterrupta a agente insalubre durante toda a jornada de trabalho.
10. Reconhecida a atividade especial, deve o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora, com a conversão da aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
11. Devidas as diferenças decorrentes da conversão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição em aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo.
12. Considerando que a ação foi ajuizada após o prazo de 5 anos contado do término do processo administrativo, ainda que o termo inicial do benefício tenha sido fixado na data do requerimento formulado naquela esfera, o pagamento das parcelas vencidas deve observar a prescrição quinquenal, nos termos do artigo103, §único, da Lei n° 8.213/91.
13. Termo inicial dos efeitos financeiros da concessão do benefício. Tema 1.124/STJ.
14. É obrigatória a dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos administrativamente à parte autora, a mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei, após o termo inicial do benefício ora assinalado, em consonância com o disposto no art. 124 da Lei nº 8.213/91.
15. Quanto à alegação de necessidade de a parte autora apresentar autodeclaração, entendo tratar-se de procedimento a ser efetuado na esfera administrativa, na qual dispensa-se a determinação judicial.
16. As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
17. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS é isento do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite na Justiça Federal, exceto as de reembolso. Art. 4º, I, da Lei 9.289/96.
18. No mais, considerando-se os parâmetros estabelecidos no art. 85, §§2º e 3º, do CPC/2015 e o entendimento majoritário adotado na E. Sétima Turma desta Corte, fixo a condenação do INSS ao pagamento de honorários de advogado em 10% do valor da condenação com fundamento nos incisos I ou II do §3º do artigo 85 do CPC/2015, aplicada a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça (Tema 1105 do STJ).
19. Inaplicável a sucumbência recursal, considerando o parcial provimento do recurso. Honorários de advogado mantidos.
20. Aplica-se ao INSS a norma do art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal. Entretanto, consoante disposto no parágrafo único do mencionado art. 4º, compete-lhe o reembolso dos valores eventualmente recolhidos a esse título pela parte vencedora.
21. Sentença corrigida de ofício. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
