
| D.E. Publicado em 22/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0046787-19.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que se pleiteia a revisão da RMI de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (NB 42/155.404.482-8 com DIB na DER em 11.06.2012 - fls. 184), mediante o reconhecimento de períodos laborados em atividade rural (22.03.70 a 31.12.74 e de 01.01.77 a 31.01.77).
Sustentou a parte autora que reconhecido o labor rural nos períodos pleiteados, acrescido àqueles computados na esfera administrativa do INSS, por ocasião da concessão do benefício (fls. 193/194), preencheu os requisitos legais à concessão da aposentadoria integral por ocasião do primeiro requerimento administrativo (29.11.2010 - fls. 81), cujo benefício fora indeferido.
A sentença julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento de honorários de advogado, fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), observada a concessão da gratuidade.
Apela a parte autora pugnando pela reforma da sentença. Argumenta que a documentação acostada aos autos é hábil ao reconhecimento do labor rural nos períodos pleiteados. Requer o acolhimento integral do pedido exordial e a condenação do INSS em honorários de advogado, no importe de 15% do valor da condenação.
Contrarrazões pela parte apelada.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se emprestem efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade. A partir da Constituição Federal de 1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.
Caso concreto - elementos probatórios
De início, verifica-se que a controvérsia cinge-se ao reconhecimento do labor rural nos períodos de 22.03.70 (quando a parte autora tinha 12 anos de idade) a 31.12.74 e de 01.01.77 a 31.01.77, objeto de impugnação no apelo da parte autora, considerando-se que com relação ao período de 01.01.75 a 31.12.76, já houve o reconhecimento como tempo rural, na esfera administrativa do INSS (fls. 177 e 194).
De pronto, verifica-se que a declaração de exercício de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Taquaritinga/SP (fls. 139/140) não configura início de prova material, pois em desacordo com o disposto no artigo 106, III, da Lei nº 8.213/91, que em sua redação original exigia, para sua validade, homologação pelo Ministério Público e após a alteração legislativa em 2008 passou a exigir homologação do INSS.
A parte autora, nascida em 21.03.58 (fls. 26), trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural:
- certificado de dispensa de incorporação emitido em 29.04.77, sendo qualificado como agricultor (fls. 27);
- cópias de livro de matrícula junto à Escola Mista de Icoarana nos anos letivos de 1966, 1967, 1968, 1969, 1970, 1972, 1973 e 1974, constando o nome do pai do autor (Pedro Mattara - fls. 26) como lavrador (fls. 144/157);
- certidão do Cartório de Registro de Imóveis de Taquaritinga/SP acerca de imóvel rural localizado no município de Cândido Rodrigues/SP (matrícula nº 1.479), adquirido pelo pai do autor em 02.05.77 (fls. 141/143).
Outrossim, conforme já decidido pela E. 7ª Turma e tendo em vista o julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea.
No caso, as testemunhas ouvidas em juízo (fls. 261/263) confirmaram o labor rural diário do autor desde criança, na companhia de seu pai e irmão, em regime de economia familiar, sem o auxílio de empregados, no cultivo de amendoim, milho e arroz, em propriedade rural arrendada por seu pai, localizada em Cândido Rodrigues, até aproximadamente 1977, quando o autor completou 18 anos e saiu da zona rural, fato que guarda consonância com os termos da entrevista rural prestada pela parte autora perante o INSS (fls. 175/176) e coincidência com o primeiro vínculo empregatício junto à empresa Cestari - Industrial e Comercial S/A, a partir de 01.02.77 (fls. 50 e lançado no sistema informatizado CNIS).
Desta forma, entendo ser viável o reconhecimento do trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente desde 22.03.70 a 31.12.74 e de 01.01.77 a 31.01.77, exceto para efeito de carência.
Considerando o labor rural reconhecido nos autos, bem como o tempo comum com registro em CTPS/reconhecido na esfera administrativa (fls. 193/194)/constante no CNIS, verifica-se que à época da data do primeiro requerimento administrativo (29.11.2010 - fls. 81), a parte autora já havia preenchido o tempo de serviço necessário à concessão do benefício e cumprido a carência mínima exigida pela Lei de Benefícios.
Sendo assim, verifica-se que o autor ultrapassou os 35 anos exigidos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço integral, nos termos do art. 201, §7º, I, da Constituição da República, motivo pelo qual o pedido deve ser julgado procedente.
Assim, deve o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora (NB nº 42/155.404.482-8), reconhecendo-se o trabalho rural exercido nos períodos de 22.03.70 a 31.12.74 e de 01.01.77 a 31.01.77.
São devidas as diferenças decorrentes do recálculo de sua RMI desde a data do primeiro requerimento administrativo em 29.11.2010 (fls. 81).
Ressalte-se a inocorrência da prescrição quinquenal (artigo 103, §único, da Lei n° 8.213/91), à vista da concessão do benefício em 16.07.2012 (fls. 184) e da propositura da presente ação em 05.12.2012 (fls. 02).
As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Nesse passo, acresço que os embargos de declaração opostos perante o STF contra tal julgado tem por objetivo único a modulação dos seus efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, pelo que o excepcional efeito suspensivo concedido por meio da decisão proferida em 24.09.2018 e publicada no DJE de 25.09.2018, surtirá efeitos apenas no tocante à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, que deverá ser observado quando da liquidação do julgado.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer os períodos de 22.03.70 a 31.12.74 e de 01.01.77 a 31.01.77 como laborados em atividade rural e determinar ao INSS a revisão da RMI de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e o pagamento das diferenças decorrentes do recálculo desde a data do primeiro requerimento administrativo, fixando os consectários legais nos termos explicitados.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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