Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002771-09.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
13/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 17/12/2021
Ementa
E M E N T A
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DE CUSTAS.
INCAPACIDADE ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
PATRONAIS. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS. SALÁRIO E GANHOS HABITUAIS
DO TRABALHO. VERBAS INDENIZATÓRIAS.
- Indeferido o pedido de diferimento do pagamento das custas, eis que não demonstrada a
situação de “insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, CF) mediante apresentação de balanços
da empresa, declaração de imposto renda ou outro documento hábil.
- Não procede o argumento de ausência de interesse processual, no tocante ao pedido de
afastamento da tributação sobre a verba rubricada como abono de férias, pois a existência de
manifestação da AGU e de legislação dando respaldo à pretensão autoral não constituem óbice
ao ajuizamento da ação. Não se desconhece a possibilidade de atuação administrativa indevida,
em descompasso com a legislação pertinente, o que torna ainda mais necessário garantir à parte
o direito de acesso à via judicial.
- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no REsp nº 1230957/RS, julgado em
26/02/2014, que não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de quinze
primeiros dias de afastamento em razão de doença ou acidente (Tema 738).
- Em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, foi necessário acolher a
orientação do E.STF no sentido da desoneração do terço de férias usufruídas (p. ex., RE-AgR
587941, j. 30/09/2008). Contudo, sob o fundamento de que o terço constitucional de férias
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
usufruídas (art. 7º, XVII, da Constituição) é de verba periódica auferida como complemento à
remuneração do trabalho, e que por isso, está no campo de incidência de contribuições incidentes
sobre a folha de salários, o E.STF mudou sua orientação ao julgar o RE 1072485 (Sessão Virtual
de 21/08/2020 a 28/08/2020), firmando a seguinte Tese no Tema 985: “É legítima a incidência de
contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.
- Em 04/08/2020, no RE 576967 (Tema 72), o E.STF afirmou a inconstitucionalidade da incidência
de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §2º, e na parte
final do seu § 9º, “a”, da mesma Lei nº 8212/1991, porque a trabalhadora se afasta de suas
atividades e deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador durante o período em
que está fruindo o benefício, e também porque a imposição legal resulta em nova fonte de custeio
sem cumprimento dos requisitos do art. 195, §4º da Constituição.
- Os valores pagos a título de adicional de horas-extras constituem verbas de natureza
remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária.
- Em razão da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85 do CPC, deve cada uma das partes
ser condenada ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual
mínimo das faixas previstas sobre o montante do excesso de cobrança combatido
(correspondente ao proveito econômico tratado nos autos), na seguinte proporção: 30% para a
embargante e 70% para a embargada. Custas e demais ônus processuais têm os mesmos
parâmetros.
- Apelações da União e da embargante parcialmente providas.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002771-09.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INDUSTRIA E COMERCIO DE
BEBIDAS CONQUISTA LTDA - EPP
Advogados do(a) APELANTE: MARIANA MAIA - SP230224-N, EDUARDO MARQUES DIAS -
SP389565-A, RENATA MAILIO MARQUEZI - SP308192-A, DANIEL LOPES CICHETTO -
SP244936-A, RICARDO SOARES BERGONSO - SP164274-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INDUSTRIA E COMERCIO DE
BEBIDAS CONQUISTA LTDA - EPP
Advogados do(a) APELADO: MARIANA MAIA - SP230224-N, EDUARDO MARQUES DIAS -
SP389565-A, RENATA MAILIO MARQUEZI - SP308192-A, DANIEL LOPES CICHETTO -
SP244936-A, RICARDO SOARES BERGONSO - SP164274-A
OUTROS PARTICIPANTES:
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APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INDUSTRIA E COMERCIO DE
BEBIDAS CONQUISTA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INDUSTRIA E COMERCIO DE
BEBIDAS CONQUISTA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO(Relator): Trata-se de
apelações interpostas pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) e por INDÚSTRIA E COMÉRCIO
DE BEBIDAS CONQUISTA LTDA., em face de sentença que julgou parcialmente procedente o
pedido deduzido em sede de embargos à execução fiscal, para excluir, da base de cálculo das
contribuições previdenciárias (cota patronal) e das contribuições destinadas a terceiros, os
valores pagos a empregados a título de terço constitucional de férias, abono de férias, aviso
prévio indenizado e primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença ou acidente
(auxílio-doença), mantendo, no que tange às demais verbas questionadas (salário-maternidade
e adicional de horas-extras), a integridade dos valores exigidos no bojo dos autos principais. Ao
final, diante da sucumbência recíproca vislumbrada, determinou às partes que suportassem
igualmente as custas e despesas processuais, observada a isenção de que goza a embargada,
atribuindo a cada uma delas a responsabilidade pelos honorários de seus respectivos patronos.
Em seu recurso, a União enfatiza, inicialmente, que não se insurgirá contra o capítulo da
sentença que afastou a incidência de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio
indenizado, diante de dispensa de recorrer no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, nos termos do Parecer PGFN/CRJ nº 485/2016. Suscita, ainda, ausência de interesse
processual no tocante ao pedido de afastamento da tributação sobre o abono de férias, por se
tratar de pretensão já acolhida pela lei. No mérito, sustenta que as verbas rubricadas como
quinze primeiros dias de afastamento por motivo de doença ou acidente (auxílio-doença) e terço
constitucional de férias não estão elencadas nas exceções do art. 28, § 9º da Lei nº 8.212/1991,
constituindo, portanto, base de cálculo da contribuição previdenciária.
Já a embargante requer, preambularmente, o diferimento do pagamento das custas
processuais, aduzindo, no mérito, a não incidência de contribuições previdenciárias sobre os
valores pagos a título de salário-maternidade e adicional de horas-extras, ao argumento de que
as verbas aludidas têm natureza indenizatória e não constituem remuneração pelo trabalho, de
modo que não se sujeitam à tributação nos moldes do art. 195, I, “a”, da Constituição e do art.
22 da Lei 8.212/1991. Por fim, pugna pela condenação da embargada ao pagamento de
honorários advocatícios, nos moldes do §3° do art. 85 do CPC, dada sua sucumbência
preponderante nesta demanda.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o breve relatório. Passo a decidir.
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BEBIDAS CONQUISTA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INDUSTRIA E COMERCIO DE
BEBIDAS CONQUISTA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO(Relator): Primeiramente,
verifico não ser o caso de se conceder à embargante o diferimento do recolhimento da taxa
judiciária (correlata ao preparo e ao porte de remessa e retorno dos autos), visto que não
comprovada, por meio idôneo, a momentânea impossibilidade financeira de seu pagamento,
nos termos do art. 5º da Lei Estadual nº 11.608/2003.
Ressalto que a concessão de gratuidade de justiça à pessoa jurídica é excepcional, devendo a
requerente, para tanto, demonstrar sua situação de “insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV,
CF) mediante apresentação de balanços da empresa, declaração de imposto renda ou outro
documento hábil. A propósito:
“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO
FAZER. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE
PRESUNÇÃO LEGAL FAVORÁVEL. NECESSIDADE DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA DE
RECURSOS. INDEFERIMENTO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458, 459 E 535 DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL DE 1973. INEXISTÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
CONFIGURADO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE PERDAS E DANOS.
NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME FÁTICO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7/STJ. 1. "Nos termos
da jurisprudência desta Corte, a concessão do benefício de gratuidade da justiça à pessoa
jurídica somente é possível quando comprovada a precariedade de sua situação financeira,
inexistindo, em seu favor, presunção de insuficiência de recursos" (AgInt nos EDcl no AREsp
912.784/BA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 27.6.2019). 2. O acórdão
recorrido analisou todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia, de forma
fundamentada, não se configurando omissão, contradição ou negativa de prestação
jurisdicional. 3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n.
7/STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ, AINTARESP - 440609
2013.03.94894-0, Maria Isabel Gallotti, STJ – Quarta Turma, DJE 14/10/2019).
No mesmo sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA
JURÍDICA. NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO NÃO PROVIDO. I - A
declaração de pobreza gera apenas presunção relativa de hipossuficiência, e tal presunção está
restrita à pessoal natural: “§ 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida
exclusivamente por pessoa natural.” (art. 99, do NCPC.) II - Tal dispositivo veio ao encontro do
entendimento jurisprudencial segundo o qual o pedido formulado pela pessoa jurídica deve vir
subsidiado por provas que demonstrem a ausência de recursos capazes de arcar com custas e
despesas do processo. Precedentes. III – No caso dos autos, a parte agravante não logrou
demonstrar a ausência de recursos para arcar com as despesas e custas do processo. IV -
Agravo de instrumento não provido." (TRF3, AI nº 5008357-63.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed.
Cotrim Guimarães, Segunda Turma, j. 27/09/2019, e-DJF3 02/10/2019).
No caso em apreço, não foi apresentado qualquer documento que comprove a alegada situação
de hipossuficiência. Dessa maneira, eventual dificuldade econômica atual que, frise-se, não foi
comprovada, não implica em incapacidade econômica.
No mais, dispondo sobre a cobrança judicial da dívida ativa da administração pública direta e
indireta, a Lei nº 6.830/1980 se assenta em vários objetivos legítimos que forçam o
cumprimento de obrigações pecuniárias pelo devedor, dentre eles as finalidades fiscais e
extrafiscais de tributos, a observância de regramentos de administrativos e a imperatividade da
legislação vigente em áreas de interesse socioeconômico.
Mesmo tendo como finalidade a satisfação do direito do credor-exequente, as medidas forçadas
não podem ser adotadas a qualquer custo, devendo respeitar o modo menos gravoso para o
devedor-executado. Porém, a menor onerosidade quanto ao devedor-executado deve ser
também contextualizada com a efetividade da medida alternativa àquela mais gravosa, sob
pena de serem relegados os válidos interesses do credor-exequente.
O objeto da ação de execução fiscal é o montante em dinheiro não pago pelo devedor a tempo
e modo (art. 2º da Lei nº 6.830/1980), compreendendo tanto dívidas ativas tributárias (e
respectivas multas) e quanto dívidas ativas não tributárias (demais créditos da Fazenda Pública,
tais como multa de qualquer origem ou natureza, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de
ocupação, FGTS, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, etc.).
Essas dívidas fiscais estão devidamente anotadas em registros públicos, e são dotadas de
liquidez e certeza nos moldes constantes do título executivo extrajudicial manuseado, motivo
pelo qual o executado não é surpreendido pela execução fiscal. Há sempre medidas
antecedentes à propositura da ação executiva, à disposição do conhecimento do devedor,
começando pelo surgimento da própria obrigação e de suas inerentes responsabilidades (do
credor e do devedor), passando por medidas de formalização de quantitativos (p. ex., DCTFs,
GFIPs, e obrigações tributárias acessórias atribuídas pela lei a contribuintes, e autos de
infração lavrados pela administração pública), chegando à inscrição nos registros de dívida
ativa.
Nos termos do art. 1º, § 3º, da Lei nº 6.830/1980, a fase de inscrição em dívida ativa serve para
validar a regularidade formal e material da obrigação fiscal não paga, tanto que suspende a
prescrição para a ação executiva, por 180 dias, ou até a distribuição do feito (é verdade, apenas
em se tratando de cobranças não tributárias, dado ao contido na Súmula Vinculante 8, do
E.STF). Com natureza de ato de controle administrativo da legalidade da exigência fiscal, o
conteúdo da inscrição em dívida ativa ostenta presunção relativa de validade e de veracidade,
dando liquidez e certeza ao que nela consta, e disso advém a prerrogativa de a Fazenda
Pública extrair certidão de dívida ativa (CDA), que toma a forma de título executivo extrajudicial
e lastreia a ação de execução fiscal, nos termos da Lei nº 6.830/1980.
Portanto, a CDA é resultante de ato administrativo que revela a inadimplência de obrigação
pecuniária, desfrutando de presunção relativa de validade e de veracidade quanto à inexistência
de causa modificativa, suspensiva ou extintiva da exigibilidade do montante nela indicado
(principal e acréscimos legais), assim como em relação aos demais dados nela indicados.
Tratando-se de presunção relativa de certeza e liquidez, o art. 3º, §3º da Lei nº 6.830/1980
impõe ao devedor o ônus de apresentar prova inequívoca contrária à imposição, sob pena de a
ação executiva prosseguir com a exigência forçada da dívida (inclusive penhora e hasta
pública).
Os preceitos específicos da Lei nº 6.830/1980 têm preferência em relação às disposições gerais
da lei processual civil (aplicadas subsidiariamente e, apenas em alguns casos, com eficácia
jurídica prioritária em razão do diálogo de fontes normativas voltado aos seus propósitos
positivados). Contudo, mesmo cuidando de exigências de dívidas fiscais (tributárias e não
tributárias), a Lei nº 6.830/1980 expressamente conjuga preceitos normativos relativos às
responsabilidades contidos na legislação tributária (notadamente o art. 186, e os arts. 188 a
192, do Código Tributário Nacional), bem como na legislação civil e comercial.
Com relação à incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas de natureza
indenizatória, a lide posta nos autos versa sobre a interpretação dos conceitos constitucionais
de empregador, trabalhador, folha de salários, e demais rendimentos do trabalho, e ganhos
habituais, expressos no art. 195, I e II, e art. 201, § 4º, ambos do ordenamento de 1988 (agora,
respectivamente, no art. 195, I, “a”, e II, e art. 201, § 11, com as alterações da Emenda
20/1998).
Para se extrair o comando normativo contido em dispositivo da Constituição Federal relativo à
Seguridade Social, vários elementos e dados jurídicos devem ser considerados no contexto
interpretativo, dentre os quais a lógica o caráter contributivo em vista da igualdade e da
solidariedade no financiamento do sistema de seguro estruturado no Regime Geral de
Previdência Social (RGPS).
Para o que importa ao presente recurso, os conceitos constitucionais de empregador,
trabalhador, folha de salários, rendimentos do trabalho e ganhos habituais gravitam em torno de
pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário, inserindo-se no contexto do art. 3º da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Portanto, havendo relação de emprego, é imperioso discutir se os valores
pagos se inserem no âmbito constitucional de salário, demais rendimentos do trabalho e ganhos
habituais.
Salário é espécie do gênero remuneração paga em decorrência de relação de emprego
tecnicamente caracteriza (marcada pela subordinação). O ordenamento constitucional de 1988
emprega sentido amplo de salário, de modo que está exposta à incidência de contribuição tanto
o salário propriamente dito quanto os demais ganhos habituais do empregado, pagos a
qualquer título (vale dizer, toda remuneração habitual, ainda que em montantes variáveis). Essa
amplitude de incidência é manifesta após a edição da Emenda 20/1998, que, introduzindo o art.
195, I, “a”, da Constituição, previu contribuições para a seguridade exigidas do empregador, da
empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e
demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe
preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Essa amplitude se verifica também em
relação a essa exação exigida do trabalhador e dos demais segurados da previdência social,
em conformidade com o art. 195, II, da Constituição (tanto na redação da Emenda 20/1998
quanto na da Emenda 103/2019).
Além disso, a redação originária do art. 201, § 4º, da Constituição de 1988, repetida no art. 201,
§ 11 do mesmo ordenamento (com renumeração dada pela Emenda 20/1998, prevê que a
previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de
filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, sendo
que “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para
efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na
forma da lei.”
Portanto, o texto constitucional confiou à União Federal amplo campo de incidência para
exercício de sua competência tributária, compreendendo o conjunto das verbas remuneratórias
habituais (ou seja, salários e demais ganhos), o que por si só não se traduz em exigência
tributária concreta, uma vez que caberá à lei ordinária estabelecer a hipótese de incidência hábil
para realizar as necessárias imposições tributárias, excluídas as isenções que a própria
legislação estabelecer.
Porém, nem tudo o que o empregador paga ao empregado pode ser tributado como salário ou
rendimento do trabalho, pois há verbas que não estão no campo constitucional de incidência (p.
ex., por terem natureza de indenizações), além das eventuais imunidades previstos pelo
sistema constitucional.
Atualmente, a conformação normativa da imposição das contribuições patronais para o sistema
de seguridade está essencialmente consolidada na Lei 8.212/1991 (notadamente em seu art.
22), muito embora demais diplomas normativos sirvam para a definição e alcance da legislação
tributária (art. 109 e art. 110 do CTN), dentre ele os recepcionados arts. 457 e seguintes da
CLT, prevendo que a remuneração do empregado compreende o salário devido e pago
diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber, e
demais remunerações. É verdade que o art. 457-A, da CLT (introduzido pela MP 905/2019)
estabelece que gorjetas não são receitas do empregador, mas ainda assim estão no conteúdo
amplo de salário estabelecido pela pelo art. 195, I, “a”, e II, Constituição para a incidência de
contribuições previdenciárias (patronais e do trabalhador).
Para fins trabalhistas (que repercutem na área tributária em razão do contido no art. 110 do
CTN), integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões,
percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.
O meio de pagamento da remuneração pode ser dinheiro, alimentação, habitação, vestuário ou
outras prestações “in natura” que o empregador utilizar para retribuir o trabalho do empregado,
desde que o faça habitualmente (vedadas as bebidas alcoólicas e demais drogas).
Embora pessoalmente admita a possibilidade de a natureza jurídica de certas verbas não
estarem inseridas no conceito de salário em sentido estrito, estaremos diante de verba salarial
em sentido amplo quando se tratar de pagamentos habituais decorrentes da relação de
emprego, abrigado pelo art. 195 e pelo art. 201 da Constituição (nesse caso, desde sua
redação originária) para a imposição de contribuições previdenciárias. E tudo o que foi dito em
relação à incidência de contribuição previdenciária se aplica ao adicional dessa mesma exação
calculado pelo segundo o regramento do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e dos Riscos
Ambientais de Trabalho (RAT).
À evidência, não há que se falar em exercício de competência residual, expressa no § 4 do art.
195, da Constituição, já que a exação em tela encontra conformação na competência originária
constante desde a redação originária do art. 195, I, e do art. 201, ambos do texto de 1988 (não
alterados nesse particular pela Emenda 20/1998 ou pela Emenda 103/2019).
O E.STF, no RE 565160, Pleno, v.u., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/03/2017, firmou a seguinte
Tese no Tema 20: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais
do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998”. Nesse RE
565160, o Pretório Excelso cuidou da incidência de contribuição previdenciária sobre adicionais
(de periculosidade e insalubridade), gorjetas, prêmios, adicionais noturnos, ajudas de custo e
diárias de viagem (quando excederem 50% do salário recebido), comissões e quaisquer outras
parcelas pagas habitualmente (ainda que em unidades), previstas em acordo ou convenção
coletiva ou mesmo que concedidas por liberalidade do empregador não integrantes na definição
de salário, afirmando o sentido amplo de salário e de rendimento do trabalho.
Por sua vez, o art. 28, § 9º, da Lei 8.212/1991 traz rol de situações nas quais a contribuição ora
em tela não é exigida, contudo, sem apresentar rigoroso critério distintivo de hipóteses de não
incidência (p. ex., por se tratar de pagamento com natureza indenizatória) ou de casos de
isenção (favor fiscal). Por óbvio, o efeito prático de verba expressamente indicada nesse
preceito legal é a desoneração tributária, o que resulta na ausência de interesse de agir (salvo
se, ainda assim, o ente estatal resistir à legítima pretensão do contribuinte).
É verdade que o total das remunerações pagas pelo empregador está sujeita não só a
contribuições previdenciárias mas também a outras incidências escoradas em fundamentos
constitucionais e legais diversos. A esse respeito, emergem contribuições sociais gerais (tais
como salário-educação) e também contribuições de intervenção no domínio econômico (como a
exação devida ao SEBRAE), denominadas resumidamente como contribuições “devidas a
terceiros” ou ainda ao “Sistema S”.
Embora cada uma dessas imposições tributárias tenha autonomia normativa, todas estão na
competência tributária da União Federal, que as unificou para fins de delimitação da base
tributável. Além de previsões específicas (p. ex., na Lei 2.613/1955, na Lei 9.424/1996 e na Lei
9.766/1999), essa unificação está clara na Lei 11.457/2007 e em atos normativos da
administração tributária (notadamente no art. 109 da IN RFB 971/2009, com alterações e
inclusões, em especial pela IN RFB 1.071/2010), razão pela qual as conclusões aplicáveis às
contribuições previdenciárias também são extensíveis às exações “devidas a terceiros” ou
“Sistema S”.
No caso dos autos, discute-se a incidência de contribuições sobre pagamentos efetuados a
título de:
a) 15 primeiros dias de afastamento em razão de doença ou acidente (auxílio-doença);
b) 1/3 constitucional de férias;
c) Adicional de horas-extras; e
d) salário-maternidade;
Para a análise desses pontos, creio apropriado fazer análises agrupadas nos termos que se
seguem.
15 PRIMEIROS DIAS DE AFASTAMENTO EM RAZÃO DE DOENÇA (AUXÍLIO-DOENÇA)
Inicialmente, anote-se que o auxílio-doença encontra previsão nos arts. 59 a 63 da Lei nº
8.213/1991, sendo “devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período
de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”, englobado o afastamento do empregado
em virtude de doença ou acidente.
A despeito da nomenclatura usualmente empregada, a referida rubrica não se confunde com o
auxílio-acidente, que, nos termos do disposto pelo art. 86 da Lei nº 8.213/1991, será pago pela
Previdência Social “como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões
decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da
capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”. Desse modo, essa verba configura um
adicional à remuneração do empregado, enquanto o auxílio-doença refere-se ao afastamento
do empregado em razão de doença ou acidente e será pago pelo empregador nos primeiros
quinze dias de liberação do empregado e, após, pela Previdência Social.
Nesse sentido, quanto ao auxílio-doença, é certo que o empregador não está sujeito à
contribuição em tela no que tange à complementação ao valor do auxílio-doença após o 16º dia
do afastamento (desde que esse direito seja extensivo à totalidade dos empregados da
empresa), conforme expressa previsão do art. 28, § 9º, “n”, da Lei 8.212/1991. Já no que tange
à obrigação legal de pagar o auxílio-doença nos 15 primeiros dias do afastamento, a
jurisprudência se consolidou no sentido de que tal verba tem caráter previdenciário (mesmo
quando paga pelo empregador), descaracterizando a natureza salarial para afastar a incidência
de contribuição social. Nesse sentido, anoto julgamento do E. STJ:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO SAT/RAT. IDENTIDADE DE BASE DE CÁLCULO COM AS
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. SEGUINDO A MESMA SISTEMÁTICA, NÃO
INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO SOBRE O AVISO PRÉVIO INDENIZADO E SOBRE OS QUINZE
PRIMEIROS DIAS DE AFASTAMENTO QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA. AGRAVO
INTERNO DO ENTE PÚBLICO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A parte agravante não apresentou qualquer fundamento capaz de reverter as conclusões
alcançadas no julgamento monocrático.
2. Com efeito, a solução adotada na decisão vergastada se amolda à jurisprudência desta Corte
de Justiça, que entende que, em razão da identidade de base de cálculo com as contribuições
previdenciárias, as contribuições destinadas a terceiros devem seguir a mesma sistemática
daquelas, não incidindo sobre as rubricas que já foram consideradas como de caráter
indenizatório. In casu, deve ser afastada a incidência da exação sobre o aviso prévio indenizado
e sobre os quinze primeiros dias de afastamento que antecedem o auxílio-doença.
Precedentes: AgInt no REsp. 1.823.187/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe
9.10.2019, AgInt no REsp. 1.602.619/SE, Rel. Min. FRANCISO FALCÃO, Dje 26.3.2019, REsp.
1.854.689/PR, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 28.2.2020 e REsp. 1.806.871/DF, Rel.
Min. GURGEL DE FARIA, DJe 3.2.2020.
3. Agravo Interno do Ente Público a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1825540/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 01/04/2020)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRIMEIROS
QUINZE DIAS DE AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO INCIDÊNCIA.
1. No julgamento do Recurso Especial 1.230.957/RS, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ
firmou o entendimento de que sobre a importância paga pelo empregador ao empregado
durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a
contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que
exige verba de natureza remuneratória. (REsp 1.230.957/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell
Marques, Primeira Seção, DJe 18/3/2014).
2. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ,
razão pela qual incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do
Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo
sentido da decisão recorrida".
3. Agravo Interno provido para não conhecer do Recurso Especial da União.
(AgInt no REsp 1701325/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/11/2019, DJe 19/12/2019)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE A IMPORTÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS
QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-ACIDENTE, E NÃO SOBRE O AUXÍLIO EM SI.
1. Não incide contribuição previdenciária patronal sobre os valores referentes aos primeiros
quinze dias de afastamento que antecedem o auxílio-acidente. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1177168/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em
12/11/2019, DJe 19/11/2019)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA SOBRE AS PARCELAS
RECEBIDAS A TÍTULO DE 13o. (DÉCIMO TERCEIRO) SALÁRIO, AUXÍLIO-MATERNIDADE,
HORAS-EXTRAS, ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE, NOTURNO E PERICULOSIDADE,
REPOUSO SEMANAL. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO PAGO EM ESPÉCIE. NÃO INCIDÊNCIA
SOBRE O ABONO ASSIDUIDADE CONVERTIDO EM PECÚNIA. AGRAVO INTERNO DA
EMPRESA DESPROVIDO.
1. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos Recursos Especiais 1.358.281/SP e
1.230.957/RS, sob o rito dos recursos repetitivos previsto art. 543-C do CPC, entendeu que não
incide a Contribuição Previdenciária sobre o adicional de um terço de férias, sobre o aviso
prévio indenizado e sobre os primeiros quinze dias de auxílio-doença e auxílio-acidente;
incidindo sobre o adicional noturno e de periculosidade, sobre os salários maternidade e
paternidade, e sobre as horas-extras.
(...)
6. Agravo Interno da Empresa desprovido.
(AgInt nos EDcl no REsp 1566704/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS SEGUINTES VERBAS:
TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS; SALÁRIO MATERNIDADE; SALÁRIO
PATERNIDADE; AVISO PRÉVIO INDENIZADO; IMPORTÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS
QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA.
(...)
2.3 Importância paga nos quinze dias que antecedem o auxílio- doença.
No que se refere ao segurado empregado, durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do
afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe ao empregador efetuar o pagamento
do seu salário integral (art. 60, § 3º, da Lei 8.213/91 com redação dada pela Lei 9.876/99). Não
obstante nesse período haja o pagamento efetuado pelo empregador, a importância paga não é
destinada a retribuir o trabalho, sobretudo porque no intervalo dos quinze dias consecutivos
ocorre a interrupção do contrato de trabalho, ou seja, nenhum serviço é prestado pelo
empregado. Nesse contexto, a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ
firmou-se no sentido de que sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante
os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição
previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de
natureza remuneratória. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.100.424/PR, 2ª Turma, Rel. Min.
Herman Benjamin, DJe 18.3.2010; AgRg no REsp 1074103/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro
Meira, DJe 16.4.2009; AgRg no REsp 957.719/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe
2.12.2009; REsp 836.531/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17.8.2006.
(...)
Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 -
Presidência/STJ. (REsp 1230957/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 18/03/2014)
Finalmente, observo que no REsp 1.230.957/RS foi firmada a seguinte tese, no Tema nº 738:
“Sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de
afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se
enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória”.
Acrescente-se que no julgamento do RE 611.505/SC assentou-se que "adiscussão sobre a
incidência, ou não, de contribuição previdenciária sobre valores pagos pelo empregador nos
primeiros quinze dias de auxílio-doença situa-se em âmbito infraconstitucional, não havendo
questão constitucional a ser apreciada". Os embargos de declaração opostos pela União
Federal tiveram seu julgamento iniciado e suspenso pelo pedido de vista do Ministro Dias
Toffoli, em Sessão Virtual de 05/06/2020 a 15/06/2020,inexistindo nos autos qualquer
determinação para sobrestamento dos feitos em que se discute a matéria.
1/3 CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS
Os montantes pagos a empregados correspondentes às férias usufruídas (e seu
correspondenteterço, nos termos doo art. 7º, XVII, da Constituição Federal e da legislação
trabalhista) estão inseridos no campo de incidência das contribuições incidentes sobre a folha
de salários, porque são diretamente decorrentes do trabalho e são pagos na periodicidade
legal, de tal modo que são válidas as exigências feitas pela Lei nº 8.212/1991.
Não há imunidade descrita na constituição e nem isenção para férias usufruídas e seus
correspondente terços, que não podem ser confundidas com a não incidência em razão do
conteúdo indenizatório do direito do trabalhador no que concerne àsimportâncias recebidas a
título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor
correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata oart. 137 da CLT (art. 28, §9º,
“d” da Lei nº 8.212/1991), e a título de abono ou vendados dias de férias (bem como a média
correspondente) nos moldes do art. 143 e do art. 144 da CLT (art. 28, § 9º, “e”, 6 da Lei nº
8.212/1991).
Em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, foi necessário acolher a
orientação do E.STF no sentido da desoneração do terço de férias usufruídas (p. ex., RE-AgR
587941, j. 30/09/2008). Contudo, sob o fundamento de que o terço constitucional de férias
usufruídas (art. 7º, XVII, da Constituição) é de verba periódica auferida como complemento à
remuneração do trabalho, e que por isso, está no campo de incidência de contribuições
incidentes sobre a folha de salários, o E.STF mudou sua orientação ao julgar o RE1072485
(Sessão Virtual de 21/08/2020 a 28/08/2020), firmando a seguinte Tese no Tema 985:“É
legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional
de férias”.
ADICIONAL DE HORAS-EXTRAS
Quanto à verba paga a título de adicional de horas-extras, deve-se considerar que integra a
remuneração do empregado. Afinal, constitui contraprestação devida pelo empregador, por
imposição legal, em decorrência dos serviços prestados pelo obreiro em razão do contrato de
trabalho. Constitui, portanto, salário-de-contribuição, para fins de incidência da exação prevista
no art. 22, I, da Lei nº 8.212/1991.
Ademais, incidindo a contribuição previdenciária sobre referido adicional, incide também sobre o
descanso semanal remunerado pago sobre tal valor, haja vista ter ele, também, natureza
salarial, conforme já exposto nesta sentença.
Tal entendimento prevalece no Colendo Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:
TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E
RESOLUÇÃO STJ 8/2008. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA.
REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BASE DE CÁLCULO. ADICIONAIS NOTURNO,
DE PERICULOSIDADE E HORAS EXTRAS. NATUREZA REMUNERATÓRIA. INCIDÊNCIA.
PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. SÍNTESE DA
CONTROVÉRSIA 1. Cuida-se de Recurso Especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC
para definição do seguinte tema: "Incidência de contribuição previdenciária sobre as seguintes
verbas trabalhistas: a) horas extras; b) adicional noturno; c) adicional de periculosidade".
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA E BASE DE CÁLCULO:
NATUREZA REMUNERATÓRIA 2. Com base no quadro normativo que rege o tributo em
questão, o STJ consolidou firme jurisprudência no sentido de que não devem sofrer a incidência
de contribuição previdenciária "as importâncias pagas a título de indenização, que não
correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador" (REsp
1.230.957/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/3/2014,
submetido ao art. 543-C do CPC). 3. Por outro lado, se a verba possuir natureza remuneratória,
destinando-se a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, ela deve integrar a base de
cálculo da contribuição.
ADICIONAIS NOTURNO, DE PERICULOSIDADE, HORAS EXTRAS: INCIDÊNCIA 4. Os
adicionais noturno e de periculosidade, as horas extras e seu respectivo adicional constituem
verbas de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição
previdenciária (AgRg no REsp 1.222.246/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
DJe 17/12/2012; AgRg no AREsp 69.958/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe
20/6/2012; REsp 1.149.071/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22/9/2010;
Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe 9/4/2013; REsp 1.098.102/SC, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 17/6/2009; AgRg no Ag 1.330.045/SP, Rel. Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 25/11/2010; AgRg no REsp 1.290.401/RS; REsp 486.697/PR,
Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 17/12/2004, p. 420; AgRg nos EDcl no REsp
1.098.218/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9/11/2009).
(...)
CONCLUSÃO 9. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
(REsp 1358281/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
23/04/2014, DJe 05/12/2014)
Observo que no REsp 1.358.281/SP foram firmadas as seguintes teses, nos Temas nº 687 (“As
horas extras e seu respectivo adicional constituem verbas de natureza remuneratória, razão
pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária”), nº 688 (“O adicional noturno
constitui verba de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeita à incidência de
contribuição previdenciária”) e nº 689 (“O adicional de periculosidade constitui verba de
natureza remuneratória, razão pela qual se sujeita à incidência de contribuição previdenciária”).
Finalmente, também nesta Corte prevalece o mesmo entendimento:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO SAT/RAT E DESTINADA AO SALÁRIO
EDUCAÇÃO INCIDENTES SOBRE AUXÍLIO-DOENÇA OU AUXÍLIO-ACIDENTE NOS
PRIMEIROS 15 DIAS DE AFASTAMENTO, HORAS EXTRAS, ADICIONAL DE HORAS
EXTRAS, HORAS IN ITINERE, ADICIONAL NOTURNO, ADICIONAL DE INSALUBRIDADE,
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE, ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA, AJUDA DE CUSTO,
DESCANSO SEMANAL REMUNERADO, SALÁRIO MATERNIDADE, FALTAS JUSTIFICADAS
POR ATESTADOS MÉDICOS, HORAS PRÊMIO, HORAS PRODUTIVIDADE E
GRATIFICAÇÃO POR FUNÇÃO. COMPENSAÇÃO. I - As verbas pagas pelo empregador ao
empregado nos primeiros quinze dias do afastamento do trabalho em razão de doença ou
acidente, não constituem base de cálculo de contribuições previdenciárias, posto que tais
verbas não possuem natureza remuneratória mas indenizatória. Precedentes do STJ e desta
Corte II - É devida a contribuição sobre horas extras, horas in itinere, adicional noturno,
adicional de periculosidade, adicional de insalubridade, adicional de transferência, ajuda de
custo, descanso semanal remunerado, salário-maternidade, faltas justificadas por atestados
médicos, horas prêmio, horas produtividade e gratificação (função confiança), o entendimento
da jurisprudência concluindo pela natureza salarial dessas verbas. Precedentes. III - Recursos
desprovidos e remessa oficial, tida por interposta, parcialmente provida.
(TRF3. AMS: 00180365020134036100 SP 0018036-50.2013.4.03.6100. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Relator: Desembargador Federal Peixoto Junior. Data de Julgamento:
23/02/2016. Publicação: e-DJF3 Judicial 1, 10/03/2016). – grifo nosso
TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - SAT/RAT
E TERCEIROS - 13º SALÁRIO INDENIZADO - SALARIO-MATERNIDADE - FÉRIAS GOZADAS
- ADICIONAL DE HORAS EXTRAS, NOTURNO, INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE -
DSR - EXIGIBILIDADE - PRIMEIROS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM A CONCESSÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA/ACIDENTE - TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS - INEXIGIBILIDADE -
COMPENSAÇÃO - POSSIBILIDADE. I - A jurisprudência pátria tem entendimento de que o
regramento aplicado para analisar a incidência de contribuição previdenciária patronal deve ser
utilizado para apreciar a incidência da contribuição destinada às entidades terceiras,
reconhecida igualdade da base de cálculo das exações. II – (...) III - Incide contribuição
previdenciária patronal, SAT/RAT, bem como a devida a terceiros sobre os valores pagos a
título de horas extras e seu respectivo adicional (tema/repetitivo STJ nº 687), adicional noturno
(tema/repetitivo STJ nº 688), adicional de periculosidade (tema/repetitivo STJ nº 689), adicional
de insalubridade, férias gozadas, descanso semanal remunerado (DSR) e 13º salário
indenizado. IV – (...) VII - Remessa oficial parcialmente provida. apelação da impetrante e da
União Federal desprovidas.
(TRF3. ApReeNec / SP 5005437-73.2018.4.03.6114. Órgão Julgador: Segunda Turma. Relator:
Cotrim Guimarães. Data do Julgamento: 23/10/2019. Data da Publicação/Fonte: e - DJF3
Judicial 1, 28/10/2019) – grifo nosso
LICENÇA-MATERNIDADE
Houve importante controvérsia sobre a natureza salarial da licença-maternidade, sobre a qual a
orientação jurisprudencial inicialmente se firmou no sentido da validade da incidência de
contribuições sobre a folha de pagamentos por considerar que essa verba tinha conteúdo
remuneratório. A esse respeito, o E.STJ, no REsp 1.230.957-RS, firmou a seguinte Tese no
Tema nº 739:“O salário-maternidade possui natureza salarial e integra, consequentemente, a
base de cálculo da contribuição previdenciária”.
Contudo, em 04/08/2020, julgando oRE 576967, o E.STF se posicionou pela
inconstitucionalidadeda incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade,
prevista no art. 28, §2º, e na parte final do seu § 9º, “a”, da mesma Lei nº 8.212/1991, sob o
fundamento de que, durante o período delicença, a trabalhadora se afasta de suas atividades e
deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador, de tal modo que esse benefício
não compõe a base de cálculo da contribuição social sobre a folha salarial, não bastando para
tanto o simples fato de a mulher continuar a constar formalmente na folha de salários
(imposição decorrente da manutenção do vínculo trabalhista). Nesse mesmo RE576967, o
E.STF concluiu que a exigência do art. 28, §2º da Lei nº 8.212/1991 não cumpre os requisitos
para imposição de nova fonte de custeio da seguridade social exigidos pelo art. 195, §4º da
Constituição, fixando a seguinte Tese no Tema 72:“É inconstitucional a incidência de
contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade”.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da União, para declarar legítima a
incidência de contribuição previdenciária (quota patronal) e das contribuições devidas a
terceiros sobre valores pagos a empregados a título terço constitucional de férias, assim como
DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da embargante, para afastar a tributação sobre a verba
rubricada como salário-maternidade.
Em razão da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85 do CPC, condeno cada uma das
partes ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das
faixas previstas sobre o montante do excesso de cobrança combatido (correspondente ao
proveito econômico tratado nos autos), na seguinte proporção: 30% para a embargante e 70%
para a embargada. Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.
É o voto.
E M E N T A
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DE CUSTAS.
INCAPACIDADE ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
PATRONAIS. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS. SALÁRIO E GANHOS HABITUAIS
DO TRABALHO. VERBAS INDENIZATÓRIAS.
- Indeferido o pedido de diferimento do pagamento das custas, eis que não demonstrada a
situação de “insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, CF) mediante apresentação de balanços
da empresa, declaração de imposto renda ou outro documento hábil.
- Não procede o argumento de ausência de interesse processual, no tocante ao pedido de
afastamento da tributação sobre a verba rubricada como abono de férias, pois a existência de
manifestação da AGU e de legislação dando respaldo à pretensão autoral não constituem óbice
ao ajuizamento da ação. Não se desconhece a possibilidade de atuação administrativa
indevida, em descompasso com a legislação pertinente, o que torna ainda mais necessário
garantir à parte o direito de acesso à via judicial.
- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no REsp nº 1230957/RS, julgado
em 26/02/2014, que não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de
quinze primeiros dias de afastamento em razão de doença ou acidente (Tema 738).
- Em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, foi necessário acolher a
orientação do E.STF no sentido da desoneração do terço de férias usufruídas (p. ex., RE-AgR
587941, j. 30/09/2008). Contudo, sob o fundamento de que o terço constitucional de férias
usufruídas (art. 7º, XVII, da Constituição) é de verba periódica auferida como complemento à
remuneração do trabalho, e que por isso, está no campo de incidência de contribuições
incidentes sobre a folha de salários, o E.STF mudou sua orientação ao julgar o RE 1072485
(Sessão Virtual de 21/08/2020 a 28/08/2020), firmando a seguinte Tese no Tema 985: “É
legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional
de férias”.
- Em 04/08/2020, no RE 576967 (Tema 72), o E.STF afirmou a inconstitucionalidade da
incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §2º, e
na parte final do seu § 9º, “a”, da mesma Lei nº 8212/1991, porque a trabalhadora se afasta de
suas atividades e deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador durante o
período em que está fruindo o benefício, e também porque a imposição legal resulta em nova
fonte de custeio sem cumprimento dos requisitos do art. 195, §4º da Constituição.
- Os valores pagos a título de adicional de horas-extras constituem verbas de natureza
remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária.
- Em razão da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85 do CPC, deve cada uma das
partes ser condenada ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do
percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante do excesso de cobrança combatido
(correspondente ao proveito econômico tratado nos autos), na seguinte proporção: 30% para a
embargante e 70% para a embargada. Custas e demais ônus processuais têm os mesmos
parâmetros.
- Apelações da União e da embargante parcialmente providas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da União Federal, bem como ao
apelo da embargante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
