Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004959-50.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/12/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/01/2019
Ementa
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL.
PENSÃO POR MORTE. AUSÊNCIA DA CONDIÇÃO DE SEGURADO. CERTIDÃO DA FUNAI.
COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL POR INDÍGENA. ILEGALIDADE.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2008.71.00.024546-2/RS. LIMITE TERRITORIAL DA AÇÃO
COLETIVA. OMISSÃO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. PROVIMENTO DOS EMBARGOS.
IMPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO.
- Em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão de benefícios
previdenciários, a lei vigente à época do fato que o originou, na forma da súmula 340 do Superior
Tribunal de Justiça.
- Fundado no artigo 201, inciso V, da Constituição Federal, o artigo 74, da Lei 8.213/91, prevê que
a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não.
- A exigência de vinculação, no presente caso, é regra de proteção do sistema, que é contributivo,
consoante a regra expressa do artigo 201, caput, da CF/88.
- Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos:
condição de dependente e qualidade de segurado do falecido.
- Noutro passo, para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o
pagamento de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Lei nº 8.213/91).
- Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a
Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas
de 24 de julho de 1991.
- Ausente a comprovação de exercício de atividade rural na forma do inciso I do artigo 39 da Lei
nº 8.213/91, não se pode conceder o benefício de pensão por morte.
- A Instrução Normativa n º 77 do INSS, de 21 de Janeiro de 2015, veicula os documentos que
são aceitos como prova do exercido da atividade rural: “Art. 47. A comprovação do exercício de
atividade rural do segurado especial, observado o disposto nos arts. 118 a 120, será feita
mediante a apresentação de um dos seguintes documentos: (...) XI - certidão fornecida pela
FUNAI, certificando a condição do índio como trabalhador rural, observado o § 2º do art. 118.”
- Ocorre que, à luz do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, a referida regra é ilegal por constituir
regulamento autônomo, em flagrante contraste com a lei ordinária.
- Na hierarquia de normas, a regra contida no inciso XI do artigo 47 da Instrução Normativa nº
77/2015 do INSS deve ser considerada não escrita, por configurar clara exorbitância do poder
regulamentar, em clara violação do princípio da legalidade (artigo 5º, II e 37, caput, da CF/88).
- Além do mais, se aplicada, simplesmente substituirá a jurisdição e a atividade administrativa
fiscalizatóriada autarquia previdenciária pela FUNAI, que terá mais autoridade que o Judiciário e o
INSS.
- Não se concebe que fatos jurídicos muitas vezes complexos – como o exercício de atividade
rural na condição de segurado especial por determinado número de anos – sejam comprovados
por mera certidão extemporânea de um órgão ou pessoa jurídica governamental, quando a
própria lei ordinária exige ao menos início de prova material.
- O fato de ser indígena não conduz, necessariamente, à situação de segurado especial, tudo a
depender de inúmeras circunstâncias muitas vezes não identificadas pela FUNAI.
- No tocante à ACP nº 2008.71.00.024546-2/RS, mencionada nas razões do agravo interno, não
constitui instrumento para a “generalização” das situações dos indígenas. Trata-se de tema
complexo, a ser abordado pelo Poder Legislativo, não por meio de ações coletivas ou atos
administrativos normativos do Executivo. A questão da caracterização do índio como segurado
especial, ou não, deve ser observada individualmente, ou seja, caso a caso.
- No mais, deve prevalecer a regra prevista no artigo 16 da LACP: “Art. 16. A sentença civil fará
coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o
pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.(Redação dada
pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997).”
- Por fim, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar, na forma
da súmula nº 34 da TNU. Aplica-se ao caso, repetindo o já constante do acórdão embargado, o
disposto no artigo 55º, § 3º, da LBPS e na súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça.
- Quanto aos embargos de declaração interpostos pelo INSS, dou-lhe provimento ante a
existência de omissão no julgado monocrático relativamente aos honorários de advogado.
Invertida a sucumbência, condeno da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica
suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da
justiça gratuita.
- Embargos de declaração providos.
- Agravo interno desprovido.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5004959-50.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CREUSA ALVARENGA
Advogado do(a) APELADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
APELAÇÃO (198) Nº 5004959-50.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CREUSA ALVARENGA
Advogado do(a) APELADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Trata-se de recursos interpostos em face
da decisão monocrática deste relator, que nos termos do artigo 932, V, “b”, do CPC/2015,
deuprovimento à apelação e cassou a tutela provisória de urgência.
Em agravo interno, requer, a parte autora, a reforma do julgado, de modo a ser a matéria
reexaminada pela Turma, alegando fazer jus ao benefício de pensão por morte, patenteado início
de prova material bastante e comprovada a condição de segurado especial do rurícola, bem
assim a de dependente da parte autora.
Já, o INSS, em embargos de declaração, requer seja a parte autora condenada a pagar
honorários de advogado.
Respostas não apresentadas.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5004959-50.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CREUSA ALVARENGA
Advogado do(a) APELADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Conheço do recurso, porque presentes
os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.
Em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão de benefícios
previdenciários, a lei vigente à época do fato que o originou, na forma da súmula nº 340 do STJ.
Fundado no artigo 201, inciso V, da Constituição Federal, o artigo 74, da Lei 8.213/91, prevê que
a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não.
A exigência de vinculação, no presente caso, é regra de proteção do sistema, que é contributivo,
consoante a regra expressa do artigo 201, caput, da CF/88.
Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos:
condição de dependente e qualidade de segurado do falecido.
No caso em apreço, a certidão de óbito acostada à f. 18 (pdf) comprova o falecimento de Robelei
de Souza, em 07/9/2012, vítima de acidente de trânsito.
Quanto à condição de dependente, fixa o art. 16 da Lei n. 8.213/91, com a redação da Lei n.
9.032/95 (g. n.):
"Art. 16 - São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes
do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
(...)
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais
deve ser comprovada.”
A filiação do de cujus em relação à sua mãe, ora autora, vem comprovada pela certidão de
nascimento, lavrada em 16/8/2006 (f. 16 pdf), elaborada pela FUNAI.
Em prosseguimento, o de cujus, indígena, não tinha a qualidade de segurado, porquanto seu
último vínculo com a previdência deu-se em 2005.
Perdeu, portanto, a condição de segurado, na forma do artigo 15, II, da LBPS.
A Terceira Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.
1.110.565/SE, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, fixou o entendimento de que o
deferimento do benefício de pensão por morte está condicionado ao cumprimento da condição de
segurado do falecido, salvo na hipótese prevista na Súmula 416/STJ.
Noutro passo, para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento
de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei nº
8.213/91).
Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência
Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de
julho de 1991.
Ausente a comprovação de exercício de atividade rural na forma do inciso I do artigo 39 da Lei nº
8.213/91, ou seja, não se pode conceder o benefício de pensão por morte.
Eis a redação do citado artigo (grifo meu):
"Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a
concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de
pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural,
ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do
benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo
estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma
estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social."
De sua sorte, o artigo 195, § 8º, da Constituição Federal tem a seguinte dicção (g.m.):
"§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como
os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem
empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma
alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos
da lei."
A questão relativa à comprovação de atividade rural se encontra pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula 149 do STJ).
Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, não
significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por meio de documentos, o
exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o
período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova
testemunhal para demonstração do labor rural.
Contudo, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar, na forma
da súmula nº 34 da TNU.
Admite-se, ainda, a extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro. Para além,
segundo a súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admite-se como início de
prova material do efetivo exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, documentos
de terceiros, membros do grupo parental".
O Juízo a quo considerou comprovada a condição de segurada especial da de cujus apenas e tão
somente com base em nova certidão da FUNAI, à revelia de qualquer outra prova.
Entretanto, não há qualquer início de prova material relativo ao período de atividade rural
alegado.
Nota-se que na Certidão de Exercício de Atividade Rural emitida pela FUNAI foi produzida
posteriormente ao óbito, em 22/01/2014 (f. 19 pdf).
O fato de ser indígena não conduz, necessariamente, à situação de segurado especial, a toda
evidência.
Ora, o próprio INSS contestou a condição de segurado do de cujus, nas razões recursais, de
modo que cai por terra a alegação de que a única controvérsia deste feito é a relação de
dependência da autora.
Em prosseguimento, a Instrução Normativa n º 77 do INSS, de 21 de Janeiro de 2015 veicula os
documentos que são aceitos como prova do exercido da atividade rural:
“Art. 47. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial, observado o
disposto nos arts. 118 a 120, será feita mediante a apresentação de um dos seguintes
documentos:
(...)
XI - certidão fornecida pela FUNAI, certificando a condição do índio como trabalhador rural,
observado o § 2º do art. 118.”
Ocorre que, à luz do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, a referida regra é manifestamente ilegal
por constituir regulamento autônomo, em flagrante contraste com a lei ordinária.
Na hierarquia de normas, a regra contida no inciso XI do artigo 47 da Instrução Normativa nº 77
do INSS deve ser considerada não escrita, por configurar clara exorbitância do poder
regulamentar, em clara violação do princípio da legalidade (artigo 5º, II e 37, caput, da CF/88).
Além do mais, se aplicada, simplesmente substituirá a jurisdição e a atividade administrativa
fiscalizatória da autarquia previdenciária pela FUNAI, que terá mais autoridade que ambos
(Judiciário e INSS).
Não se concebe que fatos jurídicos muitas vezes complexos – como o exercício de atividade rural
na condição de segurado especial por determinado número de anos – sejam comprovados por
mera certidão extemporânea de um órgão ou pessoa jurídica governamental, quando a própria lei
ordinária exige ao menos início de prova material.
Inviável considerar uma certidão da FUNAI como comprovação bastante de anos de exercício de
atividade rural, à medida que retira o poder fiscalizatório do INSS.
O fato de ser indígena não conduz, necessariamente, à situação de segurado especial, tudo a
depender de inúmeras circunstâncias muitas vezes não identificadas pela FUNAI.
A despeito do papel histórico da maior magnitude da FUNAI e dos relevantes serviços prestados,
forçoso reconhecer que a regra contida no referido inciso XI do artigo 47 da INSTRUÇÃO
NORMATIVA 77 constitui um “convite à fraude”, dada a ausência do Estado nos rincões deste
país territorialmente enorme.
A propósito, a inscrição post mortem do segurado especial não constitui problema, na forma do
artigo 46, § 1º, da mesma IN 46 INSS/PRES nº 77. O problema é a ausência de início de prova
material contemporânea ao alegado exercício de atividade rural, em regime de economia familiar.
No tocante à ACP nº 2008.71.00.024546-2/RS, mencionada nas razões do agravo interno, não
constitui instrumento para a “generalização” das situações dos indígenas. Trata-se de tema
complexo, a ser abordado pelo Poder Legislativo, não por meio de ações coletivas, fruto de
pretensões às vezes messiânicas do Parquet, muito menos por atos administrativos normativos
do Executivo. A questão da caracterização do índio como segurado especial, ou não, deve ser
observada individualmente, ou seja, caso a caso.
No mais, deve prevalecer a regra prevista no artigo 16 da LACP, olimpicamente ignorada país
afora em vários julgamentos, forçoso reconhecer: “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga
omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar
outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.(Redação dada pela Lei nº 9.494,
de 10.9.1997).”
Enfim, reiterando, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar,
na forma da súmula nº 34 da TNU.
Aplica-se ao caso, também repetindo o já constante do acórdão embargado, o disposto no artigo
55, § 3º, da LBPS e na súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça.
Em decorrência, concluo pelo não preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão do
benefício de pensão por morte.
Quanto aos embargos de declaração interpostos pelo INSS, dou-lhe provimento ante a existência
de omissão no julgado monocrático relativamente aos honorários de advogado.
Invertida a sucumbência, condeno da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica
suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da
justiça gratuita.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno e dou provimento aos embargos de
declaração.
É o voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL.
PENSÃO POR MORTE. AUSÊNCIA DA CONDIÇÃO DE SEGURADO. CERTIDÃO DA FUNAI.
COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL POR INDÍGENA. ILEGALIDADE.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2008.71.00.024546-2/RS. LIMITE TERRITORIAL DA AÇÃO
COLETIVA. OMISSÃO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. PROVIMENTO DOS EMBARGOS.
IMPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO.
- Em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão de benefícios
previdenciários, a lei vigente à época do fato que o originou, na forma da súmula 340 do Superior
Tribunal de Justiça.
- Fundado no artigo 201, inciso V, da Constituição Federal, o artigo 74, da Lei 8.213/91, prevê que
a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não.
- A exigência de vinculação, no presente caso, é regra de proteção do sistema, que é contributivo,
consoante a regra expressa do artigo 201, caput, da CF/88.
- Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos:
condição de dependente e qualidade de segurado do falecido.
- Noutro passo, para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o
pagamento de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da
Lei nº 8.213/91).
- Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a
Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas
de 24 de julho de 1991.
- Ausente a comprovação de exercício de atividade rural na forma do inciso I do artigo 39 da Lei
nº 8.213/91, não se pode conceder o benefício de pensão por morte.
- A Instrução Normativa n º 77 do INSS, de 21 de Janeiro de 2015, veicula os documentos que
são aceitos como prova do exercido da atividade rural: “Art. 47. A comprovação do exercício de
atividade rural do segurado especial, observado o disposto nos arts. 118 a 120, será feita
mediante a apresentação de um dos seguintes documentos: (...) XI - certidão fornecida pela
FUNAI, certificando a condição do índio como trabalhador rural, observado o § 2º do art. 118.”
- Ocorre que, à luz do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, a referida regra é ilegal por constituir
regulamento autônomo, em flagrante contraste com a lei ordinária.
- Na hierarquia de normas, a regra contida no inciso XI do artigo 47 da Instrução Normativa nº
77/2015 do INSS deve ser considerada não escrita, por configurar clara exorbitância do poder
regulamentar, em clara violação do princípio da legalidade (artigo 5º, II e 37, caput, da CF/88).
- Além do mais, se aplicada, simplesmente substituirá a jurisdição e a atividade administrativa
fiscalizatóriada autarquia previdenciária pela FUNAI, que terá mais autoridade que o Judiciário e o
INSS.
- Não se concebe que fatos jurídicos muitas vezes complexos – como o exercício de atividade
rural na condição de segurado especial por determinado número de anos – sejam comprovados
por mera certidão extemporânea de um órgão ou pessoa jurídica governamental, quando a
própria lei ordinária exige ao menos início de prova material.
- O fato de ser indígena não conduz, necessariamente, à situação de segurado especial, tudo a
depender de inúmeras circunstâncias muitas vezes não identificadas pela FUNAI.
- No tocante à ACP nº 2008.71.00.024546-2/RS, mencionada nas razões do agravo interno, não
constitui instrumento para a “generalização” das situações dos indígenas. Trata-se de tema
complexo, a ser abordado pelo Poder Legislativo, não por meio de ações coletivas ou atos
administrativos normativos do Executivo. A questão da caracterização do índio como segurado
especial, ou não, deve ser observada individualmente, ou seja, caso a caso.
- No mais, deve prevalecer a regra prevista no artigo 16 da LACP: “Art. 16. A sentença civil fará
coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o
pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.(Redação dada
pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997).”
- Por fim, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar, na forma
da súmula nº 34 da TNU. Aplica-se ao caso, repetindo o já constante do acórdão embargado, o
disposto no artigo 55º, § 3º, da LBPS e na súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça.
- Quanto aos embargos de declaração interpostos pelo INSS, dou-lhe provimento ante a
existência de omissão no julgado monocrático relativamente aos honorários de advogado.
Invertida a sucumbência, condeno da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica
suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da
justiça gratuita.
- Embargos de declaração providos.
- Agravo interno desprovido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo interno e dar provimento aos embargos de
declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
