Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5788801-47.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARCELO GUERRA MARTINS
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/08/2021
Ementa
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - CONSTITUCIONAL – ASSISTÊNCIA SOCIAL – BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA - REQUISITOS
LEGAIS.
1. O benefício de prestação continuada, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei
Federal nº 8.742/93, que traz os requisitos necessários à implantação.
2. Tanto no caso do idoso (maior de 65 anos) quanto no da pessoa com deficiência exige-se
prova da impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família.
3. A hipossuficiência econômica é analisada no contexto familiar, nos termos do artigo 20, § 1º,
da Lei Federal nº 8.742/93. O dever de assistência do Estado, no entanto, é subsidiário, e não
afasta a obrigação de amparo mútuo familiar.
4. A referência quantitativa do § 3º, do artigo 20, da LOAS, pode ser considerada como um dos
critérios para a aferição de miserabilidade, sem a exclusão de outros. Jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, no regime de julgamentos repetitivos REsp 1112557/MG, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009.
5. Não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um salário
mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03) ou idoso,
conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos repetitivos:
REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
05/11/2015. A exclusão do rendimento de deficiente ou idoso, no entanto, não importa na
automática concessão do benefício, devendo ser considerados os demais aspectos
socioeconômicos e familiar do requerente.
6. No caso concreto, os requisitos para a concessão do benefício foram preenchidos.
7. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos
pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à
época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947.
8. Embargos acolhidos, com alteração do resultado do julgamento, para negar provimento à
apelação do INSS. Alteração, de ofício, dos critério de atualização monetária.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5788801-47.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - JUIZ CONVOCADO MARCELO GUERRA MARTINS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFA PEREIRA DA SILVA SANTOS
Advogado do(a) APELADO: ALAN GONCALVES MOREIRA BATISTA SOUZA - SP340217-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5788801-47.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - JUIZ CONVOCADO MARCELO GUERRA MARTINS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFA PEREIRA DA SILVA SANTOS
Advogado do(a) APELADO: ALAN GONCALVES MOREIRA BATISTA SOUZA - SP340217-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra:
Trata-se de embargos de declaração interpostos contra v. Acórdão que anulou, de ofício, a r.
sentença, para determina o retorno dos autor ao Juízo de origem, e julgou prejudicada a
apelação do INSS, em ação destinada a viabilizar a concessão de benefício assistencial.
A ementa (ID 131061972):
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA DEFICIENTE. AFASTAR COISA
JULGADA. NÃO REALIZAÇÃO DE LAUDO PERICIAL. SENTENÇA ANULADA.
1. De início, rejeito a alegação de coisa julgada, uma vez que, em se tratando de ação em que
se busca benefício de amparo social ao deficiente, dada a constante possibilidade de alteração
das condições de saúde e agravamento das patologias do segurado, não há que se falar em
coisa julgada material.
2. A concessão do benefício ora pleiteado somente pode ser feita mediante a produção de
prova eminentemente documental, notadamente realização do laudo pericial.
2. Anoto, ainda, que referida prova técnica não pode ser substituída por nenhuma outra, seja
ela a testemunhal ou mesmo documental.
3. Assim, é necessária a realização de perícia médica, com elaboração de laudo pericial
detalhado e conclusivo a respeito da incapacidade da parte autora, a fim de se possibilitar a
efetiva entrega da prestação jurisdicional ora buscada.
4. Portanto, torna-se imperiosa a anulação da sentença, com vistas à realização de laudo
pericial e prolação de novo decisória.
5.Sentença anulada. Apelação prejudicada.
A parte autora, ora embargante (ID 140159902), argumenta com sua idade avançada (71 anos).
Ademais, as enfermidades das quais a autora sofre estariam provadas por diversos
documentos médicos.
Sem resposta.
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5788801-47.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - JUIZ CONVOCADO MARCELO GUERRA MARTINS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFA PEREIRA DA SILVA SANTOS
Advogado do(a) APELADO: ALAN GONCALVES MOREIRA BATISTA SOUZA - SP340217-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra:
Há contradição no v. Acórdão.
O artigo 3º, da Constituição, elenca os objetivos da República Federativa do Brasil, quais sejam:
“I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”.
Em vista de tais objetivos, a Constituição determinou, no âmbito da Assistência Social, a
implantação de benefício destinado a garantir uma subsistência mínima para os cidadãos
efetivamente necessitados, verbis:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei”.
O benefício, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.742/93, que
traz os requisitos necessários à implantação.
Quanto à deficiência, o artigo 20, §2º, da Lei Federal nº 8.742/93, esclarece que “considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”
– sendo que, a teor do §10 do preceito em tela, impedimento de longo prazo é aquele que
produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
A incapacidade exigida, por sua vez, não deve que ser encarada como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária (hipótese em que se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros), mas sim a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do
exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma, REsp. nº 360.202, j.
04.06.2002, DJ 01.07.2002, p. 377, Rel. Min GILSON DIPP), oportunidade em que se
consignou que "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade
para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para
se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se
esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria
devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do
indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
Quanto ao idoso, a partir da vigência das alterações da Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro
de 2003, exige-se a idade mínima de 65 anos (artigo 20, caput, da Lei Federal nº 8.742/93).
Em ambas as hipóteses (deficiência ou idoso), exige-se prova da impossibilidade de prover a
própria subsistência ou de tê-la provida pela família. O dever de assistência do Estado é,
portanto, subsidiário, e não afasta a obrigação de amparo mútuo familiar. Nesse sentido, a
jurisprudência específica da Sétima Turma desta E. Corte (ApCiv 0003058-98.2019.4.03.9999,
j. 22/10/2020, Dje 03/11/2020, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES).
Nesse sentido, a hipossuficiência econômica deve ser analisada no contexto familiar, sendo
que, nos termos do artigo 20, §1º, da Lei Federal nº 8.742/93, a “família é composta pelo
requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o
padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto”.
No que tange ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar
a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE (Rel. MIN. GILMAR MENDES), reapreciou a decisão
anteriormente proferida na ADI nº 1.232-1/DF, declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Destaco da respectiva ementa o
seguinte trecho:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, §3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de
constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do
prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de
votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a
compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar
a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do
ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF
para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos
normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle
abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito
das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre
objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução
interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a
determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de
sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-
parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão
não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição.
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo
Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do
critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada,
elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar
o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a
rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-
se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente”.
Por conseguinte, verifica-se que a decisão da Corte Excelsa entendeu que a Lei Assistencial,
ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não
sendo vedado que se demonstre a insuficiência de recursos para prover a manutenção do
deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Aliás, sobre esse tópico, o Superior Tribunal de Justiça, em âmbito de recurso representativo de
controvérsia repetitiva, assim já se pronunciou:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido".
(3ª Seção, REsp. nº 1.112.557/MG, DJ 20/11/2009, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO).
Por conseguinte, conclui-se que a referência quantitativa expressa no § 3º, do artigo 20, da
LOAS, pode ser considerada como um dos critérios para a aferição de miserabilidade, sem a
exclusão de outros.
No que diz respeito à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei Federal nº
10.741/03, colocou-se a questão de tal afastamento aplicar-se tão somente ao benefício
assistencial (nos estritos termos da norma) ou, noutro giro, igualmente abarcar benefício
previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe. Argumentou-se que a ratio
legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e,
portanto, não havia justificativa plausível para a discriminação, inclusive a partir de aplicação
analógica do preceituado no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça, já se pronunciou. De início, na Petição nº
7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção daquela
Corte em 10 de agosto de 2011 (Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA) e, mais
recentemente, no REsp nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73,
cuja ementa é a seguinte:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(1ª Seção, REsp nº 1.355.052/SP, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, Rel. Min. BENEDITO
GONÇALVES).
Logo, não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um salário
mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03) ou
idoso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos
repetitivos (REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015,
DJe 05/11/2015).
Todavia, é necessário consignar que a aludida exclusão do rendimento de deficiente ou idoso
não importa na automática concessão do benefício, devendo serem considerados os demais
aspectos socioeconômicos e familiares do requerente.
No caso concreto, o requisito etário foi preenchido: a parte autora, nascida em 1946, tinha 72 na
data do requerimento administrativo, protocolado em 2018 (ID 73380328).
A realização de perícia médica para a constatação de deficiência é, portanto, desnecessária.
Passo, portanto, à análise do requisito socioeconômico.
O estudo social, realizado em 2 de outubro de 2018 (ID 73380452), constatou que a autora vive
com o esposo, à época com 76 anos, em imóvel próprio de alvenaria, com 5 cômodos e 1
banheiro.
Da análise das fotografias anexadas ao laudo, trata-se de imóvel simples, com poucos
acabamentos e móveis, embora organizado.
A renda familiar consiste na aposentadoria recebida pelo esposo da autora, no valor de um
salário mínimo (R$ 954,00 em 2018).
As despesas mensais consistem em energia elétrica (R$ 40,00), água (R$ 60,00), alimentação
(R$ 600,00) e farmácia (R$ 250,00), totalizando R$ 950,00.
Quanto à despesa com farmácia a autora informou que “apenas o medicamento Flavonid é
disponibilizado pela rede de saúde municipal, sendo necessário realizar a compra dos outros
medicamentos de uso contínuo, sendo eles: Alecoxibe 200mg, Tamarine, Pentoxifilina 400 mg,
Diprospan injetável, Diprogenta e Atorvastatina 20 mg, este último em falta há algumas
semanas devido à hipossuficiência econômica da família. Sr. Manoel também referiu ser
hipertenso e fazer uso de medicamentos contínuos como Losartana e Hidroclodatiazida (HCT)”.
Anoto que a parte autora anexou à petição inicial diversos exames e laudos médicos realizados
junto ao sistema público de saúde, além das receitas dos medicamentos listados (ID
73380277).
O casal tem 4 filhos adultos, dos quais afirmaram não receber ajuda financeira:
“Maria Aparecida dos Santos e Sandra dos Santos, residentes no município de Flora Rica-SP;
Nelson dos Santos, residente no município de São Paulo e Justino dos Santos, residente em
Presidente Prudente-SP. Segundo a Srª. Josefa, sua filha Maria Aparecida é quem a ajuda com
os afazeres domésticos pois a filha Sandra é deficiente visual e não consegue se locomover
sem o auxílio de outrem. Recebe apoio também do filho Justino através da nora Maria Rosa de
Macedo dos Santos, a qual realiza a pesquisa de preços e a aquisição dos medicamentos em
seu município devido aos menores preços encontrados.
Srª. Josefa nega receber ajuda financeira ou em gêneros alimentícios por parte dos filhos,
justificando que os mesmos também se encontram em situação de vulnerabilidade econômica”.
Descontando-se da renda familiar o valor de um salário mínimo recebido pelo esposo da autora
(STJ, REsp nº 1.355.052), não resta renda a ser computada.
O requisito socioeconômico foi preenchido. A renda mensal somada aos demais elementos
fáticos indicam situação de vulnerabilidade.
Deve ser mantida a r. sentença, que determinou a concessão do benefício desde a data do
indeferimento administrativo.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos
pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à
época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE
870947.
Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de
recurso, os honorários advocatícios devidos pela autora, por ocasião da liquidação, deverão ser
acrescidos de percentual de 1% (um por cento), nos termos do artigo 85, § 11, do Código de
Processo Civil.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários
periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar custas recolhidas pela parte
contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e
parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei
8.620/1993).
Ante o exposto, acolho aos embargos de declaração, com alteração do resultado do
julgamento, para negar provimento à apelação do INSS. Altero, de ofício, os critérios de
atualização monetária.
É o voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - CONSTITUCIONAL – ASSISTÊNCIA SOCIAL – BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA - REQUISITOS
LEGAIS.
1. O benefício de prestação continuada, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei
Federal nº 8.742/93, que traz os requisitos necessários à implantação.
2. Tanto no caso do idoso (maior de 65 anos) quanto no da pessoa com deficiência exige-se
prova da impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família.
3. A hipossuficiência econômica é analisada no contexto familiar, nos termos do artigo 20, § 1º,
da Lei Federal nº 8.742/93. O dever de assistência do Estado, no entanto, é subsidiário, e não
afasta a obrigação de amparo mútuo familiar.
4. A referência quantitativa do § 3º, do artigo 20, da LOAS, pode ser considerada como um dos
critérios para a aferição de miserabilidade, sem a exclusão de outros. Jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, no regime de julgamentos repetitivos REsp 1112557/MG, Rel.
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe
20/11/2009.
5. Não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um salário
mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03) ou
idoso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos
repetitivos: REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015,
DJe 05/11/2015. A exclusão do rendimento de deficiente ou idoso, no entanto, não importa na
automática concessão do benefício, devendo ser considerados os demais aspectos
socioeconômicos e familiar do requerente.
6. No caso concreto, os requisitos para a concessão do benefício foram preenchidos.
7. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios
estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos
autos do RE 870947.
8. Embargos acolhidos, com alteração do resultado do julgamento, para negar provimento à
apelação do INSS. Alteração, de ofício, dos critério de atualização monetária. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu acolher os embargos de declaração, com alteração do resultado do
julgamento, para negar provimento à apelação do INSS e alterar, de ofício, os critérios de
atualização monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
