
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5034071-59.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OLAIR GENEROSO DA CRUZ
Advogado do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5034071-59.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OLAIR GENEROSO DA CRUZ
Advogado do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de embargos de declaração opostos pela autarquia, em face do v. acórdão que negou provimento à apelação do INSS.
Insurge o INSS, alegando que o v. acórdão incorreu em omissão por reconhecer período a atividade na lavoura de cana-de-açúcar como atividade especial sem comprovação da exposição ao agente nocivo, e ausência de previsão de enquadramento por penosidade.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5034071-59.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OLAIR GENEROSO DA CRUZ
Advogado do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): Sabido não se prestarem os embargos de declaração à alteração do pronunciamento judicial quando ausentes omissão, obscuridade, contradição ou erro material a ser sanado (art. 1.022 do NCPC), competindo à parte inconformada lançar mão dos recursos cabíveis para alcançar a reforma do ato judicial (STJ, ED no AG Rg no Ag em REsp n. 2015.03.17112-0/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJE de 21/06/2016)
A via integrativa é efetivamente estreita e os embargos de declaração não se vocacionam ao debate em torno do acerto da decisão impugnada, sendo a concessão de efeito infringente providência excepcional e cabível, apenas, quando corolário natural da própria regularização do vício que embalou a oposição daquele remédio processual, o que não é o caso dos autos.
Transcrevo o voto condutor do julgado:
Apela a autarquia em face da r. sentença que reconheceu os períodos de 01.12.1977 a 16.04.1978, 02.05.1978 a 31.10.1978, 02.05.1979 a 21.12.1979, 24.05.1984 a 22.10.1984, 29.04.1995 a 27.11.1995, 10.05.1996 a 20.12.1996, 16.04.1997 a 16.12.1997 e de 13.04.1998 até 03.03.2018, como atividade especial.
O INSS foi condenado a conceder o benefício da aposentadoria especial em substituição ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como foi determinado que apurasse e efetuasse pagamento das diferenças devidas, desde a DER, observada a prescrição quinquenal e autorizada a compensação dos valores já recebidos em virtude do benefício anterior, de modo que o pagamento das parcelas em atraso é devido a contar de 03.03.2018.
De acordo com o laudo pericial técnico nas fls. 336/362 dos autos, o autor trabalhou em atividades e sob condições que se caracterizam como especiais, porquanto estava exposto a agente físico ruído, agentes agressivos de natureza química e riscos ergonômicos, de maneira habitual e permanente.
Extraio algumas das conclusões do expert:
Considerando que as exposições aos agentes agressivos, onde o Autor exerceu as atividades no corte de cana de açúcar (crua ou queimada), tanto no período da safra, como da entressafra, no período da entressafra era realizado o corte de cana crua para o plantio. Era realizada a carpa da cana, o arranque de pragas, e as ferramentas utilizadas eram o podão, a foice a enxada e o enxadão, etc. Considerando que o Autor trabalhava como o corpo inclinado, ele segurava um fardo de cana e o cortava, depois, este mesmo fardo era empilhado para posterior carregamento no
caminhão (fls. 3)
Conclusão do item 4.1: O Autor realizava suas atividades ao ar livre, e o nível de ruído desses locais é superior a 85,00 dB, durante todo o período de trabalho. Este valor encontrado é superior ao limite de tolerância para ruído contínuo estabelecido pela NR-15.
fls. 4: Como informado no presente Laudo Pericial, as atividades foram realizadas ao ar livre, expondo-o aos raios solares, dentre eles o raio ultravioleta, e não era fornecida qualquer proteção adequada ao autor.
O Autor era um Trabalhador rural, exercia suas atividades na lavoura da cana de açúcar, executava as suas funções no plantio de cana de açúcar. No ambiente de trabalho estava em permanente contato com poeiras de terra, e do bagaço da cana.
A queima incompleta das palhas da cana de açúcar, forma fuligens, (hidrocarbonetosaromáticos e outros compostos de carbono existentes), e o Autor se expõe a estes agentes químicos, quando da execução do transporte da cana de açúcar, através da das mucosas da boca, narinas e tecidos dos pulmões.
Em relação a tais períodos, possível o enquadramento em virtude da exposição a níveis de ruído acima dos limites legais.
Em relação ao trabalho no campo exercido pelo rurícola, em que pese ser desgastante, sujeito a diversas intempéries (calor, frio, sol e chuva), não autoriza o respectivo enquadramento nas atividades prejudiciais à saúde e sujeitas à contagem de seu tempo como especial.
No entanto, não se pode negar que o lavrador (ou agricultor) também possa estar esteja sujeito a agentes nocivos, especialmente químicos, ao lidar com adubos, herbicidas e defensivos agrícolas em geral.
Lembro ainda que o Decreto 53.831/64 informa que o trabalho em que ocorre a exposição deve ser permanente, em que pese não seja exigível a permanência da exposição aos agentes nocivos.
Por fim, anoto que a diversificação de atividades é algo bastante presente no meio rural, sendo comum a conjugação da criação de rebanhos com a exploração de culturas (por vezes cana-de-açúcar e milho, que servem de alimento aos animais), não se mostrando razoável, pois, exigir-se a exclusividade no trabalho com animais para caracterização do trabalho em condição especial.
Nesse contexto, concluo que, para caracterização da atividade especial pela ocupação descrita no item 2.2.1 do Decreto 53.831/64, deverá o segurado demonstrar que, em sua atividade, prevalece o trabalho agropecuário (que determina contato direto como animais infectados ou não, sangue, fezes etc), remanescendo ao agricultor a comprovação da atividade especial pela exposição aos agentes nocivos, conforme sua classificação (químicos, físicos ou biológicos).
Desse modo, em relação ao período de 24/05/1984 a 22/10/1984, em que o autor laborou para a Agro Pecuária Gino Bellodi LTDA, na lavoura de cana-de-açúcar, também reconheço o enquadramento da atividade especial.
Nesse sentido, a Nona Turma firmou recente entendimento no sentido de reconhecer a especialidade das atividades que envolvam o cultivo e corte da cana-de-açúcar, a utilização de defensivos agrícolas, com exposição à fuligem, em razão da penosidade e exposição a agentes químicos (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos), nos termos do código 1.2.11 do Anexo do Decreto n. 53.831/64 e código 1.2.10 do Anexo I do Decreto n. 83.080/79.
Precedentes: APELAÇÃO CÍVEL - 5000052-33.2021.4.03.6117, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 31/05/2023, DJEN DATA: 07/06/2023; APELAÇÃO CÍVEL - 5001373-33.2021.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 05/05/2023, Intimação via sistema DATA: 10/05/2023; APELAÇÃO CÍVEL - 5102163-94.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal ALI MAZLOUM, julgado em 16/03/2023, DJEN DATA: 22/03/2023.
Em relação aos periodos acima, verifica-se do laudo pericial, bem como do PPP de id. 152591911, que o autor exerceu a atividade de “motorista” para a empresa SÃO MARTINHO S/A, durante todos os períodos, com exposição a ruído de 86,7 db(A) e 90,5 db(A), acima dos limites de 85 db(A) e 90db(A).
Por fim, em relação aos períodos de 10/05/1996 a 20/12/1996, e 16/04/1997 a 16/12/1997,a empresa Carbi Transportes e Serviços Gerais Ltda., como "motorista de caminhão canavieiro", o autor esteve exposto a agente nocivo ruído de 90,47 db(A), acima dos limites de tolerância.
Frise-se que as provas carreadas aos autos foram elaboradas por profissionais legalmente habilitados.
Oportuno salientar que o documento extemporâneo também é hábil a comprovar a exposição aos agentes nocivos. Primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços. Enfim, nos termos da jurisprudência desta E. Corte, a extemporaneidade da prova não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho sob condições especiais. Vide:
PREVIDENCIÁRIO. ESPECIAL. RUÍDO. CONTEMPORANEIDADE DO LAUDO PARA PROVA DE ATIVIDADE ESPECIAL. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS. DANOS MORAIS.
(...) - Quanto à extemporaneidade do laudo, observo que a jurisprudência desta Corte destaca a desnecessidade de contemporaneidade do laudo/PPP para que sejam consideradas válidas suas conclusões, tanto porque não há tal previsão em lei quanto porque a evolução tecnológica faz presumir serem as condições ambientais de trabalho pretéritas mais agressivas do que quando da execução dos serviços. (...)
- Recurso de apelação a que se dá parcial provimento.
(AC 0012334-39.2011.4.03.6183, 8ª Turma, Desembargador Federal Luiz Stefanini, DE 19/03/2018)
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISIONAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. SERRALHEIRO. FUNÇÃO ANÁLOGA À DE ESMERILHADOR. CATEGORIA PROFISSIONAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. COMPROVAÇÃO. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE. EPI. PPP EXTEMPORÂNEO. IRRELEVANTE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
(...) VI - O fato de os PPP"s ou laudo técnico terem sido elaborados posteriormente à prestação do serviço não afasta a validade de suas conclusões, vez que tal requisito não está previsto em lei e, além disso, a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços. (...)
XII - Apelação do réu e remessa oficial parcialmente providas.
(AC/ReO 0027585-63.2013.4.03.6301, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO / CONTRIBUIÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE LABOR EXERCIDO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO INVERSA
(...) - A apresentação de Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP substitui o laudo técnico, sendo documento suficiente para aferição das atividades nocivas a que esteve sujeito o trabalhador. A extemporaneidade do documento (formulário, laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP) não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho sob condições especiais. (...)
- Dado parcial provimento tanto à remessa oficial como ao recurso de apelação da autarquia previdenciária, e negado provimento à apelação da parte Autora.
(AC/ReO 0012008-74.2014.4.03.6183, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Fausto de Sanctis, DE 17/10/2017)
As alegações em relação a irregularidade da metodologia de aferição não merece acolhida, haja vista ser atribuição da empresa a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário na forma estabelecida pelo INSS, na forma do artigo 58, § 1º, da LBPS, razão por que compete à Autarquia Previdenciária realizar todos os atos e procedimentos necessários à verificação do atendimento das obrigações impostas pela legislação previdenciária, e a imposição da multa por seu eventual descumprimento, por força do artigo 125-A da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, incluído pela Lei n. 11.941, de 27/05/2009.
A esse respeito decidiu o C. STJ: “(...) o segurado, à evidência, não pode ser punido no caso de ausência do correto recolhimento das contribuições previdenciárias por parte do empregador, nem pela falta ou falha do INSS na fiscalização da regularidade das exações. Precedentes”. (REsp n. 1.502.017/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 4/10/2016, DJe 18/10/2016).
A sentença não merece reparos em sua análise dos períodos objeto de recurso, porquanto apreciou a prova juntada pelas partes em sua integralidade e com respeito aos entendimentos consolidados nesta corte em seus pontos controvertidos, como exposto anteriormente, na forma de premissas de análise.
Portanto, improcede o apelo autárquico quanto aos períodos reconhecidos como especiais pela sentença, que deve ser mantida. Hipótese em que faz jus a parte à conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, devendo autarquia apurar e efetuar pagamento das diferenças devidas, desde a DER, observada a prescrição quinquenal e autorizada a compensação dos valores já recebidos em virtude do benefício anterior, com o pagamento das parcelas em atraso a contar de 03.03.2018.
Dessa forma, não assiste razão à parte embargante.
Cumpre salientar que não houve o enquadramento da atividade pelo código 2.2.1 do Decreto n. 53.831/1964, mas pela extrema penosidade da função e notória sujeição a agentes insalubres (hidrocarbonetos policísticos aromáticos) decorrentes da queima da palha.
De fato, conforme consignado no acórdão recorrido, o exercício das funções de plantio, carpa e colheita de cana-de-açúcar ensejam o reconhecimento de especialidade no labor, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma, em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, consoante artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/72967).
Assim, não verificado o vício apontado pelo embargante, os fundamentos utilizados no julgado embargado devem prevalecer.
À vista dessas considerações, visa a parte embargante ao amplo reexame da causa, o que é vedado em sede de embargos de declaração, estando claro que nada há a ser prequestionado, ante a ausência de omissão, contradição ou obscuridade.
Assim, o inconformismo veiculado pelo embargante extrapola o âmbito da devolução admitida na via dos embargos declaratórios, na esteira da jurisprudência deste E. Tribunal.
Por fim, de se notar que o simples intuito de prequestionamento, por si só, não basta para a oposição dos embargos declaratórios, sendo necessário demonstrar a ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 1.022 do NCPC, o que não se verifica na espécie.
Nessa esteira, tanto o C. Superior Tribunal de Justiça, como o C. Supremo Tribunal Federal, assentam a prescindibilidade da menção a dispositivos legais ou constitucionais para que se considere prequestionada a matéria, bastando que o Tribunal expressamente se pronuncie sobre ela (REsp 286.040, DJ 30/6/2003; EDcl no AgRg no REsp 596.755, DJ 27/3/2006; EDcl no REsp 765.975, DJ 23/5/2006; RE 301.830, DJ 14/12/2001).
Nesse sentido, rejeito os embargos de declaração, nos termos da fundamentação.
É como voto.
/gabcm/gdsouza
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. CONFIGURAÇÃO DE REEXAME DA CAUSA. VEDAÇÃO.
- O artigo 1.022 do CPC admite embargos de declaração quando, na sentença ou no acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão de ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou o tribunal, ou ainda para correção de erro material (inciso III).
- Analisadas as questões jurídicas necessárias ao julgamento, o acórdão embargado não padece de omissão, obscuridade ou contradição.
- Não configurados os vícios sanáveis por embargos de declaração, tampouco matéria a ser prequestionada, revela-se nítido o caráter de reexame da causa, o que é vedado nesta sede.
- Embargos de declaração rejeitados.
