
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000722-07.2018.4.03.6140
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: JOSE GERALDO DA SILVA
APELADO: MARIA DE LOURDES DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: VIVIANE PAVAO LIMA - SP178942-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000722-07.2018.4.03.6140
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELADO: MARIA DE LOURDES DE SOUZA
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R E L A T Ó R I O
Embargos de declaração opostos pelo INSS (Id. 299930286) de acórdão assim ementado (Id. 292834313):
“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. EC N.º 20/98. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS ATENDIDOS.
- Não cabimento do reexame necessário, conforme disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
- Frente à significativa alteração que a EC n.º 20/98 promoveu no ordenamento jurídico, foram definidas normas de transição entre o regramento constitucional anterior e o atual no tocante aos requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço.
- A regra de transição para a aposentadoria integral restou ineficaz, na medida em que para concessão de tal benefício não se exige idade ou "pedágio".
- Cumpridos os requisitos previstos no artigo 201, § 7.°, inciso I, da CF, quais sejam, trinta e cinco anos de trabalho, se homem, ou trinta anos, se mulher, além da carência prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/91, antes ou depois da EC n.º 20/98 e, independentemente da idade com que conte à época, fará jus à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição, atual denominação da aposentadoria por tempo de serviço.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- Conjunto probatório suficiente à comprovação de atividade rural nos períodos pleiteados (art. 55, § 3.º, c.c. art. 39, incisos I e II, da Lei n.º 8.213/91; Súmula 149 do STJ e REsp 1.133.863/RN).
- Contando mais de 35 anos, devida a aposentadoria por tempo de contribuição, com renda mensal inicial correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício e DIB na DER.
- Recurso improvido.”
Sustenta o embargante, em síntese, a existência de obscuridade na decisão embargada, argumentando que “inexiste fundamento legal e constitucional para o reconhecimento da situação de segurado rural antes dos 12 anos de idade.” Requer, portanto, seja sanado o vício apontado.
Regularmente intimado, a parte autora quedou-se inerte.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000722-07.2018.4.03.6140
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELADO: MARIA DE LOURDES DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: VIVIANE PAVAO LIMA - SP178942-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os embargos de declaração têm por objetivo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, ou, como se extrai da obra de Cândido Rangel Dinamarco, "a função estrita de retificar exclusivamente a expressão do pensamento do juiz, sem alterar o pensamento em si mesmo" (Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, Malheiros, p. 688), não se prestando, portanto, a nova valoração jurídica do conteúdo probatório e fatos envolvidos no processo. Ao contrário, de acordo com o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira, seu provimento se dá sem outra mudança no julgado, além daquela consistente no esclarecimento, na solução da contradição ou no suprimento da omissão (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, p. 556).
Cabíveis tão-somente para completar a decisão omissa, aclarar a decisão obscura ou ambígua, suprir a contradição presente na fundamentação ou corrigir, a partir do Código de Processo Civil de 2015, o erro material (art. 1.022, I a III, CPC) – o acórdão é omisso se deixou de decidir algum ponto levantado pelas partes ou se decidiu, mas a sua exposição não é completa; obscuro ou ambíguo quando confuso ou incompreensível; contraditório, se suas proposições são inconciliáveis, no todo ou em parte, entre si; e incorre em erro material quando reverbera inexatidão evidente quanto àquilo que consta nos autos –, não podem rediscutir a causa, reexaminar as provas, modificar a substância do julgado, também não servindo, os embargos de declaração, à correção de eventual injustiça.
No caso dos autos, embora ventilada a ocorrência de hipóteses do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os argumentos apresentados não impressionam a ponto de recomendar o reparo da decisão.
Isso porque o movimento recursal é todo desenvolvido sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando o ora recorrente, inconformado com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto, quando, sabe-se bem, o órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
Neste caso, constou expressamente do julgado, no ponto impugnado:
“(...)
A parte autora pretende o reconhecimento dos períodos de 8/4/1982 a 1.º/12/1988, como exercidos em atividade rural, nos limites do pedido recursal.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destaca-se:
- CTPS própria, com registro de vínculos de trabalho de natureza urbana no período descontínuo de 2/12/1987 a 7/1/2017 (Ids. 267748039, p. 13-21, e 267748040, p. 1-11);
- certificado de alistamento militar do autor, emitido em 9/3/1983, em que registrada a profissão de “trab cult milho” e residência no “Córrego da Fundaça” (Id. 267747961, p. 3);
- declaração de exercício de atividades rurais subscrita pelo presidente do “Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Raul Soares”, em 5/1/2017, no sentido de que a parte autora desenvolveu atividades rurais, em regime de economia familiar, no “Córrego da Fundaça”, no período de 8/4/1982 a 1.º/12/1988 (Id. 267748040, p. 14-16);
- escritura pública de venda e compra de imóvel rural denominado “Fundaça”, localizado no “distrito de Vermelho Velho”, em Raul Soares/MG, com quatro hectares, adquirido pelo genitor do autor, Roque Alves da Silva, qualificado como lavrador, em 7/4/1982 (Ids. 267748040, p. 17, e 267748041, p. 1);
- guia para recolhimento de ITR da referida propriedade em nome do genitor, concernente aos exercícios de 1981, 1983, 1985, 1986, 1987 e 1988 (Id. 267748041, p. 5-14); e
- documentos escolares em nome do autor, emitidos em 1°/12/1981, dos quais se infere que frequentou a “EE João José Alves” e a “Escola Estadual Cordeal Mota”, em Raul Soares/MG, entre 1976 e 1981 (Id. 267748041, p. 15-17).
Cabe ressaltar a existência de prova oral.
Efetivamente, constou da sentença:
A testemunha José Hilário da Silva,compromissada e advertida, afirmou que conheceu o autor desde a adolescência de “Sítio Fundaça” localizado no “distrito Vermelho Velho” na cidade de Raul Soares, no Estado de Minas Gerais. O autor trabalhou em propriedade pertencente ao seu pai, Roque Alves da Silva, que media aproximadamente 05 alqueires mineiros (20 ha), onde eram plantados milho, feijão, café, arroz. O horário de trabalho comum da região era de 7h às 16h horas. O autor estudava de manhã, e trabalhava à tarde. O autor parou de estudar com aproximadamente 16 ou 17 anos, pelo que começou a trabalhar integralmente na roça. A testemunha trabalhou na mesma propriedade que o autor. Descreveu aas atribuições que presenciou o autor desempenhar (roçava pasto, “quebrava” (colhia) milho, capinava). Na época, disse que o pai do autor estava à frente dos negócios e que não tinha empregados, nem outras fontes de renda. A testemunha disse que trabalhava e ganhava “por dia”; além dele, havia outros que trabalhavam para o pai do autor sob o mesmo regime, mas era esporádico. A testemunha trabalhava para o pai do autor quase o ano inteiro, assim como o Pedro (irmão do autor). A testemunha disse que não via quando José Geraldo e Pedro recebiam pagamentos. Trabalharam na mesma lavoura seu pai, Roque Alves da Silva, o irmão Pedro e alguns terceiros, que trabalhavam de vez em quando (José Aparecido, Gerônimo, “Tiodoro”, Messias). A mãe do autor (Lenir) cuidava dos afazeres domésticos. O autor se casou em São Paulo, após dois anos morando aqui. O autor deixou a cidade com cerca de 25 anos, em 1989. Não sabe especificamente se o autor já começou a trabalhar em São Paulo assim que chegou. Afirmou que o autor trabalhou na empresa “Porcelana Schmidt S/A” entre sua chegada, mas já tinha saído da empresa quando a testemunha chegou em São Paulo, em 1992.
Impende salientar que a convicção de que ocorreu o efetivo exercício da atividade rurícola, com ou sem vínculo empregatício, como diarista rural ou em regime de economia familiar, durante determinado período, nesses casos, forma-se através do exame minucioso do conjunto probatório, que se resume nos indícios de prova escrita, em consonância com a oitiva de testemunhas.
Nesse sentido, é a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
(...)
É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar.
Com efeito, os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora em regime de economia familiar, na companhia dos pais, o que autoriza o reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 7/12/1970 a 31/8/1991, nos limites do pedido.
O ente autárquico questiona a idade mínima para cômputo do tempo de serviço rural.
Quanto ao limite de idade mínima há histórico de vedação constitucional do trabalho infantil desde a Constituição de 1934, quando fixado em 14 anos.
Apenas com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar os menores de 12 anos.
A Constituição de 1988 fixava em 14 anos a idade mínima, excetuada a condição de menor aprendiz, a partir dos 12 anos, dispositivo alterado pela EC n.º 20/98, que estabeleceu como idade mínima 16 anos, exceto para menor aprendiz, a partir dos 14 anos.
Não obstante os preceitos constitucionais, a realidade socioeconômica do país nos coloca longe da erradicação do trabalho infantil, não obstante os esforços nesse sentido. Deixar de reconhecê-lo representaria prejuízo adicional àquele que teve o seu direito à plena infância violado. As normas jurídicas que restringem o trabalho do menor visam a protegê-lo, não podendo, pois, ser invocadas para prejudicá-lo no que concerne à contagem de tempo de serviço para fins previdenciários.
Esse é o entendimento sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como se depreende da decisão que negou seguimento ao Recurso Extraordinário 1225475/RS, interposto contra acórdão prolatado nos autos da ACP n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, que visa a que o INSS se abstenha de fixar idade mínima para reconhecimento de tempo de serviço.
Registrou o Excelentíssimo Senhor Relator, Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (DJE 16/08/2019), in verbis:
“A pretensão recursal não merece acolhida.
Isso porque, o acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que o art. 7.°, XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos. Esse entendimento prevalece inclusive no trato de questões previdenciárias.
Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes deste Tribunal:
“Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL ÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. GENITORA INDÍGENA COM IDADE INFERIOR A 16 ANOS. ARTIGO 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO” (RE 1.061.044-AgR/RS, Rel. Min. Luiz Fux).
“Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes.
3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte.
4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86.
5. Agravo de instrumento a que se nega provimento” (AI 529.694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes).
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES.
Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli).
Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 600.616- AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso).
Nesse mesmo sentido, destaco as seguintes decisões, entre outras: RE 1.146.902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 1.140.879/SC, Rel. Min. Roberto Barroso; RE 953.372/MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes; RE 920.290/RS, Rel. Min. Teori Zavascki; RE 920.686, Rel. Min. Dias Toffoli; AI 476.950-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 502.246/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia; e RE 633.797/SP, Rel. Min. Luiz Fux."
Mais recentemente, o Colendo Superior Tribunal de Justiça veio a se manifestar nos seguintes termos:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise judicial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes.
2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância.
3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.
4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância.
5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.
6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969).
7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.
8. Agravo Interno do Segurado provido.”
(AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020)
Desta forma, uma vez comprovado o trabalho, não há que se impor limite de idade mínima para o seu reconhecimento.
No caso concreto, o conjunto probatório coligido, baseado em início de prova material ratificado por depoimento idôneo e consistente, permite concluir no sentido da ocorrência do trabalho pela parte autora desde os seus 10 anos de idade, sendo possível declarar o período de labor rural por ela prestado, de modo que a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos.
Diante dessas considerações, o conjunto probatório constante dos autos evidencia a possibilidade de averbação do tempo de serviço rural correspondente aos períodos de 7/12/1970 a 31/8/1991.
Adicionando-se a atividade rural ao tempo anotado em CTPS e aos períodos em que recolhidas contribuições previdenciárias, a parte autora perfaz mais de 35 anos, a permitir a concessão do benefício, cumprida a carência, requisito também atendido.
Nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro em 2% o valor da condenação a título de honorários advocatícios.
Por fim, o entendimento da 3ª Seção deste Tribunal é firme em que o "escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada ocorrência de qualquer das hipóteses de cabimento previstas em lei." (n.º 5001261-60.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, j. 29.4.2020).
Posto isso, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação, supra.”
Como se vê, o movimento recursal é todo estruturado sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando a parte recorrente, inconformada com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto, quando, como visto da jurisprudência da E. Corte Superior acima referenciada, o órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
O entendimento adotado foi motivado, verificando-se apenas a divergência entre o posicionamento do julgado e aquele defendido pelo ora insurgente, não se tratando, portanto, de hipótese em que viáveis os embargos de declaração para qualquer tipo de correção.
No voto proferido, integrante do inteiro teor do julgado embargado – a que se remete evitando-se, assim, desnecessária e cansativa reprodução –, restaram desenvolvidos os fundamentos que levaram o colegiado a negar provimento ao recurso.
Assim, em verdade, discordante com o encaminhamento dado no acórdão, o que se tem é a parte autora pretendendo sua rediscussão pela via dos declaratórios, em que pese o deslinde escorreito da controvérsia aqui renovada, resolvida sob perspectiva distinta daquela que atende a seus interesses.
Conforme consignado, os argumentos apontados pelo embargante em seu recurso foram analisados e decididos pelo colegiado.
Ainda que fosse desnecessário dizer o óbvio, considerando as alegações apresentadas, centradas em aspectos que derivam da questão central enfrentada motivadamente, cumpre ao mesmo interpor os recursos que entender pertinentes à reversão do resultado do julgamento, finalidade para a qual, sabidamente, não se prestam estes embargos.
Dito isso, nego provimento aos embargos de declaração.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EMBARGADO. AUSÊNCIA DAS ALEGADAS OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO.
- Cabíveis tão-somente para completar a decisão omissa, aclarar a decisão obscura ou ambígua, suprir a contradição presente na fundamentação ou corrigir, a partir do Código de Processo Civil de 2015, o erro material (CPC, art. 1.022, incisos I a III) – o acórdão é omisso se deixou de decidir algum ponto levantado pelas partes ou se decidiu, mas a sua exposição não é completa; obscuro ou ambíguo quando confuso ou incompreensível; contraditório, se suas proposições são inconciliáveis, no todo ou em parte, entre si; e incorre em erro material quando reverbera inexatidão evidente quanto àquilo que consta nos autos –, não podem rediscutir a causa, reexaminar as provas, modificar a substância do julgado, também não servindo, os embargos de declaração, à correção de eventual injustiça.
- Desenvolvimento do movimento recursal sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando o recorrente, inconformado com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto.
- O órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
- Discordante com o encaminhamento conferido, o que se tem é o embargante pretendendo sua rediscussão pela via dos declaratórios, em que pese o deslinde escorreito da controvérsia renovada, resolvida sob perspectiva distinta daquela que atende a seus interesses.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
