
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010923-19.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: ILDA CORREA DA SILVA DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010923-19.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: ILDA CORREA DA SILVA DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Embargos de declaração opostos pelo INSS em face de acórdão desta 8.ª Turma, de ementa abaixo transcrita, que deu provimento à apelação da parte autora:
AÇÃO ANULATORIA DE DÉBITO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ.
- O poder de autotutela autoriza a Autarquia Previdenciária, a qualquer tempo rever os seus atos para cancelar ou suspender benefícios, quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473 do E. STF).
- O C. STJ firmou entendimento segundo o qual demonstrado o recebimento de boa-fé pelo segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução os valores recebidos a título de benefício previdenciário ou assistencial, posto que se destinam à sua própria sobrevivência, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
- A recorrida, nascida em 14/03/1936, recebeu amparo social ao idoso, concedido pelo INSS, no período de 03/05/2007 a 31/01/2014. No ano de 2012, a Autarquia realizou a revisão do benefício, concluindo pela ausência de miserabilidade da requerente, eis que seu marido, nascido em 03/08/1936, recebe aposentadoria por idade, no valor de R$ 1.046,32, na competência 10/2012 (salário mínimo: R$ 622,00).
- Em sede de defesa administrativa a Autarquia considerou insuficientes as alegações apresentadas pela parte autora, comunicando-lhe a existência de débito, no valor de R$ 51.660,47.
- Conquanto haja previsão legal de reembolso dos valores indevidamente pagos pelo INSS, conforme disposto no art. 115, inc. II, da Lei n.° 8.213/91, há que se considerar, no caso dos autos, além do caráter alimentar da prestação, a ausência de demonstração de indícios de fraude, que não se presume, ou má-fé da requerente para a obtenção do benefício, pago por decisão administrativa.
- A aposentadoria por idade recebida pelo marido constava dos dados do Sistema Dataprev da Previdência Social, de modo que a Autarquia não pode alegar que não tinha conhecimento do pagamento do benefício. Ademais, a composição do núcleo familiar para efeito de concessão do amparo foi apurada por assistente social que pertence aos quadros da Autarquia, não bastando a mera declaração nos autos administrativo.
- Há que se reconhecer a inexigibilidade do débito.
- Apelação da parte autora provida.
Alega-se “que o v. aresto foi obscuro e omisso quanto às normas expressamente invocadas pela autarquia para respaldar a devolução dos valores pagos indevidamente, quais sejam, os artigos 876, 884 e 885, todos do Código Civil, bem como o artigo 115 da Lei n° 8.213191, e até que ponto os elementos ‘caráter alimentar’ e ‘boa-fé’ invocados no julgado podem obstar essas normas, fundamentos exclusivamente morais, sem indicar eventual respaldo legal para afastar as normas em exame”; que, “caso tenham os eminentes julgadores entendido que as referidas normas entram em eventual conflito com normas constitucionais, supostamente ligadas aos elementos ‘caráter alimentar’ e ‘boa-fé’, deveriam, com a devida vênia, ter indicado quais os dispositivos constitucionais contrariados pelas normas na ação previdenciária e ter declarado a inconstitucionalidade das mesmas na forma prevista pelo artigo 97 da Constituição Federal (‘cláusula de reserva de Plenário’), sob pena de omissão e consequente nulidade insanável”; e que “o v. acórdão ora embargado também não se pronunciou sobre a relevante argumentação da autarquia no sentido de que a devolução dos valores indébitos é essencial à observância dos artigos 37 e 195, § 5°, da Constituição Federal”, requerendo-se que “se esclareça o alcance das expressões ‘caráter alimentar’ dos valores indébitos e ‘boa-fé’ da parte no caso em exame e até que ponto esses elementos dão respaldo legal e/ou constitucional à não incidência das normas supracitadas aos feitos previdenciários”.
Afirma-se, por fim, a intenção de prequestionamento da matéria que se pretende ver analisada pelos Tribunais Superiores.
Ofertadas contrarrazões pela parte contrária.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010923-19.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: ILDA CORREA DA SILVA DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os embargos de declaração têm por objetivo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, ou, como se extrai da obra de Cândido Rangel Dinamarco, "a função estrita de retificar exclusivamente a expressão do pensamento do juiz, sem alterar o pensamento em si mesmo" (Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, Malheiros, p. 688), não se prestando, portanto, a nova valoração jurídica do conteúdo probatório e fatos envolvidos no processo. Ao contrário, de acordo com o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira, seu provimento se dá sem outra mudança no julgado, além daquela consistente no esclarecimento, na solução da contradição ou no suprimento da omissão (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, p. 556).
Cabíveis tão-somente para completar a decisão omissa, aclarar a decisão obscura ou ambígua, suprir a contradição presente na fundamentação ou corrigir, a partir do Código de Processo Civil de 2015, o erro material (art. 1.022, I a III, CPC) – o acórdão é omisso se deixou de decidir algum ponto levantado pelas partes ou se decidiu, mas a sua exposição não é completa; obscuro ou ambíguo quando confuso ou incompreensível; contraditório, se suas proposições são inconciliáveis, no todo ou em parte, entre si; e incorre em erro material quando reverbera inexatidão evidente quanto àquilo que consta nos autos –, não podem rediscutir a causa, reexaminar as provas, modificar a substância do julgado, também não servindo, os embargos de declaração, à correção de eventual injustiça.
Incontroverso, outrossim, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, "que, tendo encontrado motivação suficiente para fundar a decisão, não fica o órgão julgador obrigado a responder, um a um, a todos os questionamentos suscitados pelas partes, mormente se notório seu caráter de infringência do julgado (EDcl no AgInt nos EREsp n. 703.188/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 10/9/2019, DJe de 17/9/2019)".
Ultrapassado o limiar do conhecimento dos embargos manejados, no pressuposto de que a verificação se as alegadas omissão, contradição e obscuridade são capazes ou não de ensejar modificação no julgado representa análise meritória propriamente dita, sendo caso, portanto, de conhecimento, avançando-se no exame dos argumentos apresentados, pese embora ventilada a ocorrência de hipótese legal a autorizar a admissão dos declaratórios, não impressionam a ponto de recomendar o reparo da decisão.
O entendimento adotado foi motivado, verificando-se apenas a divergência entre o posicionamento do julgado e aquele defendido pelo ora insurgente, não se tratando, portanto, de hipótese em que viáveis os embargos de declaração para qualquer tipo de correção.
No voto proferido, integrante do inteiro teor do julgado embargado – a que se remete evitando-se, assim, desnecessária e cansativa reprodução em sua totalidade –, restaram desenvolvidos os fundamentos que levaram o colegiado a dar provimento à apelação da parte autora, merecendo repisamento o seguinte excerto:
Com base em seu poder de autotutela a Autarquia Previdenciária, pode a qualquer tempo rever os seus atos para cancelar ou suspender benefícios, quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473 do E. STF).
Contudo, o C. STJ firmou entendimento de que, demonstrado o recebimento de boa-fé pelo segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução os valores recebidos a título de benefício previdenciário, posto que se destinam à sua própria sobrevivência, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
(...)
Neste caso, conquanto haja previsão legal de reembolso dos valores indevidamente pagos pelo INSS, conforme disposto no art. 115, inc. II, da Lei n.º 8.213/91, há que se considerar, no caso dos autos, além do caráter alimentar da prestação, a ausência de demonstração de indícios de fraude, que não se presume, ou má-fé da requerente para a obtenção do benefício, pago por decisão administrativa.
Não há omissão no acórdão acerca dos artigos 876, 884 e 885, todos do Código Civil, e dos artigos 37 e 195, § 5.°, da Constituição Federal, pois, ao contrário do que alega o INSS, não foram postos à apreciação no decorrer do processo.
Além disso, como salientado acima, estando fundamentada a decisão, o órgão julgador não é obrigado a responder um a um os questionamentos suscitados, muito menos a mencionar todos os fundamentos legais debatidos no processo.
Do que cumpre acrescer, a partir do esforço recursal delineado, a questão relativa à devolução de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social foi submetida ao rito dos recursos repetitivos e registrada como tema 979 no Superior Tribunal de Justiça, tendo no julgamento proferido sido firmada a seguinte tese jurídica:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Ou seja, os pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo são repetíveis, ressalvada a hipótese em que o segurado comprova sua boa-fé objetiva, o que foi objeto de exame pelo acórdão embargado, tendo concluída a Turma julgadora pela “ausência de demonstração de indícios de fraude, que não se presume, ou má-fé da requerente para a obtenção do benefício, pago por decisão administrativa”, destacando que “a aposentadoria por idade recebida pelo marido constava dos dados do Sistema Dataprev da Previdência Social, de modo que a Autarquia não pode alegar que não tinha conhecimento do pagamento do benefício” e que “a composição do núcleo familiar para efeito de concessão do amparo foi apurada por assistente social que pertence aos quadros da Autarquia, não bastando a mera declaração nos autos administrativo”.
Em verdade, discordante com o encaminhamento dado no acórdão, o que se tem é o embargante pretendendo sua rediscussão pela via dos declaratórios, em que pese o deslinde escorreito da controvérsia aqui renovada, resolvida sob perspectiva distinta daquela que atende a seus interesses.
De resto, é firme o entendimento no sentido de que o "escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada ocorrência de qualquer das hipóteses de cabimento previstas em lei" (TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5015270-22.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 23/09/2022, Intimação via sistema DATA: 27/09/2022).
Dito isso, rejeito os presentes embargos de declaração.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EMBARGADO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO.
- Cabíveis tão-somente para completar a decisão omissa, aclarar a decisão obscura ou ambígua, suprir a contradição presente na fundamentação ou corrigir, a partir do Código de Processo Civil de 2015, o erro material (art. 1.022, I a III, CPC) – o acórdão é omisso se deixou de decidir algum ponto levantado pelas partes ou se decidiu, mas a sua exposição não é completa; obscuro ou ambíguo quando confuso ou incompreensível; contraditório, se suas proposições são inconciliáveis, no todo ou em parte, entre si; e incorre em erro material quando reverbera inexatidão evidente quanto àquilo que consta nos autos –, não podem rediscutir a causa, reexaminar as provas, modificar a substância do julgado, também não servindo, os embargos de declaração, à correção de eventual injustiça.
- No caso dos autos, o movimento recursal é todo desenvolvido sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando o recorrente, inconformado com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto, quando, sabe-se bem, o órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
- Em verdade, discordante com o encaminhamento conferido, o que se tem é o embargante pretendendo sua rediscussão pela via dos declaratórios, em que pese o deslinde escorreito da controvérsia aqui renovada, resolvida sob perspectiva distinta daquela que atende a seus interesses.
