
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002834-38.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GERSON JOSE FLAMINIO
Advogado do(a) APELADO: VANDERLEI BRITO - SP103781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002834-38.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GERSON JOSE FLAMINIO
Advogado do(a) APELADO: VANDERLEI BRITO - SP103781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Embargos de declaração (Id. 291687401) de acórdão assim ementado (Id. 287682319):
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO.
- Os embargos de declaração têm por objetivo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional devida, não se prestando a nova valoração jurídica dos fatos e provas envolvidos na relação processual, muito menos a rediscussão da causa ou correção de eventual injustiça.
- In casu, verificada omissão quanto a análise dos recolhimentos realizados pelo autor na qualidade de contribuinte individual.
- Evidenciada a perda da qualidade de segurado, por conseguinte, embargos providos para julgar improcedente o pedido formulado.”
Sustenta a parte autora, em síntese, que houve erro material no julgado, dado que foi compelido pela ré a complementar o valores recolhidos, nos termos do Art. 13 do Decreto n.º 3.048/99, tendo direito a manter a qualidade de segurado. Ao final apresentou requerimento para que os embargos sejam providos, sanado o erro material apontado.
Sem manifestação da parte ré.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002834-38.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GERSON JOSE FLAMINIO
Advogado do(a) APELADO: VANDERLEI BRITO - SP103781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os embargos de declaração têm por objetivo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, ou, como se extrai da obra de Cândido Rangel Dinamarco, "a função estrita de retificar exclusivamente a expressão do pensamento do juiz, sem alterar o pensamento em si mesmo" (Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, Malheiros, p. 688), não se prestando, portanto, a nova valoração jurídica do conteúdo probatório e fatos envolvidos no processo. Ao contrário, de acordo com o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira, seu provimento se dá sem outra mudança no julgado, além daquela consistente no esclarecimento, na solução da contradição ou no suprimento da omissão (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, p. 556).
Cabíveis tão-somente para completar a decisão omissa, aclarar a decisão obscura ou ambígua, suprir a contradição presente na fundamentação ou corrigir, a partir do Código de Processo Civil de 2015, o erro material (art. 1.022, I a III, CPC) – o acórdão é omisso se deixou de decidir algum ponto levantado pelas partes ou se decidiu, mas a sua exposição não é completa; obscuro ou ambíguo quando confuso ou incompreensível; contraditório, se suas proposições são inconciliáveis, no todo ou em parte, entre si; e incorre em erro material quando reverbera inexatidão evidente quanto àquilo que consta nos autos –, não podem rediscutir a causa, reexaminar as provas, modificar a substância do julgado, também não servindo, os embargos de declaração, à correção de eventual injustiça.
No caso dos autos, embora ventilada a ocorrência de hipóteses do art. 1.022 do Código de Processo Civil, relacionadas sobretudo à omissão e contrariedade quanto ao cumprimento dos requisitos legais a concessão da aposentadoria por invalidez, os argumentos apresentados não impressionam a ponto de recomendar o reparo da decisão.
Isso porque o movimento recursal é todo desenvolvido sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando a ora recorrente, inconformada com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto, quando, sabe-se bem, o órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
No caso dos autos, a parte autora alega que houve erro material no acórdão, dado que foi compelida pela ré a complementar o valores recolhidos, nos termos do art. 13 do Decreto n.º 3.048/99, tendo direito a manter a qualidade de segurado.
Inicialmente, no que se refere às alegações da parte autora, depreende-se do contido no voto (Id. 287682317):
“No caso dos autos, a parte ré alega houve omissão, contradição, obscuridade no acórdão, especificamente porque para o contribuinte individual não podem ser consideradas as contribuições para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de benefício, pois apresentam pendências decorrentes do recolhimento em valor inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição, o que descaracterizaria a qualidade de segurado do autor.
Inicialmente, no que se refere ao cumprimento do requisito em debate, depreende-se do contido no Voto (Id. 283268464):
“Objetivando comprovar tal requisito, o autor juntou consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) em que constam vínculos entre 1.º/11/1985 (sem registro de saída), 23/4/1996 a 20/12/2010, 1.º/10/2012 a 31/10/2012, 1.º/1/2013 a 30/4/2013, 1.º/5/2013 a 30/9/2013, 1.º/7/2015 a 31/12/2016, 1.º/2/2017 a 31/3/2017, 1.º/2/2019 a 28/2/2019, 1.º/4/2020 a 31/5/2020, 1.º/2/2021 a 28/2/2021, 1.º/12/2021 a 31/12/2021, 1.º/4/2022 a 30/4/2022 e recebeu auxílio-doença de 23/3/2008 a 11/10/2008 (Id. 282820966).
O perito, ao responder o quesito “7”, fl. 9, Id. 282820981, esclareceu:
“7 - O autor está acometido de tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, estado avançado de doença de paget (osteite deformante), síndrome de deficiência imunológica adquirida (AIDS) e ou contaminação por radiação?
R: Nefropatia grave.”
Mencionada enfermidade consta no rol da Portaria Interministerial nº 2.998, de 23/8/2001, conforme abaixo transcrito:
“Art. 1º As doenças ou afecções abaixo indicadas excluem a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez aos segurados do Regime Geral de Previdência Social - RGPS:
I - tuberculose ativa;
II - hanseníase;
III- alienação mental;
IV- neoplasia maligna;
V - cegueira
VI - paralisia irreversível e incapacitante;
VII- cardiopatia grave;
VIII - doença de Parkinson;
IX - espondiloartrose anquilosante;
X - nefropatia grave;
XI - estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante);
XII - síndrome da deficiência imunológica adquirida - Aids;
XIII - contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina
especializada; e
XIV - hepatopatia grave.”
Logo, dispensado o requisito da carência, bem como comprovada a qualidade de segurado.
Ressalta-se que a regularidade do montante recolhido é matéria de ordem administrativa interna corporis e não influi na contagem dos prazos de contribuição para fins de concessão de benefícios previdenciários.
Assim, tornam-se desnecessárias maiores considerações a respeito desse requisito, restando demonstrada a inocorrência da perda da qualidade de segurado e tendo em vista o ajuizamento da ação em 16/2/2023.
O requerimento administrativo foi apresentado em 14/1/2021 (Id. 282820966).
Demonstrou, outrossim, ter atendido à exigência legal de recolhimento de 12 contribuições previdenciárias para ensejar direito ao benefício por incapacidade.
No que concerne à incapacidade, a perícia médica concluiu ser, o apelado, portador de diabetes mellitus de longa evolução e diagnóstico referido há aproximadamente 25 anos, tornando-se insulino-dependente há 16 anos e posteriormente evoluindo com complicações inerentes à doença de base, dentre elas catarata bilateral, insuficiência renal dialítica, doença coronariana, hérnia incisional e necrose tecidual do hálux direito. Considerou-o incapacitado para o trabalho de forma total e temporária, desde agosto de 2020 (Id. 282820981).
Desse modo, constatada a incapacidade para o exercício de sua atividade habitual, o conjunto probatório restou suficiente para, reconhecer o direito do autor ao recebimento de auxílio-doença.” (grifos nossos)
Em seu recurso, aduz o INSS:
Na hipótese em apreço, as contribuições correspondentes às competências de 01/04/2020 a 31/05/2020, como contribuinte individual, não podem ser consideradas para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de benefício, pois apresentam pendências decorrentes do recolhimento em valor inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição (PREC-MENOR-MIN). Nesse sentido, reproduz-se fragmento do Dossiê Previdenciário em anexo:
(...)
Assim, diante do último recolhimento previdenciário efetuado em 03/2017, ainda que se considere estendido o período de graça na forma do § 1º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, observa-se sobrevinda da perda da qualidade de segurado ao tempo do surgimento do quadro de incapacidade.
Portanto, levando-se em conta ainda que a contribuição correspondente à competência de 02/2019 foi efetuada extemporaneamente, ou seja, apenas em 15/12/2020, portanto, em agosto de 2020 (DII), a parte autora não havia vertido recolhimentos regulares, caso em que não se mostra adequada a cobertura previdenciária conferida.
O requerimento administrativo foi apresentado em 14/1/2021 (Id. 282820966).
A perícia médica concluiu ser, o apelado, incapacitado para o trabalho de forma total e temporária, desde agosto de 2020 (Id. 282820981).
Segundo a documentação juntada aos autos, o autor trabalhava junto à Fundação Getúlio Vargas à época dos fatos, de maneira que a contribuição era responsabilidade da empresa, enquanto que a sua complementação até um salário mínimo era obrigação do segurado.
O contribuinte individual contratado por pessoa jurídica obrigada a proceder à arrecadação e ao recolhimento da contribuição por ele devida, cuja remuneração recebida ou creditada no mês, por serviços prestados a ela, for inferior ao limite mínimo do salário de contribuição, é obrigado a complementar a sua contribuição mensal, consoante determina o art. 5.º da Lei n.º 10.666/2003, in verbis:
Art. 4º Fica a empresa obrigada a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da competência, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia. (Redação dada pela Lei nº 11.933, de 2009). (Produção de efeitos).
Art. 5º O contribuinte individual a que se refere o art. 4º é obrigado a complementar, diretamente, a contribuição até o valor mínimo mensal do salário-de-contribuição, quando as remunerações recebidas no mês, por serviços prestados a pessoas jurídicas, forem inferiores a este.
Dessa forma, as contribuições efetuadas pela pessoa jurídica abaixo do salário mínimo e não complementadas pelo falecido não podem ser consideradas a fim de conferir a qualidade de segurado ao contribuinte individual, pois essa qualidade requer o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, in totum.
Perde a qualidade de segurado da Previdência Social o contribuinte individual que, embora em exercício de atividade remunerada, deixa de recolher suas respectivas contribuições por tempo superior ao "período de graça" (art. 15, § 4.º, da Lei de Benefícios).
Pelo CNIS acostado aos autos, Id. 282821013, nos recolhimentos como contribuinte individual de 1.º/4/2020 a 31/5/2020, verifica-se que há pendência referente ao valor. Ainda, constata-se que a contribuição correspondente à competência de 02/2019 foi efetuada extemporaneamente, apenas em 15/12/2020, posteriormente ao surgimento da incapacidade, em 08/2020 e quando já havia o autor perdido seu vínculo com o sistema previdenciário, uma vez que o último recolhimento regular se dera em 03/2017.
O recolhimento retroativo, referente a período durante o qual o contribuinte individual esteve no exercício de atividade remunerada e não contribuiu, será computado apenas como tempo de contribuição, não o sendo para efeito de carência e nem para fins de manutenção da qualidade de segurado quando já tenha sido ultrapassado o "período de graça" (art. 27, inciso II c. c. o art. 15 da Lei de Benefícios).
Apesar de se tratar de contribuinte obrigatório, é somente com o efetivo recolhimento da primeira contribuição em dia que o contribuinte individual passa a gozar da proteção previdenciária, nos termos do art. 27, inciso II, da LBPS. O primeiro recolhimento efetivado pelo contribuinte individual após ter perdido a qualidade de segurado, caracterizará o seu reingresso ao sistema previdenciário, não sendo computados para efeito de carência os recolhimentos intempestivos referentes a período anterior ao seu reingresso, sendo computados tão-somente como tempo de contribuição (art. 24, parágrafo único, do mesmo diploma).
Conforme bem apontado pelo INSS, "o artigo 29 da Emenda Constitucional n. 103/2019, a partir da competência 11/2019, estabelece que o segurado empregado, trabalhador avulso e empregado doméstico que receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição, somente manterá a qualidade de segurado e fará jus aos demais efeitos previdenciários se efetuar os ajustes de complementação, utilização e agrupamento de contribuições, nos termos do Decreto n. 10.410/2020, que regulamentou o artigo 29 da Emenda Constitucional n. 103/2019, nos moldes do § 1º do artigo 19-E e o § 27-A do artigo 216, ambos do Regulamento da Previdência Social" e, "no caso concreto, a parte autora não se desincumbiu desse ônus e não complementou os recolhimentos realizados em valor inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição, tampouco solicitou ao INSS o aproveitamento de contribuições realizadas a maior, na forma da legislação de regência, ou seja, não existem indicativos de que tenha alcançado o limite mínimo exigido e, por isso, as competências acima indicadas não podem ser consideradas para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de benefício".
Portanto, assiste razão à autarquia embargante, não podendo tais contribuições serem consideradas para fins de manutenção da qualidade de segurado.
Forçoso, portanto, o reconhecimento da improcedência do pedido, em razão da perda da qualidade de segurado do autor.”
Dois aspectos devem ser ressaltados.
Primeiramente, que as contribuições efetuadas pela pessoa jurídica abaixo do salário mínimo e não complementadas pelo falecido não podem ser consideradas a fim de conferir a qualidade de segurado ao contribuinte individual, pois essa qualidade requer o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias em sua totalidade.
Em segundo lugar, que o recolhimento retroativo, relacionado a período durante o qual o contribuinte individual esteve no exercício de atividade remunerada e não efetuou as contribuições devidas, será computado apenas como tempo de contribuição, não o sendo para efeito de carência e nem para fins de manutenção da qualidade de segurado quando já tenha sido ultrapassado o "período de graça" (art. 27, inciso II c. c. o art. 15 da Lei de Benefícios).
Logo, em que pese exista a possibilidade de recolhimento posterior, em razão de sua extemporaneidade, somente será computado para fins de tempo de contribuição, não se prestando a conferir ou manter a qualidade de segurado ao beneficiário.
Diante do descrito, inexiste erro material, a parte autora visa, em verdade, a reforma da decisão, porém, utiliza meio inadequado para tal fim.
Por fim, o entendimento da 3ª Seção deste Tribunal é firme em que o "escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada ocorrência de qualquer das hipóteses de cabimento previstas em lei." (n.º 5001261-60.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, j. 29.4.2020).
Dito isso, nego provimento aos embargos de declaração.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EMBARGADO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO.
- Os embargos de declaração têm por objetivo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional devida, não se prestando a nova valoração jurídica dos fatos e provas envolvidos na relação processual, muito menos a rediscussão da causa ou correção de eventual injustiça.
- Embora ventilada a existência de hipóteses do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os argumentos apresentados não impressionam a ponto de recomendar o reparo da decisão, porquanto o movimento recursal é todo desenvolvido sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando a ora recorrente, inconformada com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto.
- O órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
