
| D.E. Publicado em 09/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o pedido formulado na presente demanda rescisória para desconstituir o v. acórdão proferido na Apelação Cível nº 0004776-78.2010.4.03.6109/SP e, em juízo rescisório, por maioria, determinar o prosseguimento da ação subjacente, com a submissão do recurso interposto pela parte impetrante a julgamento pela respectiva Turma, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0010270-05.2016.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada por JOSÉ LUIZ DE OLIVEIRA, com fundamento no artigo 966, incisos VIII, do Código de Processo Civil (2015), visando rescindir o v. acórdão proferido pela 7ª Turma desta E. Corte Regional, nos autos da Apelação Cível n. 0004776-78.2010.4.03.6109/SP, originários do mandado de segurança n. 0004776-78.2010.403.6109, que tramitou perante a 3ª Vara Federal de Piracicaba/SP.
Sustenta a parte autora, em síntese, que o julgado rescindendo incorreu em erro de fato ao manter a decisão monocrática de fls. 208/210, que negou seguimento à apelação do INSS e à remessa oficial, uma vez que o recurso existente era apenas a apelação interposta pela parte autora em razão da denegação da segurança (fls. 171/174), ou seja, apreciou matéria estranha aos autos.
Aduz, ainda, que deve ser considerada especial a atividade desenvolvida no período de 14.12.1998 a 04.01.2006, em razão da exposição à tensão elétrica acima de 250 volts, bem como ao ruído à intensidade de 91 decibéis, fazendo, jus, portanto, à aposentadoria por tempo de contribuição na data da DER (23.02.2010).
Os benefícios da gratuidade da justiça foram deferidos (fl. 260).
Citada, a parte ré apresentou contestação (fls. 262/275), sustentando, preliminarmente, a carência da ação, por não se tratar de hipótese de rescisão do julgado e, no mérito, pugna pela improcedência do pedido.
Réplica às fls. 288/295.
As partes não postularam a produção de provas (fls. 298/299 e 301).
Alegações finais das partes às fls. 303/308 e fl. 309.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, verifico ser tempestivo o ajuizamento desta ação rescisória, eis que se deu antes do transcurso do prazo decadencial de 02 (dois) anos, previsto no art. 975 do CPC/2015, contado a partir da data do trânsito em julgado do julgado rescindendo.
As matérias preliminares confundem-se com o mérito e com ele serão apreciadas.
Do alegado erro de fato
Para efeito de rescisão do julgado, entende-se configurado o erro de fato (art. 966, VIII, do CPC/2015) quando o julgador não percebe ou tem falsa percepção acerca da existência ou inexistência de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão. Não se cuida, portanto, de um mero erro de julgamento, mas de uma falha no exame do processo a respeito de um ponto decisivo para a solução da lide.
No presente caso, o julgado rescindendo apreciou matéria estranha aos autos, conforme se constata da simples leitura da decisão monocrática de fls. 208/210, em que o relatório não retrata a situação trazida na inicial da ação subjacente, e o voto não analisa o recurso de apelação da parte ora autora.
Assim, caracterizada a hipótese legal do inciso VIII do artigo 966 do Código de Processo Civil/2015, rescinde-se o julgado questionado. Passo à análise do pedido rescisório.
Por oportuno, saliento que a ação originária se trata de mandado de segurança, cuja matéria de fato deve vir comprovada por meio de prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória acerca da liquidez e certeza do direito alegado.
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, é de se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição ao nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superior a 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: "i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos".
NO CASO DOS AUTOS, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 32 (trinta e dois) anos, 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de tempo de contribuição (fl. 130), tendo sido reconhecidos como de natureza especial os períodos de 02.04.1974 a 14.02.1975, 06.04.1978 a 22.07.1980 e 01.10.1987 a 13.12.1998 (fl. 124). Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba apenas o reconhecimento da natureza especial das atividades exercidas no período de 14.12.1998 a 04.01.2006.
Ocorre que, no período de 14.12.1998 a 04.01.2006, a parte autora esteve exposta a ruídos acima dos limites legalmente admitidos (fls. 105/107), devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades exercidas nesses períodos, conforme código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, código 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99, neste ponto observado, ainda, o Decreto nº 4.882/03, bem como esteve sujeita de forma habitual e permanente a tensão elétrica superior a 250 volts, enquadrando-se, pois, no item 1.1.8. do Decreto nº 53.831/64.
O agente nocivo "eletricidade", acima de 250 volts, teve enquadramento no Decreto nº 53.831/64 (código 1.1.8) até 05.03.97, data da edição do Decreto nº 2.172/97, que não mais o relacionou entre os agentes nocivos à saúde do trabalhador.
Contudo, a simples ausência de previsão no decreto não é suficiente para retirar a periculosidade da atividade exercida pela parte autora.
Impende destacar que a classificação das atividades profissionais sujeitas aos agentes nocivos à saúde, constante dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, tem sentido apenas exemplificativo, exigindo-se, contudo, prova da efetiva exposição e da insalubridade. De igual modo, com a publicação do Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, foi revogado o Decreto nº 2.172/97, e nas sucessivas alterações posteriores evidenciou-se o caráter exemplificativo do rol dos agentes e das atividades nocivas à saúde do trabalhador, firmando-se, entretanto, a exigência de prova formal.
O E. Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que os trabalhadores que exerçam atividades periculosas têm direito à contagem de tempo especial, desde que comprovada a especialidade, como se verifica dos arestos abaixo colacionados:
Sendo assim, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 35 (trinta e cinco) anos e 02 (dois) meses de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e a carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição.
Na eventualidade do tempo de contribuição ora reconhecido possibilitar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição segundo as regras da EC nº 20/98, deverá o INSS implantar a melhor hipótese financeira.
Para o cálculo da renda mensal inicial do benefício, o INSS deverá considerar como termo inicial a data do requerimento administrativo (23.02.2010), sendo que a implantação do benefício e o pagamento das parcelas atrasadas diretamente à parte autora deverão se dar na forma e prazos estabelecidos na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99.
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Novo Código de Processo Civil/2015.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar pelo beneficio que entenda ser-lhe mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado na presente demanda rescisória para desconstituir o v. acórdão proferido na Apelação Cível nº 0004776-78.2010.4.03.6109/SP, e, em juízo rescisório, julgo procedente o pedido formulado na demanda subjacente, concedendo a segurança, a fim de determinar que INSS conceda à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da DER (23.02.2010), bem como ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil/2015, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 01/10/2018 16:40:21 |
