D.E. Publicado em 20/03/2018 |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. INÉPCIA DA INICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar nula, de ofício a r. sentença, e julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade, restando prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008800-52.2010.4.03.6109/SP
RELATÓRIO
O EXMO SENHOR DESEMBARGADOR DAVID DANTAS
A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando, em síntese, o reconhecimento de labor rural em regime de economia familiar, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Em 13/05/2011 foi proferida a sentença de fls. 39/40, que extinguiu o feito sem exame do mérito diante da ausência de prévio requerimento administrativo.
Em 04/07/2012 (fls. 60/61) esta Corte anulou o julgado e determinou o retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento.
Após a contestação e a produção da prova oral, o feito foi convertido em diligência para que a parte autora emendasse a inicial indicando o intervalo de labor rural que pretende ver reconhecido (fls. 98).
Contra essa decisão foram opostos os embargos de declaração de fls. 107/109, os quais restaram não conhecidos a fls. 110.
Posteriormente, em 21/08/2017 (fls. 113/114), foi indeferida a petição inicial e extinto o feito nos termos dos artigos 485, I e 321, parágrafo único do Código de Processo Civil.
A parte autora apelou. Requer, em suma, a reforma do julgado, a fim de que seja reconhecido o período de labor declinado na inicial e deferido o benefício pleiteado.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008800-52.2010.4.03.6109/SP
VOTO
O EXMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS
O art. 319 do Código Processual Civil exige que a parte requerente indique fatos e fundamentos jurídicos de seu pedido como requisitos da petição inicial. À míngua de qualquer um deles, a peça será tida por inepta, podendo ser indeferida, conforme dispõe o art. 330, I, parágrafo único, do mesmo Codex vigente.
À parte autora compete, ainda, instruir a inicial com os documentos indispensáveis à propositura da demanda, bem assim com aqueles que forem necessários ao deslinde da causa, à luz do art. 320, também do CPC.
No caso em tela, o douto Juiz a quo indeferiu a petição inicial em razão da aparente ausência de indicação do período de labor rural que a autora pretende que seja reconhecido.
De uma leitura detida da petição inicial, no entanto, é possível se extrair os elementos necessários à lide, em que a parte autora objetiva a concessão de benefício previdenciário de "aposentadoria por idade" em razão de exercício laborativo rural no período compreendido entre 1985 e os dias atuais.
Não há, assim, por que se falar em inépcia da inicial, tendo em vista que a exordial trouxe aos autos fatos aptos à instauração da relação processual, de modo a permitir à parte contrária o exercício da ampla defesa.
Neste diapasão, cumpridos os requisitos dos arts. 319 e 320, ambos do CPC, impõe-se a anulação da sentença, sob pena, inclusive, de violação ao princípio constitucional do devido processo legal e do contraditório.
Confiram-se, a propósito: C. STJ - RMS nº 3568/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, j. 14/9/94, DJ 17/10/94, p. 27860; e TRF-3ª Região - AC 2009.03.99.038090-8, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, j. 25/02/2010).
Ademais, a esse respeito, trago à colação comentário trazido por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, na obra Código de Processo Civil Comentado, 10ª edição, atualizada até 01/10/2007, pag. 562: "Compreensão da inicial. Nada obstante confusa e imprecisa, se a petição inicial permitiu a avaliação do pedido e possibilitou a defesa e o contraditório, não é de considerar-se inepta (JTJ 141/37).
Portanto, declaro nula, de ofício, a sentença prolatada.
Porém, ainda que declarada nulidade da sentença, entendo não ser o caso de se determinar a remessa dos autos à Vara de origem, para a prolação de nova decisão e, sim, de se passar ao exame das questões suscitadas.
A prolação de sentença nula não impede a apreciação do pedido por esta Corte. Trata-se de questão em condições de imediato julgamento, cujo conhecimento atende aos princípios da celeridade e da economia processual, bem como encontra respaldo na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII, com a redação dada pela EC 45/2004) e na legislação adjetiva (art. 1.013, § 3º, III, do novo CPC, em aplicação analógica).
DA APOSENTADORIA POR IDADE
Busca a autora, nascida em 1955, a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Discute-se, nestes autos, o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, sendo imprescindível a comprovação da idade mínima e o desenvolvimento de atividade rural pelo período exigido na Lei n. 8.213/91.
A Lei nº 8.213/91, em seus artigos 39, inciso I, 48, 142 e 143, estabelece os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por idade a rurícola.
Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o artigo 142, que assim dispõe:
No mais, segundo o RESP 1.354.908, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), necessária a comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior à aquisição da idade:
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
Ao caso dos autos.
A parte autora completou a idade mínima de 55 anos em 2010, devendo comprovar o exercício de atividade rural por 174 meses.
Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoável de prova documental, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
No caso em questão, para comprovar o exercício de atividade rural a requerente apresentou cópias de documentos que indicam a condição de proprietário e produtor rural de seu genitor a partir de 1985 (escritura de imóvel rural, declaração cadastral, recibos de entrega de ITR, nota fiscal e outros - fls. 17/32).
Na hipótese concreta, porém, não é possível admitir tais documentos como início de prova material, pois a promovente qualifica-se como casada na petição inicial, o que afasta o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é possível estender a prova da qualificação do genitor para a concessão do benefício de aposentadoria rural à filha, pois a hipótese contempla apenas a mulher solteira que permaneça morando com os pais.
Ademais, o documento de fls. 86/87 (comunicado de queima de cana emitido pela Associação dos Fornecedores de Cana de Piracicaba) indica a exploração agrícola em ao menos 07 imóveis rurais ao mesmo tempo (Congonhal I, Marquezin I, Monte Branco, Sítio Santo Antonio, Sítio São Benedito, Sítio São Geronimo e Sítio Serra Azul), o que descaracteriza o regime de economia familiar, que pressupõe que os membros da família trabalhem no imóvel rural, sem o auxílio de empregados, para sua própria subsistência, o que não ficou comprovado no presente feito.
Desta feita, ainda que fosse possível estender a qualificação do genitor à autora, não restou devidamente evidenciada a relação dos membros do núcleo familiar em regime de economia mútua, que pressupõe rudimentar economia rural de subsistência, uma pequena roça onde residem todos os membros de uma mesma família de roceiros, campesinos e, nessa terra, moram e dela retiram seu sustento.
Certo é que o artigo 143 da Lei nº 8.213/91 refere-se ao pequeno produtor "categoria especial", artigo 11, inciso VII, figuras não-condizentes com as características de detentores de propriedade rural em caráter de empreendimento.
Muito embora as testemunhas tenham afirmado o trabalho rural pela autora, é impossível reconhecer o período de atividade rural com base apenas em prova oral.
Nesse sentido, os seguintes julgados desta 8ª Turma:
Ressalto, por fim, que inexiste nos autos qualquer documento em que a autora esteja qualificada como trabalhadora rural.
Diante da insuficiência do conjunto probatório presente nos autos, para efeito de comprovação do exercício de atividade rural na condição de segurada especial durante o período exigido pela Lei nº 8.213/91, a parte autora não faz jus ao benefício pleiteado.
Condeno parte autora ao pagamento da verba honorária, que ora estipulo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), na esteira da orientação erigida pela E. Terceira Seção desta Corte (Precedentes: AR 2015.03.00.028161-0/SP, Relator Des. Fed. Gilberto Jordan; AR 2011.03.00.024377-9/MS, Relator Des. Fed. Luiz Stefanini). Sem se olvidar tratar-se de parte beneficiária da assistência judiciária gratuita, observar-se-á, in casu, a letra do art. 98, parágrafo 3º, do CPC/2015.
Isso posto, anulo de ofício a r. sentença e, nos termos do artigo 1013, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, na forma acima fundamentada. Prejudicado o recurso de apelação da parte autora.
É O VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 05/03/2018 16:47:14 |