Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001026-58.2018.4.03.6345
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA MELCHIORI BEZERRA
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
19/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 25/08/2021
Ementa
E M E N T A
I- VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO INSS.
NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de declaração de inexigibilidade da cobrança do débito no valor de R$ 49.474,88
(quarenta e nove mil quatrocentos e setenta e quatro reais e oitenta e oito centavos), referente a
aposentadoria por idade concedida pelo INSS em 17.01.2013 e cessada em 15.02.2018, após
supostas irregularidades apuradas pela autarquia.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
Postula a autora seja declarado inexistente o débito que a autarquia previdenciária está a lhe
exigir, referente às prestações que lhe foram pagas do benefício de aposentadoria por idade, no
período de 17/01/2013 a 31/03/2018.
Aduz, em prol de sua pretensão, que em janeiro de 2013 procurou uma pessoa de nome Adriano,
que a orientou acerca dos documentos necessários para protocolizar o requerimento do
benefício. Por ele foi informada de que seria necessário realizar o pagamento de três anos para
alcançar a jubilação.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Realizado o pagamento e fornecidos os documentos por ele indicados, após sessenta dias
recebeu carta de concessão do benefício de aposentadoria por idade, com início em 17/01/2013.
Não obstante, relata que em 15/02/2018 recebeu um ofício do INSS informando que o benefício
foi concedido indevidamente, eis que o vínculo de emprego com a empresa “Mercado Leymar”
não foi confirmado. Em decorrência, deveria a autora devolver os valores recebidos no período,
no importe de R$ 49.474,88 (quarenta e nove mil, quatrocentos e setenta e quatro reais e oitenta
e oito centavos).
Declara, contudo, que agiu de boa-fé, acreditando encontrar-se em gozo do benefício de forma
lícita, em nada participando da fraude praticada pela pessoa que a representou perante a
Autarquia.
Assim, postula a declaração da inexigibilidade do débito contra si imputado, por agir de boa-fé e
por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Pois bem. Examinando os documentos que instruíram a inicial (evento 2), verifica-se que o
benefício da autora teve o ato de concessão revisto em razão de informações apuradas no curso
da “Operação Sofisma”, realizada pelo Departamento de Polícia Federal de Marília (fls. 09), que
resultou no indiciamento e denúncia do procurador constituído pela autora para representá-la
perante o INSS, Adriano Barbosa Leal, consoante documentos de fls. 28/34 do evento 2.
Por ofício juntado às fls. 09 do evento 2, datado de 05/12/2017, foi ela notificada a apresentar
“documentos pessoais (RG e CPF) e Carteiras de Trabalho e Previdência Social – CTPS nº
003721 série 264 (primeira via e continuação), bem como, qualquer outro documento referente
aos vínculos de emprego registrados nesses documentos e qualquer outra Carteira de Trabalho e
Previdência Social – CTPS de que seja titular”.
Os documentos solicitados pela Autarquia foram juntados às fls. 35/46 do evento 2. Dentre eles,
destaca-se o comprovante de cadastramento da autora no Programa de Integração Social – PIS
(fls. 35), realizado em 01/01/1971 pelo empregador de CNPJ nº 60.676.129/0001-46.
O mesmo documento foi apresentado ao INSS (fls. 81 do evento 11).
Também no evento 11 verifica-se que o estabelecimento “Mercados Leymar Ltda.” tem o mesmo
número identificador indicado no cadastro do PIS (fls. 173), identidade confirmada pela certidão
de baixa de inscrição no CNPJ apresentada pela sucessora do sócio-gerente da aludida
sociedade empresária, juntada às fls. 19 do evento 12.
Desse modo, observo que o cadastro da autora no Programa de Integração Social – PIS foi
realizado em 01/01/1971 por sua primeira empregadora de forma contemporânea ao registro em
CTPS, ainda que em data posterior ao início do vínculo, ocorrido em 06/08/1970, e que se
estendeu até 26/11/1976.
Assim, os documentos presentes nos autos não autorizam a conclusão de se tratar de benefício
concedido mediante fraude. Ao contrário, a despeito da ausência de folhas na CTPS da autora
(fls. 37 do evento 2), as demais anotações convergem para a efetiva existência do vínculo laboral
alardeado como simulado.
Veja-se, neste ponto, a conclusão alcançada pela equipe de monitoramento do próprio Instituto-
réu, constante de relatório datado de 12/06/2018 (evento 11):
“13.1. Com relação à CTPS onde consta o vínculo com a empresa MERCADO LEYMAR LTDA.:
a) Existem anotações nas folhas 30 a 32, 38, 42, 51, 52 e 69 do citado documento (fls. 100/113
do processo);
b) Consta informação sobre opção pelo Fundo de Garantia de Termpo de Serviço - FGTS em
01/07/1968 com retratação de 20/06/1970;
c) A anotação da folha 51, s.m.j, informa:
- ‘Substituição da carteira de menor nº 67594 série 12ª SP S. Paulo, 30/08/70’ com carimbo
MERCADOS LEYMAR LTDA. e assinado;
- ‘Admissão da portadora da presente foi em 01/07/1968.’ com carimbo MERCADOS LEYMAR
LTDA. e assinado” (fls. 139).
“Foi realizada nova análise dos elementos sendo que apesar dos indícios de irregularidade
(dados divergentes) e da participação do Sr. Adriano Barbosa Leal, CPF 170.384.578-10, ocorreu
a impossibilidade de comprovação ou não do vínculo com a empresa ‘Mercado Leymar’, pois
conforme resposta recebida da Sra. Soely Aparecida Pereira Martho a documentação da empresa
foi extraviada. Assim, concluiu-se que não há elementos no momento que possam nos levar a
afirmar sobre a prática de fraude , desta forma, solicitou-se a Seção de Manutenção-SMAN, OL
2152714, que fosse alterado o motivo de cessação para ’31 – Irregularidade/Erro Administrativo’
até que novos elementos sejam apresentados de forma a criar convicção sobre a prática de
fraude/crime contra a Administração Pública” (fls. 142).
Logo, a equipe de monitoramento do próprio Instituto-réu não concluiu pela presença de fraude
ou conluio da autora com seu procurador para a concessão do benefício. Aliás, de todo os
elementos materiais reunidos nos autos, não se conclui sequer que o vínculo de trabalho
inexistiu.
De todo modo, o benefício foi cessado no orbe administrativo, sem notícia de eventual recurso
pela parte autora. Assim, afigura-se legítima a pretensão de ressarcimento aos cofres do INSS
dos valores pagos no seu entender indevidamente, com a ressalva de que, se demonstrados
dolo, fraude ou má-fé, a restituição deverá ser feita de uma só vez (artigo 154, § 2º, do
Regulamento da Previdência Social).
(...)
Pela redação do dispositivo legal, mesmo em caso de recebimento de benefício de boa-fé o
desconto poderá ser feito, porém de forma parcelada. Essa é a interpretação literal do referido
texto.
Entretanto, o melhor entendimento jurisprudencial considera incabível a devolução de valores
recebidos de boa-fé, quando de caráter alimentar. Nesse caso, a interpretação dada ao
dispositivo legal funda-se no principio da boa-fé.
(...)
Sobressai nesta análise o princípio da boa-fé. Em sendo o benefício previdenciário de natureza
alimentar, a construção jurisprudencial baseada neste princípio fundamenta a conclusão de que
os valores pagos indevidamente pela autarquia ao beneficiário de boa-fé são irrepetíveis.
Assim, mesmo se considerando que “a Chefia do Serviço de Benefícios não encontrou elementos
que pudessem comprovar o vínculo com a empresa MERCADO LEYMAR LTDA.” (fls. 140 do
evento 11), o que resultou na cessação do benefício auferido pela autora, não se pode atribuir ao
beneficiário a responsabilidade pelo pagamento tido por indevido, porquanto não concorreu, sob
qualquer forma, para tal equívoco. Ademais, o próprio INSS assim o reconhece ao fundamentar a
cessação do benefício em “Irregularidade/Erro Administrativo”, consoante extrato de fls. 132 do
evento 11.
Logo, não há débito a ser pago pela autora e, assim, incabível a exigência de restituição.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, resolvendo o mérito nos
termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA
rogada pela autora, diante da natureza alimentar do benefício previdenciário, devendo o INSS se
abster de cobrar as prestações do benefício de aposentadoria por idade NB 148.415.829-3,
pagas à parte autora no período de 17/01/2013 a 31/03/2018.
Defiro a gratuidade da justiça. Sem condenação em custas e honorários nesta instância, na forma
do art. 55, caput, da Lei nº 9.099/1995.
(...)”
3. Recurso do INSS: Alega que o benefício da autora foi identificado como integrante do grupo de
benefícios concedidos mediante fraudes à Previdência Social, que conduziram à deflagração da
"Operação Sofisma" pela Polícia Federal (Inquérito Policial n.º 130/2015/DPF/MII/SP), em
meados de 2016, após provocação da autarquia recorrente, na esteira do descoberto durante sua
rotineira "pesquisa estratégica e de gerenciamento de riscos". Aduz que o requerimento
administrativo de concessão do benefício foi instruído com a Carteira de Trabalho e Previdência
Social (CTPS) n.º 3.721, série 264, em que houve a extração de diversas folhas, muitas delas em
relação ao período do suposto vínculo com a sociedade empresária Mercado Leymar Ltda., a
qual constatou-se que estava encerrada há mais de vinte anos e que todos os seus documentos
foram extraviados após a morte do antigo sócio-administrador. Alega que, nesse contexto, a
autora foi instada a apresentar documentos capazes de comprovar os vínculos empregatícios que
possibilitaram a concessão do benefício previdenciário, mas o conjunto probatório fornecido foi
incapaz de evidenciar os liames necessários à demonstração da carência mínima de 180
contribuições mensais para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do
art. 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, o que ensejou a invalidação do ato administrativo de
concessão do benefício. Aduz que, embora não tenha sido possível aferir a existência de má-fé
da autora, bem como o conluio deliberado com o seu representante, é cediço que esse fato não
elimina seu dever de ressarcimento ao erário pelas quantias indevidamente recebidas. Sustenta
que o recebimento indevido de benefício previdenciário deve ser ressarcido, independentemente
de boa-fé no seu recebimento, pouco importando tenha a concessão advindo de erro
administrativo. Requer a reforma da sentença, “a. determinando-se a suspensão do processo até
ulterior decisão do Superior Tribunal de Justiça, no bojo do REsp n.º 1.381.734/RN; e b. após a
retomada da marcha processual, com a decisão do recurso especial repetitivo, provê-lo, julgando-
se improcedente o pedido deduzido pela recorrida.”
4. De pronto, consigne-se o julgamento, pelo STJ, do tema 979, com a fixação da seguinte tese:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido. Modulação de efeitos: somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir de 23/4/2021, data da
publicação do acórdão no DJe.” Logo, não há mais que se falar em sobrestamento do feito.
5. De acordo com os documentos anexados aos autos, a parte autora esteve em gozo de
aposentadoria por idade no período de 17.01.2013 a 31.03.2018 (fls. 91, evento 11). O benefício
foi cessado por não comprovação do vínculo empregatício com o empregador MERCADO
LEYMAR LTDA (06.08.1970 a 26.11.1976), o que acarretou o não cumprimento da carência
necessária à obtenção do benefício de aposentadoria por idade (fls. 137/142, evento 11).
6. Outrossim, em que pese a não comprovação da existência do vínculo empregatício acima
mencionado, em razão de irregularidades na anotação em CTPS e de ausência de outros
documentos, bem como anotação no CNIS, não restou inequivocamente comprovado que o
pagamento indevido do benefício de aposentadoria por idade se deu com participação dolosa da
parte autora, presumindo-se, pois, sua boa-fé. Portanto, nos termos do entendimento firmado pelo
STJ, supra apontado, não assiste razão ao INSS em seu recurso.
7. Deste modo, a despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou corretamente
todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo o
recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação.
8. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r.
sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da
Lei nº 9.099/95. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
9. Recorrente condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da causa.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001026-58.2018.4.03.6345
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: IVANIR VILLA RASQUERI
Advogado do(a) RECORRIDO: ALVARO TELLES JUNIOR - SP224654-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001026-58.2018.4.03.6345
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: IVANIR VILLA RASQUERI
Advogado do(a) RECORRIDO: ALVARO TELLES JUNIOR - SP224654-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001026-58.2018.4.03.6345
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: IVANIR VILLA RASQUERI
Advogado do(a) RECORRIDO: ALVARO TELLES JUNIOR - SP224654-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
E M E N T A
I- VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO INSS.
NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de declaração de inexigibilidade da cobrança do débito no valor de R$ 49.474,88
(quarenta e nove mil quatrocentos e setenta e quatro reais e oitenta e oito centavos), referente
a aposentadoria por idade concedida pelo INSS em 17.01.2013 e cessada em 15.02.2018, após
supostas irregularidades apuradas pela autarquia.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
Postula a autora seja declarado inexistente o débito que a autarquia previdenciária está a lhe
exigir, referente às prestações que lhe foram pagas do benefício de aposentadoria por idade, no
período de 17/01/2013 a 31/03/2018.
Aduz, em prol de sua pretensão, que em janeiro de 2013 procurou uma pessoa de nome
Adriano, que a orientou acerca dos documentos necessários para protocolizar o requerimento
do benefício. Por ele foi informada de que seria necessário realizar o pagamento de três anos
para alcançar a jubilação.
Realizado o pagamento e fornecidos os documentos por ele indicados, após sessenta dias
recebeu carta de concessão do benefício de aposentadoria por idade, com início em
17/01/2013.
Não obstante, relata que em 15/02/2018 recebeu um ofício do INSS informando que o benefício
foi concedido indevidamente, eis que o vínculo de emprego com a empresa “Mercado Leymar”
não foi confirmado. Em decorrência, deveria a autora devolver os valores recebidos no período,
no importe de R$ 49.474,88 (quarenta e nove mil, quatrocentos e setenta e quatro reais e
oitenta e oito centavos).
Declara, contudo, que agiu de boa-fé, acreditando encontrar-se em gozo do benefício de forma
lícita, em nada participando da fraude praticada pela pessoa que a representou perante a
Autarquia.
Assim, postula a declaração da inexigibilidade do débito contra si imputado, por agir de boa-fé e
por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Pois bem. Examinando os documentos que instruíram a inicial (evento 2), verifica-se que o
benefício da autora teve o ato de concessão revisto em razão de informações apuradas no
curso da “Operação Sofisma”, realizada pelo Departamento de Polícia Federal de Marília (fls.
09), que resultou no indiciamento e denúncia do procurador constituído pela autora para
representá-la perante o INSS, Adriano Barbosa Leal, consoante documentos de fls. 28/34 do
evento 2.
Por ofício juntado às fls. 09 do evento 2, datado de 05/12/2017, foi ela notificada a apresentar
“documentos pessoais (RG e CPF) e Carteiras de Trabalho e Previdência Social – CTPS nº
003721 série 264 (primeira via e continuação), bem como, qualquer outro documento referente
aos vínculos de emprego registrados nesses documentos e qualquer outra Carteira de Trabalho
e Previdência Social – CTPS de que seja titular”.
Os documentos solicitados pela Autarquia foram juntados às fls. 35/46 do evento 2. Dentre eles,
destaca-se o comprovante de cadastramento da autora no Programa de Integração Social – PIS
(fls. 35), realizado em 01/01/1971 pelo empregador de CNPJ nº 60.676.129/0001-46.
O mesmo documento foi apresentado ao INSS (fls. 81 do evento 11).
Também no evento 11 verifica-se que o estabelecimento “Mercados Leymar Ltda.” tem o
mesmo número identificador indicado no cadastro do PIS (fls. 173), identidade confirmada pela
certidão de baixa de inscrição no CNPJ apresentada pela sucessora do sócio-gerente da
aludida sociedade empresária, juntada às fls. 19 do evento 12.
Desse modo, observo que o cadastro da autora no Programa de Integração Social – PIS foi
realizado em 01/01/1971 por sua primeira empregadora de forma contemporânea ao registro
em CTPS, ainda que em data posterior ao início do vínculo, ocorrido em 06/08/1970, e que se
estendeu até 26/11/1976.
Assim, os documentos presentes nos autos não autorizam a conclusão de se tratar de benefício
concedido mediante fraude. Ao contrário, a despeito da ausência de folhas na CTPS da autora
(fls. 37 do evento 2), as demais anotações convergem para a efetiva existência do vínculo
laboral alardeado como simulado.
Veja-se, neste ponto, a conclusão alcançada pela equipe de monitoramento do próprio Instituto-
réu, constante de relatório datado de 12/06/2018 (evento 11):
“13.1. Com relação à CTPS onde consta o vínculo com a empresa MERCADO LEYMAR LTDA.:
a) Existem anotações nas folhas 30 a 32, 38, 42, 51, 52 e 69 do citado documento (fls. 100/113
do processo);
b) Consta informação sobre opção pelo Fundo de Garantia de Termpo de Serviço - FGTS em
01/07/1968 com retratação de 20/06/1970;
c) A anotação da folha 51, s.m.j, informa:
- ‘Substituição da carteira de menor nº 67594 série 12ª SP S. Paulo, 30/08/70’ com carimbo
MERCADOS LEYMAR LTDA. e assinado;
- ‘Admissão da portadora da presente foi em 01/07/1968.’ com carimbo MERCADOS LEYMAR
LTDA. e assinado” (fls. 139).
“Foi realizada nova análise dos elementos sendo que apesar dos indícios de irregularidade
(dados divergentes) e da participação do Sr. Adriano Barbosa Leal, CPF 170.384.578-10,
ocorreu a impossibilidade de comprovação ou não do vínculo com a empresa ‘Mercado
Leymar’, pois conforme resposta recebida da Sra. Soely Aparecida Pereira Martho a
documentação da empresa foi extraviada. Assim, concluiu-se que não há elementos no
momento que possam nos levar a afirmar sobre a prática de fraude , desta forma, solicitou-se a
Seção de Manutenção-SMAN, OL 2152714, que fosse alterado o motivo de cessação para ’31 –
Irregularidade/Erro Administrativo’ até que novos elementos sejam apresentados de forma a
criar convicção sobre a prática de fraude/crime contra a Administração Pública” (fls. 142).
Logo, a equipe de monitoramento do próprio Instituto-réu não concluiu pela presença de fraude
ou conluio da autora com seu procurador para a concessão do benefício. Aliás, de todo os
elementos materiais reunidos nos autos, não se conclui sequer que o vínculo de trabalho
inexistiu.
De todo modo, o benefício foi cessado no orbe administrativo, sem notícia de eventual recurso
pela parte autora. Assim, afigura-se legítima a pretensão de ressarcimento aos cofres do INSS
dos valores pagos no seu entender indevidamente, com a ressalva de que, se demonstrados
dolo, fraude ou má-fé, a restituição deverá ser feita de uma só vez (artigo 154, § 2º, do
Regulamento da Previdência Social).
(...)
Pela redação do dispositivo legal, mesmo em caso de recebimento de benefício de boa-fé o
desconto poderá ser feito, porém de forma parcelada. Essa é a interpretação literal do referido
texto.
Entretanto, o melhor entendimento jurisprudencial considera incabível a devolução de valores
recebidos de boa-fé, quando de caráter alimentar. Nesse caso, a interpretação dada ao
dispositivo legal funda-se no principio da boa-fé.
(...)
Sobressai nesta análise o princípio da boa-fé. Em sendo o benefício previdenciário de natureza
alimentar, a construção jurisprudencial baseada neste princípio fundamenta a conclusão de que
os valores pagos indevidamente pela autarquia ao beneficiário de boa-fé são irrepetíveis.
Assim, mesmo se considerando que “a Chefia do Serviço de Benefícios não encontrou
elementos que pudessem comprovar o vínculo com a empresa MERCADO LEYMAR LTDA.”
(fls. 140 do evento 11), o que resultou na cessação do benefício auferido pela autora, não se
pode atribuir ao beneficiário a responsabilidade pelo pagamento tido por indevido, porquanto
não concorreu, sob qualquer forma, para tal equívoco. Ademais, o próprio INSS assim o
reconhece ao fundamentar a cessação do benefício em “Irregularidade/Erro Administrativo”,
consoante extrato de fls. 132 do evento 11.
Logo, não há débito a ser pago pela autora e, assim, incabível a exigência de restituição.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, resolvendo o mérito nos
termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e DEFIRO A TUTELA DE
URGÊNCIA rogada pela autora, diante da natureza alimentar do benefício previdenciário,
devendo o INSS se abster de cobrar as prestações do benefício de aposentadoria por idade NB
148.415.829-3, pagas à parte autora no período de 17/01/2013 a 31/03/2018.
Defiro a gratuidade da justiça. Sem condenação em custas e honorários nesta instância, na
forma do art. 55, caput, da Lei nº 9.099/1995.
(...)”
3. Recurso do INSS: Alega que o benefício da autora foi identificado como integrante do grupo
de benefícios concedidos mediante fraudes à Previdência Social, que conduziram à deflagração
da "Operação Sofisma" pela Polícia Federal (Inquérito Policial n.º 130/2015/DPF/MII/SP), em
meados de 2016, após provocação da autarquia recorrente, na esteira do descoberto durante
sua rotineira "pesquisa estratégica e de gerenciamento de riscos". Aduz que o requerimento
administrativo de concessão do benefício foi instruído com a Carteira de Trabalho e Previdência
Social (CTPS) n.º 3.721, série 264, em que houve a extração de diversas folhas, muitas delas
em relação ao período do suposto vínculo com a sociedade empresária Mercado Leymar Ltda.,
a qual constatou-se que estava encerrada há mais de vinte anos e que todos os seus
documentos foram extraviados após a morte do antigo sócio-administrador. Alega que, nesse
contexto, a autora foi instada a apresentar documentos capazes de comprovar os vínculos
empregatícios que possibilitaram a concessão do benefício previdenciário, mas o conjunto
probatório fornecido foi incapaz de evidenciar os liames necessários à demonstração da
carência mínima de 180 contribuições mensais para a obtenção do benefício de aposentadoria
por idade, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, o que ensejou a invalidação do
ato administrativo de concessão do benefício. Aduz que, embora não tenha sido possível aferir
a existência de má-fé da autora, bem como o conluio deliberado com o seu representante, é
cediço que esse fato não elimina seu dever de ressarcimento ao erário pelas quantias
indevidamente recebidas. Sustenta que o recebimento indevido de benefício previdenciário
deve ser ressarcido, independentemente de boa-fé no seu recebimento, pouco importando
tenha a concessão advindo de erro administrativo. Requer a reforma da sentença, “a.
determinando-se a suspensão do processo até ulterior decisão do Superior Tribunal de Justiça,
no bojo do REsp n.º 1.381.734/RN; e b. após a retomada da marcha processual, com a decisão
do recurso especial repetitivo, provê-lo, julgando-se improcedente o pedido deduzido pela
recorrida.”
4. De pronto, consigne-se o julgamento, pelo STJ, do tema 979, com a fixação da seguinte tese:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido. Modulação de efeitos: somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir de 23/4/2021, data da
publicação do acórdão no DJe.” Logo, não há mais que se falar em sobrestamento do feito.
5. De acordo com os documentos anexados aos autos, a parte autora esteve em gozo de
aposentadoria por idade no período de 17.01.2013 a 31.03.2018 (fls. 91, evento 11). O
benefício foi cessado por não comprovação do vínculo empregatício com o empregador
MERCADO LEYMAR LTDA (06.08.1970 a 26.11.1976), o que acarretou o não cumprimento da
carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria por idade (fls. 137/142, evento
11).
6. Outrossim, em que pese a não comprovação da existência do vínculo empregatício acima
mencionado, em razão de irregularidades na anotação em CTPS e de ausência de outros
documentos, bem como anotação no CNIS, não restou inequivocamente comprovado que o
pagamento indevido do benefício de aposentadoria por idade se deu com participação dolosa
da parte autora, presumindo-se, pois, sua boa-fé. Portanto, nos termos do entendimento
firmado pelo STJ, supra apontado, não assiste razão ao INSS em seu recurso.
7. Deste modo, a despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou
corretamente todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não
tendo o recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação.
8. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r.
sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da
Lei nº 9.099/95. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
9. Recorrente condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da causa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira
Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
