
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5071829-77.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VICENTINA CASTINHO DO NASCIMENTO MUNIZ
Advogado do(a) APELADO: ARILDO PEREIRA DE JESUS - SP136588-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5071829-77.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VICENTINA CASTINHO DO NASCIMENTO MUNIZ
Advogado do(a) APELADO: ARILDO PEREIRA DE JESUS - SP136588-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 15.08.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Pelo exposto, julgo PROCEDENTE o pedido da autora para condenar o INSS ao pagamento do benefício de amparo assistencial ao idoso, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do pedido administrativo (13/04/2017). As parcelas já vencidas devem ser pagas em parcela única, incidindo juros e correção monetária. Sucumbente o réu, arcará com o pagamento das despesas processuais comprovadas e honorários advocatícios, estes últimos fixados em 10% sobre valor da condenação até a presente data (Súmula 111, do C. STJ cc art. 85, §3º, I, do NCPC). Observo, ademais, que a autarquia é isenta do pagamento das custas judiciais (Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03). Presente a probabilidade do direito, diante da procedência do feito, e o perigo na demora, dado o caráter alimentar do benefício, antecipo os efeitos da tutela para o fim de determinar que a autarquia implante o benefício no prazo de 30 (trinta) dias a contar da presente decisão. Oficie-se. Ainda, conforme a redação do artigo 496, § 3º, I, do NCPC, esta sentença não está sujeita a reexame necessário, pois se trata de demanda cujo direito controvertido não excede de mil salários mínimos, considerado o valor do benefício pleiteado, bem como o valor da soma das prestações vencidas. Publicada em audiência, saem os presentes intimados. Cumpra-se, dispensado o registro.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, alega que não restou comprovada a existência de miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pede que na atualização dos atrasados seja aplicada integralmente a Lei n° 11.960/09.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DES. FED. INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de ação visando a concessão do benefício assistencial, julgada procedente em primeira instância.
Apela a autarquia sob o argumento de que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, imprescindivel à concessão do benefício.
O I. Relator deu provimento à apelação da autarquia, para revogar a tutela antecipada anteriormente concedida e para reformar a r.sentença, por considerar que de fato, o requerente não se submete a vulnerabilidade econômica, destacando que “no grupo familiar tem integrante adulto, independente e apto ao trabalho”.
Ouso discordar, respeitosamente.
O núcleo familiar, no caso em exame, é formado pelo requerente e por sua esposa, ambos idosos e a neta, desempregada.
Sobrevivem em condições humildes. Ainda que vivam em casa própria, o fato é que a única fonte de renda do núcleo é a aposentadoria recebida pelo esposo da requerente, idoso, no importe de um salário mínimo.
Deve ser aplicado ao caso, por analogia, o previsto no artigo 34 do Estatuto do Idoso, não podendo se considerar a aposentadoria percebida para o cômputo da renda per capita do núcleo analisado. Conclui-se portanto, que a renda per capita é zero. Comprovada a miserabilidade da requerente, por consequência faz jus ao benefício pretendido.
A Requerente, que preenche os requisitos à concessão do benefício, não pode ser penalizada com a sua retirada, ainda mais num momento tão dificil como o que assola nosso país e o mundo: além da própria pandemia, do risco constante de adoecer, todos os cidadãos são obrigados a lidar com a grave crise econômica consequente, agravando-se ainda mais a miserabilidade dos mais carentes.
Diante do exposto, comprovados os requisitos para a percepção do benefício assistencial, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação da autarquia, mantendo a r.sentença por seus próprios fundamentos.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5071829-77.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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Advogado do(a) APELADO: ARILDO PEREIRA DE JESUS - SP136588-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“O relatório social acostado às fls. 85/90 não deixa dúvidas da caracterização do estado de miserabilidade, considerando que a renda per capta da família consistente na autora, seu marido e a neta não ultrapassam ¼ do salário mínimo. Ademais, não pode ser computado na renda per capita familiar para concessão do benefício assistencial, aposentadoria ou outro benefício percebido por membros da família no patamar de um salário mínimo.”
Por sua vez, o estudo social (ID 8295728), elaborado em 27.02.2018, revela que a parte autora reside com seu companheiro, Silas Muniz Neto, 63 anos, aposentado e sua neta, Letícia Muniz Adrião, 26 anos, desempregada em imóvel próprio, de alvenaria, em bom estado de conservação, composto por 04 peças, sendo um quarto; sala; banheiro e cozinha. No entorno à residência analisada, as vias de tráfego circundantes possuem pavimentação asfáltica; não possui rede de água/esgoto, utilizando foça; não possui iluminação pública. Possui mobília de padrão popular. Eletrodomésticos e móveis em sua maioria foi adquirido com a aposentadoria do marido.
A renda da casa advém da aposentadoria do companheiro no valor de um salário mínimo.
Relataram despesas com: Mercado R$ 350,00; Gás R$ 80,00; Remédio R$ 200,00, perfazendo R$ 630,00. Consta empréstimos no valor de R$ 324,61 descontado no valor da aposentadoria.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Nota-se que o grupo familiar tem integrante adulto, independente e apto ao trabalho.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos benefícios previdenciários.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a tutela antecipada concedida na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: LOAS. IDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADAS. APELAÇÃO DA AUTARQUIA NÃO PROVIDA.
I - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
II - O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
III – O artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na aferição da miserabilidade.
IV - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, que não obsta a comprovação da insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
V - Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser aferida caso a caso.
VI - O conjunto probatório dos autos revela que a renda familiar é insuficiente para cobrir os gastos ordinários.
VII – A autora reside com seu esposo e sua neta, desempregada. A renda a ser considerada é zero, já que a única fonte é o salário mínimo recebido pelo esposo da requerente, idoso, à título de aposentadoria. Deve ser aplicado ao caso, por analogia, o previsto no artigo 34 do Estatuto do Idoso, não podendo se considerar a aposentadoria percebida para o cômputo da renda per capita do núcleo analisado.
VIII – O fato da neta ser adulta, independente e apta ao trabalho, não desnatura a miserabilidade, eis que a situação de desemprego descrita é concreta. Neste contexto, preenchido o requisito da miserabilidade.
IX – Recurso da autarquia desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTARQUIA, NOS TERMOS DO VOTO DA DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO E O DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI, VENCIDOS O RELATOR E O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO QUE DAVAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS. LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
