Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5193862-98.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA RECONHECIDA.
POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA
PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO INDETERMINADA DO BENEFÍCIO A
CRITÉRIO DO AUTOR.
- Satisfeitos os requisitos legais previstos no art. 59 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade
de segurado, incapacidade total e temporária e cumprimento do período de carência (12 meses) -
é de rigor a concessão do auxílio-doença.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos no artigo 42, da Lei de Benefícios, devem ser observados em conjunto com as
condições sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- Nos casos em que indicado tratamento médico, embora cirúrgico, oferecido pelo Sistema Único
de Saúde de forma gratuita, a recusa injustificada do segurado a submeter-se ao procedimento
não pode ensejar o recebimento indefinido de benefício previdenciário a critério do beneficiário,
sob pena de violação aos princípios constitucionais da razoabilidade e da solidariedade.
- O benefício deve ser mantido até que identificada melhora nas condições clínicas ora atestadas,
ou que haja reabilitação do segurado para atividade diversa compatível, facultada pela lei a
realização de exames periódicos a cargo do INSS, após o trânsito em julgado, para que se avalie
a perenidade ou não das moléstias diagnosticadas, nos termos do art. 101 da Lei n.º 8.213/91.
- Reconhecimento da procedência do pedido de concessão de auxílio-doença.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Fixação do termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo, ocasião em que a
autarquia tomou conhecimento da pretensão.
- Tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verbahonorária deverá ser fixado na
liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do
art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal.Do mesmo modo, quanto à base
de cálculo,considerando a questão submetida a julgamento no Tema n.º 1.105 do Superior
Tribunal de Justiça ("Definição acerca da incidência, ou não, da Súmula 111/STJ, ou mesmo
quanto à necessidade de seu cancelamento, após a vigência do CPC/2015 (art. 85), no que tange
à fixação de honorários advocatícios nas ações previdenciárias"), posterga-sesua fixação para a
ocasião do cumprimento de sentença.
- Recurso parcialmenteprovido, nos termos da fundamentação do voto.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5193862-98.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE GOMES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: SELMA LOPES RESENDE FELISBINO - SP365131-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5193862-98.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE GOMES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: SELMA LOPES RESENDE FELISBINO - SP365131-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença
previdenciário, desde o requerimento administrativo (9/1/2018).
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora
o direito ao recebimento do benefício de auxílio-doença, a partir do requerimento administrativo.
Deferiu a antecipação dos efeitos da tutela e determinou o pagamento das prestações vencidas
de acordo com “os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal em vigor, aprovado pela Resolução n. 267/2013 (já que se trata de
cobrança judicial), observando-se, no mais, o decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425”. Por fim, condenou o INSS
ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados “em 10% do valor da condenação
relacionado às prestações vencidas, sem incidência sobre as prestações vincendas, tomando-
se como termo final, para esse desiderato, a data da prolação desta sentença, nos termos da
Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça (“Os honorários advocatícios, nas ações
previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas”).”.
Apela, o INSS, requerendo a integral reforma da sentença e, se vencido, pugna pelo
reconhecimento da prescrição quinquenal das parcelas vencidas, pela fixação do termo de
início do benefício na data da citação e, ainda, pela revisão dos índices de correção monetária,
juros de mora e honorários advocatícios fixados.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5193862-98.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE GOMES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: SELMA LOPES RESENDE FELISBINO - SP365131-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Imprescindível, ainda, o preenchimento do requisito da qualidade de segurado, nos termos dos
arts. 11 e 15, ambos da Lei de Benefícios.
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem
remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de
segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para
prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já
tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a
perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado
desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a
Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado
no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês
imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
A perda da qualidade de segurado, portanto, ocorrerá no 16.º dia do segundo mês seguinte ao
término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei n.º 8.212/91, salvo na hipótese do § 1.º do art. 102
da Lei n.º 8.213/91 – qual seja, em que comprovado que a impossibilidade econômica de
continuar a contribuir decorreu da incapacidade laborativa.
Registre-se que, perdida a qualidade de segurado, imprescindível o recolhimento de, pelo
menos, seis meses, para que seja considerado novamente filiado ao regime, nos exatos termos
do art. 27-A da Lei de Benefícios.
Por fim, necessário o cumprimento do período de carência, nos termos do art. 25 dessa mesma
lei, a saber:
“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social
depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;”
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
DO CASO DOS AUTOS
Para comprovar o requisito afeto à qualidade de segurado, o autor acostou termo de rescisão
de contrato de trabalho do qual se infere que seu último vínculo, iniciado em 2/2/2009, foi
encerrado em 7/11/2014, e que, no período de janeiro a maio de 2015 recebeu seguro-
desemprego (Id. 127081266, p. 9-11).
Extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de Id. 127081302, demonstra que
o autor desenvolveu atividades laborativas nos períodos descontínuos de 1º/3/1974 a
4/11/1992, 1º/2/1995 a 22/7/1998 e de 2/2/2009 a 7/2014, e que recolheu contribuições
previdenciárias, como contribuinte individual, no período de 6/2017 a 3/2018.
Assim, tornam-se desnecessárias maiores considerações a respeito desse requisito, restando
demonstrada a inocorrência da perda da qualidade de segurado, nos termos do art. 15, inciso II,
da Lei n.º 8.213/91, e tendo em vista o ajuizamento da ação em 29/11/2018.
Demonstrou, outrossim, ter atendido à exigência legal de recolhimento de 12 contribuições
previdenciárias para ensejar direito à aposentadoria por invalidez (art. 25 da Lei n.° 8.213/91).
No concernente à incapacidade, a perícia médica judicial, realizada em 5/4/2019, atestou a
incapacidade total e temporária do autor para o exercício de atividades laborativas em virtude
de quadro clínico oftalmológico de catarata. Esclareceu, o perito, que a patologia diagnosticada
é passível de tratamento cirúrgico oferecido pelo Sistema Único de Saúde e que “assim que
operar em uma semana volta a vida normal”.
Registrou, ainda, em resposta aos quesitos “o” e “q”, que o autor “não está fazendo tratamento
e não está procurando tratamento” e, ainda, que “Há indicação de cirurgia, mas o periciado
refere que não procura tratamento, que sabe que o SUS é ruim e não chama, que não adianta”
e, ainda, que “Caso o periciado se recuse a operar, terá incapacidade total e permanente, com
necessidade de auxílio de terceiros para sua sobrevivência.”
Em face de tais respostas, imperativa a referência à avaliação neuropsicológica do autor
conforme registrado pelo perito, a saber: “Comparece ao exame com vestes e higiene
adequadas. Pensamento estruturado com curso e conteúdo regulares, não evidenciando
atividades delirantes ou deliróides. Discurso conexo e atento à entrevista. Orientada no tempo,
espaço e circunstâncias. Tem suficiente noção da natureza e finalidade deste exame. Humor
adequado, sem sinais de ansiedade. Discernimento preservado. Não relata distúrbios
sensoperceptivos durante esta avaliação pericial, nem suas atitudes os faz supor. Inteligência
dentro dos limites da normalidade. Ideação concreta, evidenciando satisfatória capacidade de
abstração, análise e interpretação. Demonstra compreensão adequada dos assuntos
abordados. Pragmatismo preservado. Memória de evocação e fixação preservadas.” (Id.
127081301)
Desse modo, constatada a incapacidade temporária para o exercício de atividades laborativas,
o conjunto probatório restou suficiente para, nos termos do laudo médico pericial, reconhecer o
direito da parte autora ao auxílio-doença.
Contudo, necessárias algumas considerações a esse respeito, na medida em que semelhante
discussão a respeito da responsabilidade dos beneficiários de auxílio-doença chegou à Turma
Nacional de Uniformização do Conselho da Justiça Federal no bojo dos autos de registro n.º
0502819-76.2018.4.05.8201/PB, contudo, acabou rejeitada por ausência dos pressupostos
processuais a justificar o julgamento do mérito, a saber:
"Acerca da questão controvertida, assim se manifestou a Turma Recursal de origem:
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO–DOENÇA. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA RECONHECENDO O DIREITO À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO PELO
PRAZO ESTIMADO NA PERÍCIA JUDICIAL. RECURSO DA PARTE AUTORA. CONCESSÃO
DE AUXÍLIO-DOENÇA POR PRAZO INDETERMINADO OU CONVERSÃO EM
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. POSSIBILIDADE DE O SEGURADO REQUERER A
PRORROGAÇÃO ANTES DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
RECURSO DO ENTE PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA DO SEGURADO EM
SUBMETER-SE A TRATAMENTO MÉDICO. PREVISÃO LEGAL. EXAME DO CASO
CONCRETO. MANUTENÇÃO DO RESTABELECIMENTO. ADVERTÊNCIA AO SEGURADO.
RECURSO DO ENTE PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDO.
[...]
5. Passando-se à análise do recurso do ente público, a controvérsia centra-se, portanto, não na
incapacidade da parte autora ou no seu tempo de recuperação, mas no direito ao
restabelecimento do benefício, quando, segundo afirma-se no recurso, a demandante “...não
realizou o tratamento adequado durante o período em que recebeu auxílio-doença
administrativamente”.
6. A exigência da submissão a tratamento médico (que não seja cirúrgico ou de transfusão de
sangue) tem previsão legal: “O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por
invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a
submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação
profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o
cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos” (art. 101 da Lei 8.213/91).
7. Na hipótese dos autos, verificando-se a necessidade de afastamento pelo prazo de 60 dias, a
faixa etária (53 anos) e o fato de já recebido o auxílio-doença que ora se pede o
restabelecimento, tem-se que a mera negativa da reativação não contribuirá para a resolução
do caso, e sim contribuiria para impedir a recuperação da parte-autora, a qual não foi advertida
quando da concessão do benefício do seu dever de submeter-se a tratamento médico.
8. Por tudo isso, deve-se manter a sentença, acrescentando-lhe apenas a advertência ao
segurado de que, ao término do prazo previsto na sentença, a não comprovação da submissão
a tratamento prescrito para a sua patologia ou da impossibilidade de fazê-lo por não
disponibilidade do tratamento na rede pública de saúde, implicará a impossibilidade de
manutenção do benefício, ainda que mantida a incapacidade.
O julgado paradigma, por sua vez, traz em seu bojo:
[...]Porém, comungo do entendimento lavrado na sentença guerreada que acertadamente
afastou a concessão do benefício em razão da falta de comprometimento do autor com o
tratamento adequado à recuperação da capacidade:
Mediante análise do laudo pericial (LAU1, evento nº 19), constata-se que o autor apresenta
lumbago com ciática (CID M54.4), cervicalgia (CID M54.2) e transtorno de disco cervical com
mielopatia (CID M50.0). O perito judicial afirmou que o requerente encontra-se temporariamente
incapacitado para o exercício de sua atividade habitual (agricultor) desde 25/10/2007.
Em que pese o demandante estar acometido por patologia que o torna temporariamente
incapaz para o exercício de sua atividade habitual, refere não estar realizando tratamento, pois
já o fez anteriormente e não obteve melhora e, portanto, desistiu de fazê-lo, conforme quesito
22 do laudo.
Todavia, a inércia do indivíduo, na busca pela recuperação de sua saúde, consubstanciada em
tratamentos especializados com médico e fisioterapia, que a rede pública de saúde lhe
disponibiliza, consiste em oneração indevida aos cofres do Estado e ferimento ao princípio da
solidariedade, que também implica deveres e responsabilidade.
Não parece correto que toda a sociedade seja onerada quando o segurado, por sua própria
vontade, não se empenha na busca do retorno de sua capacidade laborativa.
É sabido que o Sistema Único de Saúde viabiliza gratuitamente o tratamento de saúde
necessário ao autor e que a negligência na procura desse tratamento é ônus que não pode ser
transferido para a autarquia previdenciária.
Deste modo, resta totalmente afastada a possibilidade de concessão do benefício, deduzida na
inicial pelo requerente.
Com efeito, por ocasião da perícia médica ficou constatado pelo expert que o segurado não
vem se submetendo ao tratamento médico por não ter obtido melhora do quadro clínico, “ou
seja, desistiu do tratamento” (resposta ao quesito 22, LAU1, evento 19). A inércia do
incapacitado na busca de sua possível recuperação, inviabiliza o reconhecimento da
incapacidade, não podendo se onerar os cofres públicos e, em consequência, toda a sociedade,
pela negligência do autor com sua própria saúde, comprometendo o tratamento da moléstia que
lhe acomete e até a sua capacidade laboral.
Mesmo entendimento já foi adotado no julgamento do processo 2009.70.62.000747-8 da 2ª
Turma Recursal do Paraná, na sessão realizada em 20/04/2010. Por fim, destaco que o próprio
documento trazido aos autos pelo autor no evento 53 indica que o médico responsável pelo
acompanhamento da doença lhe receitou tratamento medicamentoso, o que somente contribui
para o entendimento acima lançado, já que por ocasião da prova técnica o autor nada informou
sobre a utilização dos remédios indicados.
Deve, no caso, ser aplicada a disposição prevista no artigo 101 da Lei nº 8213/91: Art. 101. O
segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão
obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da
Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e
tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são
facultativos. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Desta forma, não merece reparos a sentença proferida, a qual deve ser mantida por seus
próprios fundamentos.
Em que pese a argumentação expendida pelo recorrente, o presente pedido de uniformização
não comporta conhecimento, por ausência de divergência a ser dirimida. Explico.
A Turma Recursal de origem restabeleceu o auxílio-doença à parte autora, a par da não
realização do tratamento médico indicado, porquanto,na hipótese dos autos, verificando-se a
necessidade de afastamento pelo prazo de 60 dias, a faixa etária (53 anos) e o fato de já
recebido o auxílio-doença que ora se pede o restabelecimento, tem-se que a mera negativa da
reativação não contribuirá para a resolução do caso, e sim contribuiria para impedir a
recuperação da parte-autora, a qual não foi advertida quando da concessão do benefício do seu
dever de submeter-se a tratamento médico.Ou seja, a TR originária,concluiupela concessão do
benefício, em virtude das circunstâncias concretas do caso sob exame, destacando, inclusive, a
falta de alerta à segurada acerca da indispensabilidade da realização da terapêutica indicada.
No julgado paradigma, por sua vez, o segurado teria deliberadamente se recusadoa realizar o
tratamento, por entendê-lo ineficaz, situação esta não demonstrada nos autos ora em análise,
vejamos:
[...] Com efeito, por ocasião da perícia médica ficou constatado pelo expert que o segurado não
vem se submetendo ao tratamento médico por não ter obtido melhora do quadro clínico, “ou
seja, desistiu do tratamento” (resposta ao quesito 22, LAU1, evento 19).
Destarte,não se verifica divergência de interpretação de lei federal sobre direito material entre o
acórdão recorrido e as decisõesparadigmas, pois, na verdade, foram adotadassoluçõesdiversas
diante de situações fáticasdistintas.Ademais, alterar o entendimento firmado pelaTurma
Recursaloriginária, acerca da falta de informação adequada à segurada,resultaria na reanálise
das provas trazidas ao feito, circunstância esta que encontra óbice na via estreita do incidente
de uniformização, conforme Súmula n.º 42 desta Turma Nacional de Uniformização:
Não se conhece de incidente de uniformização que implique reexame de matéria de fato.
Anteoexposto,não conheçodo pedido de uniformização da parte autora, com fulcro no artigo 14,
V, "c" e "d" do RITNU.”
Do acórdão paradigma citado na decisão, proferido pela Turma Recursal Suplementar dos
Juizados Especiais Federais do Paraná, se infere entendimento no sentido de que “a inércia do
indivíduo, na busca pela recuperação de sua saúde, consubstanciada em tratamentos
especializados com médico e fisioterapia, que a rede pública de saúde lhe disponibiliza,
consiste em oneração indevida aos cofres do Estado e ferimento ao princípio da solidariedade,
que também implica deveres e responsabilidade”.
No caso então avaliado, a parte autora teria deixado de submeter-se a tratamento médico em
virtude da descrença em sua eficácia, não obstante disponibilizado de forma gratuita pelo
Sistema Único de Benefícios, impondo aos cofres públicos, na forma de benefício previdenciário
, os ônus decorrentes de sua escolha pessoal.
Diversa é a situação dos presentes autos, especificamente no tocante ao tratamento médico
que, embora igualmente disponibilizado ao autor pela rede pública de saúde, é cirúrgico.
A esse respeito, não obstante haja, na Lei de Benefícios, dispositivo que indique, prima facie, a
desnecessidade de submissão do autor a tratamento médico cirúrgico que pudesse controlar,
minimizar ou mesmo curar a patologia diagnosticada – “Art. 101.O segurado em gozo de
auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena
de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social,
processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado
gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.”, também é
fato que o Código Civil nacional apresenta previsão legal mais restrita - “Art. 15. Ninguém pode
ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção
cirúrgica.” -, pelo que há que se buscar uma interpretação compatível com os valores
constitucionais afetos à seguridade social.
Nesse sentido, e em acréscimo ao quanto já pontuado, entendo que não se pode deixar ao
arbítrio exclusivo do segurado, mediante recusa a tratamento médico recomendado por
profissional habilitado em medicina, a possibilidade de extensão indeterminada de duração de
benefício previdenciário de auxílio-doença que, por sua própria natureza, é temporário, em claro
desvirtuamento do instituto em seu próprio benefício.
É dizer que, ao recusar-se a submeter-se a tratamento médico adequado à cura da patologia
diagnosticada, como a que se discute nos presentes autos, fazendo prevalecer suas convicções
pessoais em detrimento da medicina, o autor estaria perpetuando a própria incapacidade e,
mais, ultrapassando a esfera do seu livre consentimento informado, socializando as
consequências de sua decisão, gerando injustificável oneração do erário.
In casu, portanto, tendo em vista que o tratamento médico indicado, embora cirúrgico, é
oferecido pelo Sistema Único de Saúde de forma gratuita, entendo que a recusa injustificada do
segurado a submeter-se ao procedimento não pode ensejar o recebimento indefinido de
benefício previdenciário, sob pena de violação aos princípios constitucionais da razoabilidade e
da solidariedade.
Portanto, desde que o autor se disponha a buscar o tratamento médico indicado, o benefício
deve ser mantido até que identificada melhora nas condições clínicas ora atestadas, ou que
haja reabilitação do segurado para atividade diversa compatível, facultada pela lei a realização
de exames periódicos a cargo do INSS, após o trânsito em julgado, para que se avalie a
perenidade ou não das moléstias diagnosticadas, nos termos do artigo 101 da Lei nº 8.213/91.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, ocasião
em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
Anote-se que não há que se cogitar em prescrição do fundo do direito, em se tratando de
benefícios previdenciários, devendo-se investigar, eventualmente, se estariam prescritas as
prestações não pagas nem reclamadas nos cinco anos anteriores à propositura da demanda.
Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula nº 163, do extinto Tribunal Federal de Recursos:
“Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora,
somente prescrevem as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da
ação”.
Sendo o termo inicial do benefício fixado em 9/1/2018, não há que se aventar a hipótese de sua
ocorrência.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Por fim, à vista do quantoprevisto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de
sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem
como no art. 86 do mesmo diploma legal.
Do mesmo modo, quanto à base de cálculo,considerando a questão submetida a julgamento no
Tema n.º 1.105 do Superior Tribunal de Justiça ("Definição acerca da incidência, ou não, da
Súmula 111/STJ, ou mesmo quanto à necessidade de seu cancelamento, após a vigência do
CPC/2015 (art. 85), no que tange à fixação de honorários advocatícios nas ações
previdenciárias"), postergo sua fixação para a ocasião do cumprimento de sentença.
O benefício é de auxílio-doença previdenciário, com renda mensal correspondente a 91%
(noventa e um por cento) do salário-de-benefício e DIB na data do requerimento administrativo,
nos termos da sentença.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação, apenas para estabelecer os critérios de
incidência da correção monetária, dos juros de mora e dos honorários advocatícios, nos termos
da fundamentação supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA RECONHECIDA.
POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA
PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO INDETERMINADA DO BENEFÍCIO A
CRITÉRIO DO AUTOR.
- Satisfeitos os requisitos legais previstos no art. 59 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade
de segurado, incapacidade total e temporária e cumprimento do período de carência (12 meses)
- é de rigor a concessão do auxílio-doença.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos no artigo 42, da Lei de Benefícios, devem ser observados em conjunto com
as condições sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- Nos casos em que indicado tratamento médico, embora cirúrgico, oferecido pelo Sistema
Único de Saúde de forma gratuita, a recusa injustificada do segurado a submeter-se ao
procedimento não pode ensejar o recebimento indefinido de benefício previdenciário a critério
do beneficiário, sob pena de violação aos princípios constitucionais da razoabilidade e da
solidariedade.
- O benefício deve ser mantido até que identificada melhora nas condições clínicas ora
atestadas, ou que haja reabilitação do segurado para atividade diversa compatível, facultada
pela lei a realização de exames periódicos a cargo do INSS, após o trânsito em julgado, para
que se avalie a perenidade ou não das moléstias diagnosticadas, nos termos do art. 101 da Lei
n.º 8.213/91.
- Reconhecimento da procedência do pedido de concessão de auxílio-doença.
- Fixação do termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo, ocasião em que
a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
- Tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verbahonorária deverá ser fixado na
liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do
art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal.Do mesmo modo, quanto à base
de cálculo,considerando a questão submetida a julgamento no Tema n.º 1.105 do Superior
Tribunal de Justiça ("Definição acerca da incidência, ou não, da Súmula 111/STJ, ou mesmo
quanto à necessidade de seu cancelamento, após a vigência do CPC/2015 (art. 85), no que
tange à fixação de honorários advocatícios nas ações previdenciárias"), posterga-sesua fixação
para a ocasião do cumprimento de sentença.
- Recurso parcialmenteprovido, nos termos da fundamentação do voto. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
