D.E. Publicado em 13/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em sede de juízo de retratação, dar provimento ao agravo legal interposto pela parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001046-11.2005.4.03.6117/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de ação ajuizada por Gloria Antonia Oliveira da Silva em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal.
Na sessão de julgamento realizada aos 06/02/12, a Oitava Turma deste Tribunal, à unanimidade, negou provimento ao agravo regimental interposto pela parte autora, a fim de manter o indeferimento do benefício assistencial (fls. 273-278).
Em face deste decisório, a parte autora interpôs Recurso Especial (fls. 280-311), sustentando o implemento dos requisitos legais necessários à concessão da benesse almejada.
Recurso especial admitido (fls. 378).
Decisão do STJ determinando a devolução do processo, a fim de que o respectivo órgão colegiado se pronuncie, de acordo com a sistemática disposta no art. 1.040, II, do CPC/2015 (fls. 384).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
As Leis nºs 11.418/2006 e 11.672/2008 alteraram a sistemática dos recursos dirigidos às Cortes Superiores, introduzindo o pressuposto atinente a repercussão geral da matéria, além da disciplina para julgamento de recursos repetitivos.
Essas alterações abrem a via extraordinária apenas para as causas com relevância econômica, política, social ou jurídica, afastando os julgamentos com interesses meramente individuais, cingidos aos limites subjetivos da causa.
Ao mesmo tempo, a nova sistemática obsta a inútil movimentação judiciária, para deslinde de feitos meramente repetitivos, ao possibilitar a extensão do julgamento de mérito a recursos fundamentados na mesma controvérsia.
Nessa última hipótese, os recursos pendentes de admissibilidade nos Tribunais inferiores devem retornar às Turmas Julgadoras, para eventual retratação, nos termos do art. 543-B, § 3º e 543-C, § 7º, inc. II, do CPC/1973.
Na hipótese dos autos, foi invocado o Recurso Especial nº 1.355.052/SP como representativo da controvérsia.
A questão cinge-se à comprovação do requisito da miserabilidade para fins de concessão do benefício assistencial.
In casu, analisando a decisão recorrida, verifico ser hipótese de retratação, nos termos que seguem:
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os arts. 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93, com redação dada pela Lei n.º 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei n.º 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei n.º 10.741/2003.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei n.º 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto n.º 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 20 da mencionada Lei n.º 8.742/93 foi arguida na ADIN n.º 1.232-1/DF que, pela maioria de votos, do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo § 3º do art. 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensável elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação n.º 4374, e Recursos Extraordinários - REs n.º 567985 e n.º 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI n.º 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante à renda informada, caso a caso.
Quanto à deficiência da parte autora, restou plenamente demonstrada mediante perícia médica, conforme parecer técnico acostado aos autos. Constatou o perito que a parte autora é portadora de "osteoartrose incipiente (inicial) da coluna lombo sacra" (fls. 131), estando parcial e definitivamente incapacitada para o trabalho.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no § 2º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como pessoa portadora de deficiência, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade.
In casu, a despeito do posicionamento adotado por esta E. Corte, forçoso considerar que ficou suficientemente comprovado que a parte autora não possuía condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Observo que o estudo social acostado demonstra que a autora reside com seu marido (64 anos) e seu cunhado (deficiente) em casa própria, composta por 3 quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. "No quarto do casal contem (sic) uma cama de casal, um guarda roupa, um sofá e uma televisão colorida. No quarto do cunhado, contem (sic) dois guarda roupas, uma cama de solteiro e um armário. Na cozinha contem (sic) um fogão de 06 bocas, uma pia com gabinete, dois armários, uma mesa com 04 cadeiras e uma geladeira. No banheiro contem (sic) as peças básicas. Na área de serviço contem (sic) um tanque, tanquinho, uma prateleira e um armário coberto com tecido. As paredes estão rebocadas, sem acabamento. Os móveis são simples, com bastante tempo de uso. Nos fundos da residência da autora, possui outra casa contendo uma sala, cozinha, um quarto e um banheiro, que segundo a declarante está cedida há 30 dias, para uma irmã de sua nora" (fls. 125).
A renda familiar mensal é de R$350,00, provenientes da aposentadoria de seu cônjuge e que "declarou que dois dias da semana vende sorvete e recebe R$50,00 mensais" (fls. 124) e R$350,00 oriundos do benefício de prestação continuada de seu cunhado. Os gastos mensais são de R$400,00 de alimentação, R$35,00 de água, R$75,00 de energia elétrica, R$80,00 de telefone, R$32,00 de gás, R$20,00 de auxílio funerário, R$45,00 de padaria e R$100,00 de empréstimo para material de construção. O estudo social foi elaborado em 21/2/07, data em que o salário mínimo era de R$350,00.
Apurou-se que a renda familiar atingia à época do estudo social o montante de R$ 800 (oitocentos reais), sendo composta pelo rendimento proveniente da aposentadoria do marido da demandante, no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais - equivalente a um salário mínimo), acrescido ao valor de R$ 50,00 (cinquenta reais), oriundo da venda de sorvetes, bem como o benefício assistencial do cunhado da autora.
Nesse contexto, excluindo-se do valor do benefício percebido pelo marido da autora e pelo cunhado da autora, no valor de um salário mínimo, não restaria renda suficiente para a manutenção da família.
No mais, considerando-se a idade avançada do casal, aliada à precariedade da saúde de ambos e à deficiência de seu cunhado, temos que a hipossuficiência econômica, para fins de concessão do benefício assistencial, restou demonstrada.
Neste diapasão, comprovados pela parte autora todos os requisitos necessários, faz ela jus à concessão do benefício assistencial, devendo ser reformado o julgado na íntegra.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação, por ser este o momento em que se tornou resistida a pretensão.
Fixo a verba honorária em 10% (dez por cento), considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, sobre as parcelas vencidas até a data deste decisum, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º do CPC e da Súmula n.º 111 do C. Superior Tribunal de Justiça.
Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
Pelas razões expostas, em sede de juízo de retratação, nos termos do art. 543, § 7º, inc. II, do CPC/1973 (correspondente ao art. 1030, inc. II, do CPC/2015), dou provimento ao agravo legal interposto pela parte autora, reformando o decisum de fls. 238-241, nos termos da fundamentação supra.
Retornem os autos à Vice Presidência.
É como voto.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 27/11/2017 22:21:21 |