
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5086906-19.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDIA DE SOUZA LEME
SUCEDIDO: JOAO MARTINS
Advogados do(a) APELADO: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5086906-19.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDIA DE SOUZA LEME
SUCEDIDO: JOAO MARTINS
Advogados do(a) APELADO: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República.
O autor faleceu em 18/3/2024, Id. 298660305.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao amparo pretendido, desde a data do pedido administrativo (19/12/2022) até o falecimento (18/3/2024).
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito, uma vez que o autor faleceu antes da perícia médica.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5086906-19.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDIA DE SOUZA LEME
SUCEDIDO: JOAO MARTINS
Advogados do(a) APELADO: FABIANO DA SILVA DARINI - SP229209-N, HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada consiste na “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém da família, consoante art. 20, § 3.º., da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93”, mas “ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993, dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020, incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
In casu, a matéria devolvida à apreciação dessa Corte cinge-se à análise da possibilidade de habilitação de herdeiros e do recebimento dos valores atrasados de benefício até a data de falecimento do autor.
Inicialmente, no que se refere ao requisito impedimento de longo prazo, verifica-se que foi realizada perícia indireta conforme consta no Id. 298660342, por meio da qual se concluiu que o autor era portador de Síndrome demencial por doença de Alzheimer, incapacidade total e permanente, desde dezembro de 2022.
Quanto ao requisito da miserabilidade, em perícia realizada em momento anterior ao falecimento do autor, consta no estudo social de Id. 298660301, a parte autora residia em imóvel próprio, em estado regular de conservação.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam R$ 1.450,00.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que a parte autora não percebia rendimentos.
Ademais, residia com a parte autora sua esposa que recebe um salário mínimo a título de aposentadoria.
Do exposto, constata-se que a parte autora era deficiente e depende do auxílio de terceiros para sobreviver, razão pela qual está presente o requisito da miserabilidade, nos termos do art. 20, § 3.º, da Lei n.º 8.742/93, interpretado à luz do RE n.º 567.985.
Em vista do descrito, em 298660376, houve o deferimento do benefício, porquanto comprovados os requisitos indispensáveis à concessão, conforme se depreende da sentença Id. 298660376, fixando-se o termo inicial do benefício na data de entrada do requerimento (19/12/2022).
O INSS apresentou recurso, nos termos no que consta no Id. 298660432.
In casu, registra-se que a demanda foi distribuída em 3/11/2023, o falecimento da parte autora foi informado por meio da juntada de certidão de óbito, tendo ocorrido em 18/3/2024.
Compulsando os autos, verifica-se que o falecimento da parte autora ocorreu após a realização de estudo social que atestou o estado de miserabilidade e em momento que já estava hospitalizado, internação esta que culminou no óbito do autor.
No laudo de perícia indireta consta que o autor já apresentada impedimento de longo prazo desde dezembro de 2022, cumprindo desse modo os requisitos legalmente fixados.
A sentença foi proferida em 5/7/2024, logo, em momento posterior ao falecimento e após devida habilitação de herdeiros.
Sopesando o argumento apresentado pela Autarquia apelante ressalta-se que, de fato, o benefício, em análise, possui caráter personalíssimo, no entanto, os valores que o autor deveria ter recebido em vida, passaram a integrar o patrimônio jurídico do beneficiário, sendo passíveis de ser transmitido por sucessão.
À luz do descrito e em observância ao princípio da primazia do julgamento de mérito, resta plenamente possível o julgamento do mérito.
Majoro a condenação ao pagamento de honorários fixados pelo juízo a quo em 2%, com base no art. 85, § 11, do CPC.
Posto isso, nego provimento a apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA DEFICIENTE. JULGAMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).
- Impedimento de longo prazo e miserabilidade possíveis de serem analisadas, provas providas.
- Apelação improvida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
