Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5055967-61.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
27/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5055967-61.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. P. G. D.
REPRESENTANTE: FRANCINE PRADO PAULINO
Advogados do(a) APELADO: GISELE DE PAULA TOSTES - SP296155-N, DEISI MACHINI
MARQUES - SP95312-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5055967-61.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. P. G. D.
REPRESENTANTE: FRANCINE PRADO PAULINO
Advogados do(a) APELADO: GISELE DE PAULA TOSTES - SP296155-N, DEISI MACHINI
MARQUES - SP95312-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203,
inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
amparo pretendido, a partir do requerimento administrativo. Concedeu a tutela.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento
dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido insurge-se com relação à correção
monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5055967-61.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. P. G. D.
REPRESENTANTE: FRANCINE PRADO PAULINO
Advogados do(a) APELADO: GISELE DE PAULA TOSTES - SP296155-N, DEISI MACHINI
MARQUES - SP95312-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V,
da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por
alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de
declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que
“sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º,
da Lei nº 8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao
intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a
miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade,
erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o
Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames
constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes,
2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993,
dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita
para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em
epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020,
incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este
que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20,
3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas
estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos
comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial de 07.11.2019 informa que a parte autora, que tem 05 anos de idade, é
portadora de “Transtorno do Espectro Autista (TEA)”. Concluiu o médico perito que “o autor
apresenta doença psiquiátrica e que requer cuidados especiais permanentes de terceiros além
dos cuidados que são inerentes a uma criança de 4 anos. Não há como determinar como serão
as limitações no futuro já que esta doença em menor ou maior grau está relacionada com
dificuldades de comunicação e relacionamento social”.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, conclui-se que o quadro
apresentado se ajusta ao de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial exigido pela legislação, restando presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da
Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social realizado em 13.10.2019,
a parte autora reside em imóvel financiado, em estado regular de conservação.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam 3.154,00 reais.
Conforme aduzido pela assistente social, a família, composta por três pessoas, o autor, a
genitora e o irmão, solteiro, com 20 anos, residem em imóvel construído pela genitora do autor,
no fundo do imóvel dos avós maternos “da qual vem pagamento o financiamento, o imóvel fica
situado a Rua Vereador Alfeu Gaparini 271 – periferia da cidade de Batatais-SP. Onde o imóvel
está localizado possui saneamento básico como: água, energia, asfalto e coleta de lixo,
distantes de alguns serviços públicos. A construção do imóvel apresenta característica de casa
térrea, de tijolos baiano, possui laje, cobertura de eternit, piso frio, esquadrias de ferragens e
madeiras, pintura conservada, regular iluminação e ventilação. Composta por 02 quartos, 01
sala, 01 cozinha, 01 banheiro. A família possui os seguintes móveis e eletrodomésticos: 01
cama de casal, 02 camas de solteiro, 01 geladeira, 01 fogão de 6 queimadores, 01 armário de
cozinha, 01 mesa de tampo de pedra com 4 cadeiras de ferro, 02 guarda roupas, 01 cômoda,
01 TV, 01 rack, a maioria em bom estado de conservação. A genitora do periciando possui um
carro ano 2003 fiat a gasolina, que têm a finalidade de transportar o periciando”.
As imagens acostadas ao estudo social não revelam situação de miserabilidade.
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiares em imóvel financiado,
havendo gasto com prestação, denotando-se que o sustento do núcleo familiar é provido por
sua genitora. Ademais, a despeito da condição simples de vida, não há desamparo nem
abandono da parte autora.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na
forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária de gratuidade da justiça.
Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o
pedido formulado.Revogo a antecipação dos efeitos da tutela concedida.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE
DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação e revogar a antecipação dos efeitos da tutela
concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
