Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5157227-21.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5157227-21.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: FRANCINETE AGOSTINHO ARAUJO
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5157227-21.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: FRANCINETE AGOSTINHO ARAUJO
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203,
inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o
cumprimento dos requisitos legais ao amparo pretendido.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5157227-21.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: FRANCINETE AGOSTINHO ARAUJO
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V,
da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por
alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de
declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que
“sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º,
da Lei nº 8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao
intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a
miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade,
erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o
Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames
constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes,
2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993,
dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita
para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em
epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020,
incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este
que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20,
3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas
estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos
comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial de 29.03.2019 complementado em 31.07.2019 informa que a parte
autora, que tem 60 anos de idade, é portadora de “Osteoartrose – CID 10: M.15.0; Asma
brônquica – CID 10: J.45; Hipertensão arterial – CID 10: I.10 e Diabetes – CID 10: E.14”,
apresentando incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa.
Asseverou o expert que “Deste modo, segundo a avaliação do médico perito a autora esta
incapacitada, quanto ao grau, de forma PARCIAL (limita o desempenho das atribuições do
cargo, sem risco de morte ou agravamento, embora não permita atingir a meta de rendimento
alcançada em condições normais) e, quanto à duração, de forma INDEFINIDA/PERMANENTE
(é aquela insusceptível de alteração em prazo previsível com os recursos da terapêutica e
reabilitação disponíveis à época)”.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, a idade da parte e a ausência de
qualificação profissional, conclui-se que o quadro apresentado se ajusta ao de impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação, restando
presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social de 02.02.2019, a parte
autora reside em imóvel próprio, financiado, com “Valor da mensalidade? R$ 96,00 (noventa e
seis reais) por mês”, em estado regular de conservação.
Relatou a assistente social que o imóvel possui dois quartos, cozinha, sala, banheiro, área de
serviço, garagem e uma edícula nos fundos com quarto, cozinha, sala, banheiro e área de
serviço.
No que se refere a mobília e eletrodomésticos, informou que são: “(02) Cama de Casal; (02)
Guarda roupa; (01) Jogo de sofá; (01) Estante (rack); (02) Televisor; (01) Fogão; (01) Geladeira;
(02) Armário de cozinha; (02) Mesa; (08) Cadeira; (01) Micro-ondas; (01) Tanquinho; (01)
Radio; (01) Liquidificador; (01) Batedeira; (03) Ventilador e (02) Ap. celular”.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam 1.320,00 reais, tendo despesas
fixas, com energia elétrica em média 180,00 reais, água em média 60,00 reais, empréstimo
bancário 280,00 reais, medicamentos em média 180,00 reais, gás 70,00 reais, crédito celular
em média 30,00 reais, roupas (presente e doações), transporte coletivo em média 20,00 reais,
alimentação em média 450,00 reais e produtos de higiene e limpeza em média 50,00 reais.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que o marido da parte autora percebe, mensalmente,
998,00 reais, decorrente do benefício de aposentadoria por idade. Asseverou, ainda, que reside
com a parte autora a neta que recebe 300,00 reais de pensão alimentícia.
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pelo cônjuge da parte autora, no
mais das vezes, devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de
um salário mínimo, uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação
analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixados pelo Supremo
Tribunal Federal no RE n.º 580.963 (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14.11.2013),
depois objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos
repetitivos, no REsp n.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
5.11.2015).
Nada obstante, e parafraseando o entendimento consignado pela Excelentíssima Senhora
Desembargadora Federal Daldice no âmbito da Apelação Cível de registro n.º 6078022-
57.2019.4.03.9999, trazida a julgamento em 18/3/2020, “a despeito do teor do RE n. 580.963
(STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013 – repercussão geral),
não há que se falar em hipossuficiência no caso”, como consignado até mesmo pelo magistrado
sentenciante, notadamente quando os elementos de prova estão a indicar a ausência de
penúria, revelando, ao contrário, que a parte autora tem acesso aos mínimos sociais, inclusive
casa própria.
Ademais, “se o critério da baixa renda não é ‘taxativo’, pode ser levado em conta tanto para a
concessão quanto para o indeferimento do pleito”.
Por isso que “a regra contida no § 3.º do artigo 20 da LOAS não pode ser reduzida ao critério
matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica”.
Veja-se, quanto ao mais, do voto proferido por Sua Excelência no feito acima mencionado:
“(...) diante do entendimento consagrado por ocasião do julgamento do RE n. 580963, abriu-se
a possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais recebidos
por idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao idoso, no
valor de até um salário mínimo.
A decisão concluiu, ainda, que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal
de rendaper capitaseja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência
econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas
e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a
edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles que possuem renda
mensalper capitade até meio salário mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997,
regulamentada pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999, as Portarias n. 458 e 879, de
03/12/2001, da Secretaria da Assistência Social, o Decreto n. 4.102/2002, a Lei n. 10.689/2003,
criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3.º, da Lei n. 8.742/1993 como
absoluto e único para aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questãoin concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida
como a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou
não a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE n. 580963), o critério da miserabilidade contido no § 3.º
do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim
de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de
cada caso, como, por exemplo:(i)todos os que recebem renda familiarper capitainferior a ¼ do
salário mínimo são miseráveis;(ii)nem todos os que percebem renda familiarper capitasuperior a
¼ do salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;(iii)nem todos os que
percebem renda familiarper capitasuperior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;(iv)todos os que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo
(artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.
Dessa forma, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente
se o patrimônio do requerente também se subsome à noção de hipossuficiência, devendo ser
apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones
celulares, auxílio permanente de parentes ou de terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6.º,caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.”
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiares em imóvel próprio, não
havendo gasto com aluguel, denotando-se que o sustento do núcleo familiar é provido por seu
cônjuge. Ademais, a despeito da condição simples de vida, não há desamparo nem abandono
da parte autora.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Posto isso, nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE
DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
