Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5251650-70.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5251650-70.2020.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARLENE MARIA RIBEIRO SILVA
Advogado do(a) APELADO: RAMON GIOVANINI PERES - SP380564-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5251650-70.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARLENE MARIA RIBEIRO SILVA
Advogado do(a) APELADO: RAMON GIOVANINI PERES - SP380564-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203,
inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
amparo pretendido.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento
dos requisitos legais à concessão em questão. Subsidiariamente, requer que o termo inicial do
benefício seja fixado em 7/5/2019.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5251650-70.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARLENE MARIA RIBEIRO SILVA
Advogado do(a) APELADO: RAMON GIOVANINI PERES - SP380564-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada consiste na “garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203,
inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por
alguém da família, consoante art. 20, § 3.º., da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de
declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que
“sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º,
da Lei nº 8.742/93”, mas “ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao
intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a
miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade,
erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “em tais casos, pode o
Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames
constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes,
2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993,
dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita
para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em
epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020,
incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este
que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20,
3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas
estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos
comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial, Id. 132223258, informa que a parte autora, que tem 62 anos de idade,
é portadora de hepatite C, insuficiência renal crônica, diabetes mellitus, hipertensão arterial,
depressão, retardo mental moderado, gonartrose bilateral, hipotireoidismo, apresentando
incapacidade total e permanente para o exercício de atividade laborativa.
Conforme CTPS que consta nos autos, Id. 132223241, o último vínculo empregatício do
requerente data de 15/8/2013, em que exerceu a função de auxiliar de produção.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, a idade da parte e a ausência de
qualificação profissional, conclui-se que o quadro apresentado se ajusta ao de impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação, restando
presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social, Id. 132223256, a parte
autora reside em imóvel próprio, em estado regular de conservação.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam R$ 1.086,89 reais.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que a parte autora percebe, mensalmente, R$ 171,00
reais, do programa bolsa-família.
Ademais, residem com a parte autora seus filhos Jonattans Zacarias da Silva e Romenning
Antônio Zacarias da Silva.
A esse respeito, depreende-se dos autos que o filho Jonattans recebe em média R$ 640,00
reais, provenientes de labor como garçom e o filho Romenning não receberia nenhum valor.
Ocorre que, a Autarquia ré logrou êxito em comprovar que Romenning exerce atividade laboral,
conforme extrato do CNIS, Id. 132223286, recebendo renda variável entre R$ 531,84 reais e R$
2.128,81 reais.
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiares em imóvel próprio, não
havendo gasto com aluguel, denotando-se que o sustento do núcleo familiar é provido pelos
filhos da autora. Ademais, as despesas mencionadas não comprometem a totalidade do
orçamento doméstico, e que, a despeito da condição simples de vida, não há desamparo nem
abandono da parte autora.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na
forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária de gratuidade da justiça.
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou
a dispostos constitucionais.
Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o
pedido formulado.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE
DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
