Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5305373-04.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- Não conhecimento do reexame necessário, conforme disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do
Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5305373-04.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA BEATRIZ DE MELO RODRIGUES
REPRESENTANTE: MARIA DA GLORIA DE MELO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: WATUSI FERREIRA - SP353800-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5305373-04.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA BEATRIZ DE MELO RODRIGUES
REPRESENTANTE: MARIA DA GLORIA DE MELO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: WATUSI FERREIRA - SP353800-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203,
inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
amparo pretendido, a partir da data do requerimento administrativo.
Sentença submetida ao reexame necessário.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento
dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido, insurge-se com relação ao termo
inicial do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5305373-04.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA BEATRIZ DE MELO RODRIGUES
REPRESENTANTE: MARIA DA GLORIA DE MELO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: WATUSI FERREIRA - SP353800-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Inicialmente, esclareça-se não ser caso de se ter submetida a decisão de 1.º grau ao reexame
necessário, considerando o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil,
que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V,
da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por
alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de
declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que
“sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º,
da Lei nº 8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao
intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a
miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade,
erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o
Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames
constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes,
2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993,
dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita
para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em
epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020,
incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este
que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20,
3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas
estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos
comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial de 30.10.2018 informa que a parte autora, que tem 16 anos de idade, é
portadora de “F60.3 – Transtorno de personalidade emocional instável e F90.0 – Transtornos
déficit de atenção e hiperatividade”.
Indagado o expert“Se está inapta para o trabalho?”, respondeu que “Sim”, bem como
perguntado se “O(a) periciado(a) é PESSOA É PORTADORA DE DEFICIÊNCIA?”, afirmou que
“Apresenta transtornos mentais que trazem impedimento (incapacidade) por um período mínimo
de 2 anos, quando deverá ser reavaliada”.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, conclui-se que o quadro
apresentado se ajusta ao de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial exigido pela legislação, restando presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da
Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social de 28.05.2019, a parte
autora reside em imóvel próprio, em estado regular de conservação.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam 1.412,44 reais.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que “A renda familiar é flutuante, uma vez que todos
trabalham realizando bicos. Não trabalham com vínculo empregatício e sim na informalidade”. O
genitor da parte autora, Sr. Josinaldo de Melo Rodrigues, percebe, mensalmente, 600,00 reais,
pelo exercício de atividades como “encanador/eletricista”.
A esse respeito, depreende-se dos autos que a genitora da autora recebe 100,00 reais,
provenientes de atividade como “crocheteira” e 42,00 de bolsa família; O irmão da demandante
recebe 200,00 reais, provenientes de atividade como “estudante/cabeleireiro”.
Relatou a assistente social que “A família não possui veículo, renda fixa, ou qualquer benefício
previdenciário governamental, estadual ou municipal (apenas a Bolsa família no valor de
R$42,00 mês) que possa auferir uma renda e lhes oferecer maior dignidade como seres
humanos”.
No entanto, consoante assinalado pelo Ministério Público Federal, em seu Parecer:
“Em que pese o montante das despesas mensais fixas superar a renda familiar declarada,
constata-se que a família possui bens móveis não condizente com a alegação de
miserabilidade, tais como 2(dois) computadores, 2(dois) aparelhos de som, 2(duas) TVs,
telefone fixo e telefone celular (ID.139522785 – p.8 – Q.9).
Outrossim, conforme os documentos juntados pelo INSS (ID.139522837) e as pesquisas
realizadas por este Parquet Federal (relatórios em anexo), ao contrário do declarado no estudo
social, a família é proprietária de 4(quatro) veículos, a saber:
(1) motocicleta YAMAHA/YS150 FAZER SED, 2017/2018, placa GCW 6259, registrada em
nome de Maria da Glória de Melo Rodrigues; (2) motocicleta HONDA/CG 150 TITAN KS,
2009/2009, placa ECV 7048; (3) automóvel FIAT/PALIO WEEKEND, 1997/1997, placa CJH
6829; e, (4) automóvel FIAT/147 GL, 1979/1979, placa DGP 4210, todos registrados em nome
de Josinaldo de Melo Rodrigues.
No mais, cabe destacar que o irmão da autora, Luiz Augusto de Melo Rodrigues, tem salão de
cabeleireiro próprio, localizado em cima da garagem da residência familiar, cujos ganhos reais
certamente ultrapassam o montante declarado pela genitora da autora.
Portanto, diante das circunstâncias do caso em concreto, não é possível afirmar que o núcleo
familiar da autora é miserável”.
Do exposto, constata-se que a parte autora reside com familiares em imóvel próprio, não
havendo gasto com aluguel, denotando-se que o sustento do núcleo familiar é provido por sua
família. Ademais, as despesas mencionadas não comprometem a totalidade do orçamento
doméstico, e que, a despeito da condição simples de vida, não há desamparo nem abandono
da parte autora.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a
renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja
precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de
extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma
legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos
indispensáveis à sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na
forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária de gratuidade da justiça.
Posto isso, não conheço do reexame necessário e dou provimento à apelação, para reformar a
sentença e julgar improcedente o pedido formulado.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE
DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- Não conhecimento do reexame necessário, conforme disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do
Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de
miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer do reexame necessário e dar provimento à apelação, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
