
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000180-42.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. G. A.
REPRESENTANTE: MICHELLE GALINDO FONSECA
Advogados do(a) APELADO: AMANDA ALVES PEREIRA - MS22816-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000180-42.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. G. A.
REPRESENTANTE: MICHELLE GALINDO FONSECA
Advogados do(a) APELADO: AMANDA ALVES PEREIRA - MS22816-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, “o não preenchimento do requisito econômico pela parte autora”.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000180-42.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: Y. G. A.
REPRESENTANTE: MICHELLE GALINDO FONSECA
Advogados do(a) APELADO: AMANDA ALVES PEREIRA - MS22816-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993, dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020, incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial atestou que o autor é portador de transtorno do espectro autista – TEA (CID 10: F84), apresentando impedimento de longa duração e por período indeterminado.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social (fls. 39/42 Id. 284585154), a parte autora reside “em um imóvel financiado, sendo uma casa, padrão simples, construção de alvenaria, com 02 quartos, sala, cozinha e banheiro”.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam R$ 4.322,00.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que a parte autora não percebe rendimentos, mas reside com um irmão, sua genitora, ambos sem renda, e com seu genitor, que aufere renda bruta superior a R$ 5.000,00.
A assistente social ressaltou que “a renda familiar existente no núcleo familiar, se torna insuficiente perante as despesas apresentadas pela representante legal da parte autora”.
Extrai-se dos autos que, ainda que incluídos os gastos com consultas médicas e tratamento de saúde, a renda familiar é muito superior ao patamar legal.
Assim, a família enfrenta dificuldades como a maioria das famílias brasileiras, mas isso não se confunde com a existência de miserabilidade.
Ressalte-se, a esse respeito, que o objetivo do benefício assistencial não é complementar a renda, mas fornecer o mínimo àqueles que vivem em situação verdadeiramente indigna, cuja precariedade coloca em risco a própria sobrevivência, exigindo-se, para tanto, a constatação de extrema vulnerabilidade – o que não é o caso dos autos.
O quadro apresentado, dessa forma, não se ajusta ao de miserabilidade exigido pelo diploma legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado um dos requisitos indispensáveis à sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.
Posto isso, dou provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido formulado.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).
- Os elementos que constam nos autos são insuficientes para demonstrar a existência de miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
