
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081129-53.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACI MARIA DA SILVA OLIVEIRA, ESPÓLIO DE IRACI MARIA DA SILVA OLIVEIRA - CPF 036.405.791-27
REPRESENTANTE: SAMUEL LUIZ DE OLIVEIRA JUNIOR, LUCAS LUIZ SILVA DE OLIVEIRA, SAMUEL LUIZ DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - MS11078-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081129-53.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACI MARIA DA SILVA OLIVEIRA, ESPÓLIO DE IRACI MARIA DA SILVA OLIVEIRA - CPF 036.405.791-27
REPRESENTANTE: SAMUEL LUIZ DE OLIVEIRA JUNIOR, LUCAS LUIZ SILVA DE OLIVEIRA, SAMUEL LUIZ DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo, preliminarmente admitiu a habilitação dos herdeiros, nos termos do artigo 691, 1ª parte, do Código de Processo Civil, determinando o prosseguimento do feito, e julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo “o direito da falecida Iraci Maria da Silva Oliveira ao recebimento do benefício previdenciário de AMPARO SOCIAL, com data de início do benefício (DIB) em 04/04/2019 (f. 21), e renda mensal inicial a ser calculada pelo requerido, não podendo ser inferior a um salário mínimo, bem como CONDENAR o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS a PAGAR aos herdeiros habilitados relacionados à f. 91, os valores atrasados não recebidos em vida pela de cujus, ou seja, os valores devidos até a data do falecimento que se deu em 30/07/2022 (f. 90)”. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111/STJ).
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, a ausência de miserabilidade, e não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão. Pugna pelo efeito suspensivo extraordinário ao recurso.
Com contrarrazões, subiram os autos. Ao final prequestiona a matéria.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081129-53.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACI MARIA DA SILVA OLIVEIRA, ESPÓLIO DE IRACI MARIA DA SILVA OLIVEIRA - CPF 036.405.791-27
REPRESENTANTE: SAMUEL LUIZ DE OLIVEIRA JUNIOR, LUCAS LUIZ SILVA DE OLIVEIRA, SAMUEL LUIZ DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Requer o INSS, em seu recurso de apelação, a concessão do efeito suspensivo, condicionando eventual implantação de benefício previdenciário após ocorrido o trânsito em julgado.
Não lhe assiste razão.
A alegação veiculada pelo INSS, concernente ao recebimento da apelação no duplo efeito, não se coloca na hipótese dos autos.
A regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a apelação terá efeito suspensivo”, é excepcionada no § 1.º desse mesmo dispositivo legal, cujo inciso V expressamente determina que, “além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória”.
Não impedem, os recursos, a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão em sentido diverso, "se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso" (CPC, art. 995, parágrafo único).
Neste caso, em que o recurso é interposto pelo INSS, não há nem urgência nem evidência para que se conceda o efeito suspensivo. Pelo contrário, a urgência serve à parte autora, já que o benefício previdenciário é considerado verba alimentar.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada consiste na “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém da família, consoante art. 20, § 3.º., da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93”, mas “ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993, dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020, incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
Foi juntada petição de habilitação de herdeiros (Id. 294640627), e certidão de óbito da Sra. Iraci Maria da Silva Oliveira, em 30/07/2022 (Id. 294640626), aos 64 anos.
O laudo médico pericial (Id. 294640621) informa que a parte autora era portadora de “hipertensão arterial sistêmica (CID I10)” e “taquicardia sinusal (CID R000)”, apresentando incapacidade total e temporária para o exercício de atividade laborativa.
A Perita aduz que a parte autora tinha limitação pela idade cronológica e para esforços físicos, sendo um quadro permanente e não tem capacidade laborativa, não é possível precisar desde quando a incapacidade foi detectada, mas em setembro de 2021, já estava incapacitada.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, a idade da parte e a ausência de qualificação profissional, conclui-se que o quadro apresentado se ajusta ao de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação, restando presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social (Id. 294640639), a parte autora residia em imóvel próprio. E relata: “a residência é própria, bem humilde, falta acabamentos, possui cinco cômodos sendo dois quartos, cozinha, sala, banheiro, todos os cômodos não possuem forro. O bairro conta com serviços de saneamento básicos, as ruas são pavimentadas, contém iluminação pública e acesso à unidade básica de saúde”. Declarou a assistente social que a demandante vivia no local com a requerente e seus dois netos (ao qual possuem a guarda), Juliana F. de Oliveira 12 anos e Arthur Joab de 10 anos de idade, formando um núcleo familiar de 4 pessoas.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam R$ 1.150,00, não sabendo precisar ao certo o valor gasto com medicamentos. Afirmou a assistente social: No que tange a renda é fato que a per capta é maior que o indicado, entretanto os gastos superavam a realidade da requerente, uma vez que conforme planilha acima, consta somente itens básicos para a sobrevivência, sem levar em conta a necessita (sic) de roupas, sapatos, alimentação adequada, lazer etc.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que o marido da parte autora, percebe, mensalmente, R$ 1.700,00 (na data do estudo social 02/09/2022), pela aposentadoria por incapacidade permanente. O INSS alega que a aposentadoria do cônjuge era no valor de R$1.710,50, competência de 07/2022 (data do óbito), pelo CNIS.
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pelo cônjuge da parte autora, no mais das vezes, devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de um salário mínimo, uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixados pelo Supremo Tribunal Federal no RE n.º 580.963 (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14.11.2013), depois objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, no REsp n.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 5.11.2015).
O quadro apresentado, dessa forma, ajusta-se ao de miserabilidade exigido pelo diploma legal a que se fez menção acima.
De rigor, portanto, a manutenção da sentença proferida.
Diante do desprovimento do recurso autárquico, os honorários devem, in casu, ser majorados em 2%, com base no art. 85, § 11, do CPC, e balizas estabelecidas em precedente qualificado, de obrigatória observância, por ocasião da apreciação, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Tema n.º 1.059 (REsp n. 1.864.633/RS, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Corte Especial, julgado em 9/11/2023, DJe de 21/12/2023).
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Posto isso, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).
- No tocante à condição de dependente, a Lei n. 9.528/97 alterou a redação original do art. 16, §2º, da Lei n. 8.213/91, ao dispor que "o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento".
- Os elementos que constam nos autos são suficientes para demonstrar a existência de miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
