Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5080969-33.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
19/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 21/10/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. PRESENÇA DOS
REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Impedimento de longo prazo e miserabilidade comprovados nos autos.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5080969-33.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MICHELE APARECIDA CECILIO FIALHO
REPRESENTANTE: ROSANA MARIA FIALHO
Advogado do(a) APELADO: SANDRO LUIS GOMES - SP252163-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5080969-33.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MICHELE APARECIDA CECILIO FIALHO
REPRESENTANTE: ROSANA MARIA FIALHO
Advogado do(a) APELADO: SANDRO LUIS GOMES - SP252163-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando o restabelecimento de benefício assistencial, previsto no art.
203, inciso V, da Constituição da República.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
amparo pretendido.
Foram opostos embargos de declaração pela parte autora, os quais foram rejeitados.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento
dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido, insurge-se com relação ao termo
inicial do benefício, bem como correção monetária e juros.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5080969-33.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MICHELE APARECIDA CECILIO FIALHO
REPRESENTANTE: ROSANA MARIA FIALHO
Advogado do(a) APELADO: SANDRO LUIS GOMES - SP252163-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada consiste na “garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203,
inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20,
caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por
alguém da família, consoante art. 20, § 3.º., da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de
declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que
“sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º,
da Lei nº 8.742/93”, mas “ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao
intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a
miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade,
erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “em tais casos, pode o
Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames
constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes,
2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993,
dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita
para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em
epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020,
incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este
que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20,
3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas
estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos
comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial de 14.06.2019 informa que a parte autora, que nasceu em 02.02.1994,
é portadora de “retardo mental, com comprometimento funcional e psicossocial. Realiza
acompanhamento com a especialidade e faz uso de medicação contínua. Sem queixas.
Totalmente dependente de terceiros”, apresentando incapacidade total e permanente para o
exercício de atividade laborativa.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial, a idade da parte e a ausência de
qualificação profissional, conclui-se que o quadro apresentado se ajusta ao de impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação, restando
presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social de 30.03.2019, a parte
autora “reside na zona rural, em casa cedida, de alvenaria, composta por dois quartos, sala,
cozinha e banheiro, a residência é precária. O piso do domicilio é de cimento queimado e as
paredes são de tijolo com reboco e pintura danificado, com rachaduras nas paredes, o teto com
forro de PVC. Na frente existe um “puxado” coberto com telha de zinco e quintal de terra. A
residência está localizada na zona rural, não conta com calçamento e pavimentação asfáltica, a
água é de poço artesiano, o escoamento sanitário é através de fossa e a energia elétrica é da
rede pública. A família reside nesta casa há quase 1 (um) ano”.
As imagens acostadas aos autos corroboram a afirmação da assistente social, verificando-se
que o mobiliário e os eletrodomésticos que guarnecem a residência são básicos e antigos.
As despesas do núcleo familiar formado por: “1 Rosana Maria Fialho - Responsável Familiar; 2
Michele Aparecida Cecilio Fialho - Sobrinha (Requerente); 3 Maicon Douglas Cecilio Fialho -
Sobrinho; 4 Adauto Fialho Gonçalves da Silva - Filho; 5 Julio Cesar Fialho Gonçalves da Silva –
Filho e 6 Alice Vitoria Araujo Fialho da Silva - Neta”, segundo relatado, totalizam 1.105,00 reais.
Relatou a assistente social que “Rosana conta que cuida de Michele e Maicon há dez anos e de
sua neta Alice desde que nasceu, a mãe de Michele faleceu e o pai, irmão de Rosana, fazem
uns 15 anos que não tem notícias. Revela que mudou para esta casa porque o filho Adauto
conseguiu emprego na granja e o patrão cedeu a casa para a família residir, não pagam
aluguel”.
Quanto à renda familiar, consta nos autos que o primo da requerente Sr. Adauto Fialho
Gonçalves da Silva, “trabalha com registro em carteira de trabalho na granja, neste mesmo
Sitio, há quase um ano, na função de serviços gerais e carregamento, recebendo um salário
mínimo ao mês R$ 998,00”, bem como o irmão da autora e a curadora da requerente
percebem, mensalmente, um salário mínimo cada, proveniente do benefício assistencial de
prestação continuada.
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pela curadora da parte autora
devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de um salário mínimo,
uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação analógica do art. 34,
parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça,
sob a sistemática dos recursos repetitivos, no REsp n.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção,
Rel. Min. Benedito Gonçalves, 5.11.2015).
Referido entendimento, ressalte-se, foi positivado pela alteração realizada pela Lei n.º
13.982/2020, que incluiu, na Lei n.º8.742/93, § 14 no art. 20, segundo o qual “O benefício de
prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo
concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não
será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou
pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste
artigo”.
Cumpre mencionar que não altera a solução da causa o fato de o irmão da autora, ter recebido
o benefício assistencial até o seu óbito em 23.12.2019, conforme informado nos autos, tendo
em vista que o estudo social, realizado em 30.03.2019, comprovou a hipossuficiência
econômica da parte autora.
Do exposto, constata-se que a autora reside em moradia simples, está acometida de patologia
que a impede de trabalhar e depende do auxílio de terceiros para sobreviver, razão pela qual
está presente o requisito da miserabilidade, nos termos em que disposto no art. 20, § 3.º, da Lei
n.º 8.742/93, interpretado à luz do RE n.º 567.985.
De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovados os requisitos
indispensáveis à sua concessão.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da cessação do pagamento do benefício,
pois presentes naquele momento os requisitos necessários à sua concessão.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento
de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal,
assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º
da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996,
circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em
restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul,
as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98)
restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo
que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia
previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao
final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.
Posto isso, nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. PRESENÇA
DOS REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
- Impedimento de longo prazo e miserabilidade comprovados nos autos.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
