
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001414-30.2018.4.03.6132
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: C. C. D. O.
CURADOR: PEDRO SOARES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: MARIA DIRCE PADREDI ALVES - SP254692-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001414-30.2018.4.03.6132
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: C. C. D. O.
CURADOR: PEDRO SOARES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: MARIA DIRCE PADREDI ALVES - SP254692-A,
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda objetivando o restabelecimento de benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República, bem como o cancelamento da cobrança dos valores.
Em 30.11.2018, foi proferida decisão pelo Juízo de primeiro grau, concedendo a tutela de urgência provisória.
O INSS interpôs Agravo de Instrumento perante esta Corte. A 8.ª Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, “para determinar que a autarquia ré restabeleça o benefício assistencial de que trata o art. 20 da Lei n. 8.742/93 em favor da parte autora (NB n. 87/521.681.601-8), a partir do dia seguinte ao da indevida cessação (29/09/2018), e para condená-la ao pagamento dos valores devidos desde aquela data até a implantação do benefício, bem como para anular a cobrança dos valores recebidos anteriormente no referido benefício”, compensando os valores “já pagos administrativamente ou por conta da concessão de tutela antecipada”. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a data da prolação da sentença.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão, motivo pelo qual requer a devolução dos valores recebidos pela parte autora. Se vencido, insurge-se com relação aos honorários advocatícios e custas. Ao final, prequestiona a matéria.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001414-30.2018.4.03.6132
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: C. C. D. O.
CURADOR: PEDRO SOARES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: MARIA DIRCE PADREDI ALVES - SP254692-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada consiste na “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém da família, consoante art. 20, § 3.º., da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93”, mas “ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993, dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita para “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020, incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial de 08.04.2019 informa que a parte autora, que tem 15 anos de idade, é portadora de “Deficiência mental (transtorno mental), de repercussão global, afetando comportamento e desenvolvimento desde a infância”, apresentando incapacidade total e permanente para o exercício de atividade laborativa.
Considerando-se a patologia comprovada via laudo pericial e a ausência de qualificação profissional, conclui-se que o quadro apresentado se ajusta ao de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação, restando presente, portanto, o requisito do art. 20, § 2., da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto ao requisito da miserabilidade, de acordo com o estudo social realizado em 22.11.2018, a parte autora reside em imóvel alugado, com o genitor, com 70 anos, aposentado, a genitora, com 47 anos, a irmã paterna, com 39 anos e o irmão, com 8 anos de idade. Relatou a assistente social que “O estado geral da casa é médio, possui acessibilidade e as condições de habitabilidade são insuficientes e inadequados ao número de pessoas residentes, não possui indícios de reforma, mas inacabada”, é composta por quatro cômodos “1 quarto, 1 sala conjugada com cozinha, 1 banheiro, e 1 área externa”. O mobiliário é simples e precário.
As imagens acostadas ao estudo social corroboram a afirmação da assistente social, verificando-se que o mobiliário e os eletrodomésticos que guarnecem a residência são básicos e antigos.
As despesas do núcleo familiar, segundo relatado, totalizam 2.013,00 reais.
Quanto à renda familiar, depreende-se dos autos que a irmã recebe 320,00 reais, provenientes da atividade de faxineira e 1.009,00 reais, provenientes da aposentadoria de seu genitor.
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pelo genitor da parte autora devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de um salário mínimo, uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, no REsp n.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 5.11.2015).
Referido entendimento, ressalte-se, foi positivado pela alteração realizada pela Lei n.º 13.982/2020, que incluiu, na Lei n.º 8.742/93, § 14 no art. 20, segundo o qual “O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo”.
Do exposto, constata-se que a autora reside em moradia simples, está acometida de patologia que a impede de trabalhar e depende do auxílio de terceiros para sobreviver, razão pela qual está presente o requisito da miserabilidade, nos termos em que disposto no art. 20, § 3.º, da Lei n.º 8.742/93, interpretado à luz do RE n.º 567.985.
De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovados os requisitos indispensáveis à sua concessão.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.
À vista do quanto previsto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão, em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC.
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação, para fixar os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação, supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL. HONORÁRIOS.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente, não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).
- Impedimento de longo prazo e miserabilidade comprovados nos autos.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
- À vista do quanto disposto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
