Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
0001463-33.2010.4.03.6005
Relator(a)
Desembargador Federal FERNANDO DAVID FONSECA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
27/06/2024
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 03/07/2024
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO. PRELIMINAR REJEITADA.
CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E
PERMANENTE. TRABALHADORA RURAL. QUALIDADE DE SEGURADA E CARÊNCIA
COMPROVADAS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
- Da leitura do art. 1003, caput e §1º, do CPC, depreende-se que o prazo recursal terá a sua
contagem iniciada a partir da prolação da sentença proferida em audiência.
- Não há comprovação nos autos de que o INSS tenha sido efetivamente intimado da realização
da audiência.
- Na audiência de instrução e julgamento, a autarquia previdenciária não compareceu.
- O compulsar dos autos não revela a intimação do INSS da sentença proferida, mas tão somente
para a apresentação de cálculos de liquidação, em 19/12/2016.
- Dessa forma, tendo iniciado o prazo recursal na data mencionada, e inexistindo menção de
qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo começou a fluir no primeiro dia útil seguinte a
19/12/2016. O recurso foi interposto em 27/01/2017. É tempestivo.
- Efeito suspensivo do recurso de apelação decorre dalei.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria
por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade
de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo
grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após
a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o
período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão
(§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- O exame médico-pericial realizado concluiu pela incapacidade total e definitiva da autora para o
labor habitual, desde23/06/2007.
- A concessão de benefício de incapacidade a segurado especial, independe de carência no
sentido de recolhimento de contribuições, mas pressupõe o exercício de atividade rural nos doze
meses anteriores à data de início da incapacidade ou do requerimento administrativo, ainda que
de forma descontínua.
- Nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não
bastapara comprovar tempo de serviço rural (enunciado nº 149 da Súmula do STJ e Tema nº 297
de seus Recursos Repetitivos).
-Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor
(Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula
14 da TNU). Além disso, é possívelo reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao
documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob
contraditório (Tema 638/STJ).
- Documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a
atividade ruralem regime de economia familiar, situação em que dificilmente todos os membros da
família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes,
na figura de um só deles (TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
-O painel probatório colhido, combinando indícios materiais e prova oral, dá conta de que a autora
trabalhou na roça por mais de doze meses antes de cair incapacitada, reputando-se comprovado
o requisito “carência”.
- O caso deveras suscita por invalidez.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da citação (30/08/2010), diante da ausência
de prévio requerimento administrativo (Súmula 576 do STJ). Data de juntada do laudo é anódina
para fixar DII e DIB.
- Acréscimos legais esclarecidos.
- Honorários advocatícios da sucumbência majorados em 2%.
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001463-33.2010.4.03.6005
RELATOR:Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLENIR FERNANDES GONCALVES RAMIRES
Advogado do(a) APELADO: ALCI FERREIRA FRANCA - MS6591-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001463-33.2010.4.03.6005
RELATOR:Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLENIR FERNANDES GONCALVES RAMIRES
Advogado do(a) APELADO: ALCI FERREIRA FRANCA - MS6591-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação ajuizada em 17/05/2010 por meio da qual se pleiteia a concessão de
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença a trabalhadora rural.
O feito foi sentenciado em 19/02/2015. O pedido foi julgado procedente, para conceder
aposentadoria por invalidez à autora, a partir da citação (30/08/2010). Anteciparam-se os efeitos
da tutela
O INSS interpôs apelação e os autos subiram a esta Corte.
Decisão de segundo grau deu parcial provimento ao recurso para anular a sentença,
determinando o retorno dos autos à Vara de Origem para a colheita da prova oral.
Baixados os autos, prova testemunhal foi produzida.
Assim instruído, ofeito foi novamente sentenciado em 24/08/2016. O pedido foi julgado
procedente, para conceder aposentadoria por invalidez à autora, a contar da citação
(30/08/2010). As prestações correspondentes haviam de acrescer-se de correção monetária e
juros de mora, de acordo com o Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal. Os
honorários advocatícios foram arbitrados no percentual mínimo, nos termos do §3º do art. 85 do
CPC. O feito ficou indene de custas.
O INSS interpôs apelação. Em suas razões, alega, preliminarmente, tratar-se de recurso
tempestivo, uma vez que não foi intimadoda sentença, mas somente para elaborar os cálculos
de liquidação. Defende a necessidade de atribuir-se efeito suspensivo ao apelo manejado.
Sustenta, ainda, não estarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício por
incapacidade, nomeadamente a qualidade de seguradaespecial e a carência, em razão da
ausência de provas materiais concretas. Incapacidade laborativa também não foi comprovada.
Subsidiariamente, requer que o termo inicial do benefício recaia na data da juntada do laudo
pericial (10/06/2011). Refere finalmente que a incidência da correção monetária e dos juros de
mora deve observar o contido na Lei nº 11.960/2009.
Com contrarrazões da autora, nas quais aventaa intempestividade do recurso, os autos subiram
a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001463-33.2010.4.03.6005
RELATOR:Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLENIR FERNANDES GONCALVES RAMIRES
Advogado do(a) APELADO: ALCI FERREIRA FRANCA - MS6591-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmenteanaliso a tempestividade da apelação interposta.
Prescreve o art. 1.003, §5º, do Código de Processo Civil:
“Art. 1.003. (...)
§ 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para
responder-lhes é de 15 (quinze) dias." (grifos postos)
Importante assinalar que o INSS tem a prerrogativa de prazo em dobro (art. 183 do CPC).
Por sua vez, dispõe o art. 1.003, caput e §1º, do Estatuto Processual Civil:
"Art. 1003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a
sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são
intimados da decisão.
§ 1º Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for
proferida a decisão." (grifos postos)
Preceitua ainda o art. 219 do CPC:“na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo
juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.
Da leitura dos dispositivos legais em comento, depreende-se que o prazo recursal terá a sua
contagem iniciada a partir da prolação da sentença proferida em audiência.
Sobre o assunto, já decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp nº 1.157.382/PR,
Quinta Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 20/03/2012, DJe 16/04/2012) e a Nona
Turma desta Corte (AC nº 5002462-24.2022.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j.
30/06/2022, DJEN 06/07/2022; AC nº 5152945-37.2020.4.03.9999, Rel. Juíza Federal
Convocada Leila Paiva, j. 04/06/2020, intimação via sistema 05/06/2020).
No caso concreto, a audiência de instrução e julgamento foi designada para o dia 24/08/2016.
Determinou-se a intimação da parte autora, das testemunhas e do INSS, este último via e-mail
(ID 904463487 – Pág. 209).
Não há comprovação nos autos de que o INSS tenha sido efetivamente intimado da realização
da audiência.
Observa-se que, na audiência de instrução e julgamento, a autarquia previdenciária não
compareceu (ID 904463488).
O compulsar dos autos não acusa a intimação do INSS da sentença proferida, mas tão somente
para a apresentação de cálculos de liquidação (ID 90463488 – Págs. 13 e 16), em 19/12/2016.
Dessa forma, tendo iniciado o prazo recursal na data mencionada, porquanto somente aí o
INSS teve a oportunidade de assenhorear-se do asserto proferido, e inexistindo menção
aqualquer causa interruptiva ou suspensiva que obstaculizasse seu curso, o prazo recursal
começou a fluir no primeiro dia útil seguinte a 19/12/2016.
Orecurso foi interposto em 27/01/2017 (ID 90463488 – Pág. 18).
É ele, pois, tempestivo.
Ergo, por preencher os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
O efeito suspensivo postulado decorre de lei (art. 1012, caput, do CPC).
Em se cuidando de benefício por incapacidade, os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão
regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. Aaposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, acarênciaexigida,
será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado
incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. Oauxílio-doençaserá devido aoseguradoque, havendo cumprido, quando for o caso, o
período decarênciaexigido nesta lei,ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual
por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
Eis, portanto, os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii)
carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando
legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e
período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a
filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o
período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão
(§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Verifico que a autora, nascida em 09/06/1961 (ID 90463487 – Pág. 16), desfrutou do auxílio-
doença NB 553.036.197-4 (ID 90463487 – Pág. 151), de 30/08/2012 a 29/10/2012, após o
ajuizamento da ação (17/05/2010).
Com vistas a aquilatar possibilidade da autora para o trabalho, nestes autos perícia foi
realizada.
Oexame médico-pericial levado a efeito (ID 90463487 – Págs. 94/102 e 123/124) constatou que
a autora possui alterações degenerativas na coluna lombar e em articulação coxo-femural
esquerda. Surpreendeu nela osteoartroseem grau severo. Concluiu achar-se a autora total e
permanentemente incapacitada para o trabalho desde 23/06/2007, data da radiografia feita
juntar aos autos (ID 90463487 – Pág. 101).
Verifica-se, assim, a presença de incapacidade.
Sobre qualidade de segurada, aautora afirma trabalho ruralem regime de economia familiar.
A concessão de benefício de incapacidade a segurado especial, independe de carência no
sentido de recolhimento de contribuições, mas pressupõe o exercício de atividade rural nos
doze meses anteriores à data de início da incapacidade ou do requerimento administrativo,
ainda que de forma descontínua.
Como ressabido, nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova
exclusivamente testemunhal não bastapara comprovar tempo de serviço rural (enunciado nº
149 da Súmula do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor
(Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado
(Súmula 14 da TNU). Ademais, é possívelo reconhecimento de tempo de serviço rural anterior
ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida
sob contraditório (Tema 638/STJ).
Vale registrar que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos,
são hábeis a comprovar a atividade ruralem regime de economia familiar, situação em que
dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que
concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-
DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
Afirma a autora na inicial que “é filha de trabalhadores rurais e iniciou as lides rurais ainda muito
jovem, em companhia destes, sendo que após o casamento continuou em companhia do
marido. Em 1997, na esperança de obter um pedaço de terras rurais e lavradias para fixar
residência e ali retirar os alimentos para a família, passou a integrar o Acampamento de “Sem
Terras”, localizado em Amambaí-MS. Enquanto acampada continuou exercendo as lides rurais
em propriedades rurais de terceiros, existentes na região próxima ao acampamento. No final de
1998 foram beneficiados com um lote rural nr. 35, no Assentamento Caracol, localizado em
Bela Vista-MS, local onde passou a morar e laborar em regime de economia familiar.
Permaneceu neste local até abril de 2005, quando em razão da necessidade de permanecer
mais próximade recursos médicos para tratamento de saúde de seu companheiro, permutaram
o lote de terra pelo lote nr. 247, grupo 02, no Assentamento Dorcelina Folador, local onde está
morando até os dias atuais. Neste local é cultivado o básico para alimentação da família e
também criam alguns animais domésticos, tais como: porcos, vacas leiteiras, avesetc” (ID
904463487 – Pág. 6).
A fim de provar o alegado, a autora juntou documentos, a saber, (i) sua certidão de casamento,
ato celebrado em 22/04/1994, qualificando o marido, Dário Ramires, como comerciante e ela
como “do lar” (ID 90463487 – Pág. 17); (ii) certidão de casamento de sua filha, ato celebrado
em 19/02/1999, qualificando o cônjuge da autora como agricultor (ID 904634487 – Pág. 18); (iii)
certidão de nascimento de seu filho (ID 904634487 – Págs. 19/20), com registro datado de
03/11/1997, constando a profissão de Dário como agricultor; (iv) carta de anuência do INCRA
(ID 904634487 – Pág. 22), datada de 18/06/1999, dando a demandante e seu cônjuge como
ocupantes de um imóvel rural de 22 hectares, localizado em Bela Vista/MS; (v) contrato de
assentamento do INCRA (ID 904634487 – Págs. 23/24), firmado em 05/01/1999, indicando o
marido da autora como beneficiário de um lote; (vi)contratos de crédito do INCRA (ID
904634487 – Págs. 25/29), firmados em 23/12/1998 e 31/03/2000, em nome de seu cônjuge;
(vii)declaração anual de produtor rural do ano de 2004 (ID 90463487 – Págs. 31/32), em nome
domarido; (viii) notas fiscais de produtor dos anos de 2002, 2004 e 2005 (ID 904634487 – Págs.
33/35 e 38/41); (ix) “contra-cheque da folha de leite” de 2005 (ID 90463487 – Págs. 36/39 e 42),
constando o seu marido como produtor e (x) cópia de instrução normativa de crédito de fomento
do ano de 1999, constando o seu cônjuge como representante dos assentados do “Projeto de
Assentamento Caracol” (ID 90463487 – Pág. 43).
Prova testemunhal também foi colhida por sistema de gravação audiovisual.A audiência de
instrução foi realizada em 24/08/2016 (ID 90463488 – Pág. 2). Dela se recuperou:
Deoclézio Rocha afirmou conhecer a autora desde 2003, do Assentamento Dorcelina Folador.
Afirmou que a autora foi com o marido para o assentamento, local onde sempre morou. A
autora cuida de animais (porcos e galinhas). Não há empregados na propriedade. Quando a
autora estava bem de saúde, vendia o excedente agrícola, como, por exemplo, o leite. Desde
2007 ou 2008 a autora padece de problemas na coluna. Precisa de ajuda de vizinhos para as
tarefas mais pesadas, sendo que os trabalhos mais leves são desempenhados pela autora e
seu marido.
Maria Aparecida Soares dos Reis afirmou conhecer a autora desde 1998, do Assentamento
Caarapó, em Bela Vista/MS. Acredita que a autora tenha saído de lá em 2002, porquanto seu
marido padecia de problemas de saúde e fazia tratamento em Ponta Porã/MS. Afirmou que a
autora veio para o Acampamento Dorcelina por permuta de lotes. A autora trabalha na lavoura,
planta rama de mandioca e tira leite. Sabe que a autora está doente há 4 (quatro) anos. A
autora veio do outro acampamento bem de saúde, tanto que fazia diárias. Os vizinhos auxiliam
no trabalho pesado, pois a autora e seu marido são doentes e de baixa renda. Nunca ouviu falar
de a autora exercer trabalhos urbanos. Já presenciou a autora trabalhando no lote.
Rosimar da Cruz Nunes afirmou conhecer a autora há 20 (vinte) anos, em Amambaí/MS, onde
eram vizinhas de sítio. Naquela época, a autora trabalhava como bóia-fria. A autora sempre
trabalhou na atividade rural. Desde 2010 a autora não trabalha mais. Às vezes, passa próximo
do lote da autora. A autora planta rama de mandioca, para consumo próprio.
É dizer: o painel probatório colhido, conjugando indícios materiais de prova e testemunhos
colhidos, dá conta de que a autora trabalhou na roça por mais de doze meses, antes de
incapacitar-se total e definitivamente para o trabalho em 2007.
Revela-se despiciendoo fato de a autora possuir vínculos laborativos urbanos no “Frigorífico
Amambai S.A”, de 02/09/1996 a 21/08/1997, “Fribai – Frigorífico Vale do Amambaí Ltda”, de
22/08/1997 a 21/02/1998 (ID 90463487 – Pág. 81). São eles anteriores ao período de labor rural
fartamente documentadonos autos e corroborado pelastestemunhas.
Portanto, o caso deveras suscita aposentadoria por invalidez.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da citação (30/08/2010), diante da ausência
de requerimento administrativo anterior ao ajuizamento da ação (Súmula 576 do STJ). Momento
de juntada de laudo pericial nada tem a ver com data de início da incapacidade a predeterminar
data de início do benefício.
Merece mantida, pois, a sentença.
Esclarece-se que à autora serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a
data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha
comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária,
calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada
em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de1% (um por cento) ao mês (artigo
406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração
do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos
do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
Majoro em 2% (dois por cento) os honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados na
sentença apelada, em observância ao artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC.
Anoto no fecho que, conforme consulta realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais
– CNIS, a autora esteve em gozo de aposentadoria por invalidez previdenciária NB
169.015.691-8, no período de 30/08/2010 a 29/02/2020 (por força da tutela antecipada deferida
na primeira sentença proferida), bem como está a desfrutar de pensão por morte previdenciária
NB 200.900.231-2 desde 16/04/2021 e de aposentadoria por idade NB 224.039.517-0 desde
22/02/2024. Mais de uma aposentadoria não é possível cumular (art. 124, II da Lei nº 8.213/91).
A autora tem, portanto, opção pelo benefício mais vantajoso, com direito de execução das
parcelas do benefício concedido judicialmente até a véspera da aposentadoria concedida
administrativamente, em caso de opção por esta última (Tema 1.018 do STJ).
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação
autárquica, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO. PRELIMINAR REJEITADA.
CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E
PERMANENTE. TRABALHADORA RURAL. QUALIDADE DE SEGURADA E CARÊNCIA
COMPROVADAS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
- Da leitura do art. 1003, caput e §1º, do CPC, depreende-se que o prazo recursal terá a sua
contagem iniciada a partir da prolação da sentença proferida em audiência.
- Não há comprovação nos autos de que o INSS tenha sido efetivamente intimado da realização
da audiência.
- Na audiência de instrução e julgamento, a autarquia previdenciária não compareceu.
- O compulsar dos autos não revela a intimação do INSS da sentença proferida, mas tão
somente para a apresentação de cálculos de liquidação, em 19/12/2016.
- Dessa forma, tendo iniciado o prazo recursal na data mencionada, e inexistindo menção de
qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo começou a fluir no primeiro dia útil seguinte
a 19/12/2016. O recurso foi interposto em 27/01/2017. É tempestivo.
- Efeito suspensivo do recurso de apelação decorre dalei.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria
por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I)
qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº
8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade
profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV)
surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social –
RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou
progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- O exame médico-pericial realizado concluiu pela incapacidade total e definitiva da autora para
o labor habitual, desde23/06/2007.
- A concessão de benefício de incapacidade a segurado especial, independe de carência no
sentido de recolhimento de contribuições, mas pressupõe o exercício de atividade rural nos
doze meses anteriores à data de início da incapacidade ou do requerimento administrativo,
ainda que de forma descontínua.
- Nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal
não bastapara comprovar tempo de serviço rural (enunciado nº 149 da Súmula do STJ e Tema
nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
-Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor
(Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado
(Súmula 14 da TNU). Além disso, é possívelo reconhecimento de tempo de serviço rural
anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal,
colhida sob contraditório (Tema 638/STJ).
- Documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a
atividade ruralem regime de economia familiar, situação em que dificilmente todos os membros
da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das
vezes, na figura de um só deles (TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA:
28/04/2017).
-O painel probatório colhido, combinando indícios materiais e prova oral, dá conta de que a
autora trabalhou na roça por mais de doze meses antes de cair incapacitada, reputando-se
comprovado o requisito “carência”.
- O caso deveras suscita por invalidez.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da citação (30/08/2010), diante da
ausência de prévio requerimento administrativo (Súmula 576 do STJ). Data de juntada do laudo
é anódina para fixar DII e DIB.
- Acréscimos legais esclarecidos.
- Honorários advocatícios da sucumbência majorados em 2%.
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
