
| D.E. Publicado em 21/03/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em juízo de retratação, dar provimento ao agravo para negar provimento à apelação e conceder a tutela antecipada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001683-10.2001.4.03.6114/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando a concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fls. 23).
A fls. 53, foi determinada a inclusão da União no polo passivo da demanda.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido "para condenar os réus à concessão do benefício assistencial definido no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal" (fls. 125), a partir da citação (26/10/01), concedendo a antecipação de tutela.
A fls. 143/145, proferiu-se decisão dando provimento aos embargos de declaração da parte autora, para integrar a sentença com relação ao termo inicial do benefício e aos honorários advocatícios.
Contra a sentença, insurgiu-se a União, interpondo a apelação de fls. 147/152, bem como o INSS, por meio da apelação de fls. 154/158. A autarquia pleiteou a reforma da sentença, bem como a alteração do termo inicial.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 202/206, opinando pelo não provimento dos recursos.
A fls. 208/213, a E. Desembargadora Federal Vera Jucovsky proferiu decisão, com fundamento no art. 557, do CPC, para dar provimento às apelações da União e do INSS.
Em sessão de 17/05/10, a Oitava Turma, por unanimidade, determinou, de ofício, a exclusão da União do polo passivo, e negou provimento ao agravo da parte autora.
A parte autora interpôs Recurso Especial contra o V. acórdão (fls. 248/260).
A E. Vice-Presidência desta Corte, com fundamento no art. 543-C, §7º, inc. II, do CPC, determinou a devolução dos autos a esta Oitava Turma para realização do juízo de retratação ou manutenção do acórdão recorrido, tendo em vista a existência de precedente do C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Recurso Repetitivo Representativo de Controvérsia.
É o breve relatório.
À mesa.
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente, quadra ressaltar que os presentes autos retornaram da E. Vice-Presidência a fim de que fosse reexaminada a questão da miserabilidade, para fins de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 8.742 de 7/12/1993.
O Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. |
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. |
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. |
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. |
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. |
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. |
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. |
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. |
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. |
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. |
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. |
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). |
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. |
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento." |
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13) |
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. |
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. |
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. |
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). |
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável. |
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. |
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. |
7. Recurso Especial provido." |
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09) |
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso concreto, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, entendo que, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu a E. Terceira Seção desta Corte, conforme ementa abaixo transcrita, in verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR. |
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora. |
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo. |
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos. |
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita. |
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91. |
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação. |
VII - Embargos infringentes não providos." |
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04) |
Passo à análise do caso concreto.
In casu, o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 17/09/2002, data em que o salário mínimo era de R$200,00) demonstra que a parte autora, nascida em 23/10/57, reside com sua mãe, nascida em 20/02/29, e com dois irmãos, ambos nascidos em 10/02/64. Os irmãos do autor são deficientes, um deles (Geraldo) possuindo lesão neurológica e dificuldade de deambular, sendo que o outro (Gilmar) apresenta sequela definitiva de traumatismo craniano, e não deambula. A família reside "em imóvel cedido pelo filho casado, Sr. Antonio Clóvis Motta" (fls. 84), e "é composta por 04 cômodos em alvenaria" (fls. 84). A renda familiar é proveniente da genitora Sra. Ida, a qual é aposentada, recebendo benefício no valor líquido de R$ 340,27. Para se manter, a família conta com a ajuda do filho casado, que não reside na casa. Menciona que a genitora visitou o atendimento social em outras oportunidades, para a obtenção de ajuda financeira para medicamentos, óculos, cestas básicas e cadeira de banho para os filhos. Conclui a assistente "tratar-se de família de baixa renda, com vários gastos extras, motivados pela problemática saúde dos três filhos que estão em sua companhia, cuja doença está evoluindo, ocasionando a cada dia novas necessidades, e a renda mensal auferida pela família não é suficiente para suprir todos os gastos" (fls. 85).
Dessa forma, ficou comprovada a alegada miserabilidade da parte autora.
Quadra ressaltar que, no presente caso, foi levado em consideração todo o conjunto probatório apresentado nos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita.
Passo, então, à análise da incapacidade.
Afirmou o esculápio encarregado do exame que a parte autora - com 43 anos à época do ajuizamento da ação (18/05/01) - que "Ao exame clínico constatou-se que o periciando encontra-se desorientado no espaço e no tempo, balbuciando palavras ininteligíveis, encontrando-se em cadeira de rodas, usando fraldas descartáveis, com hipotrofia muscular generalizada e força muscular diminuída globalmente" (fls. 99). Relata que o autor é tratado com anti-convulsivantes, encontrando-se "sob tratamento e controle neurológico constante" (fls. 99). Conclui que "o autor não apresenta condições laborativas de forma permanente e total, necessitando de terceiros para a atividade cotidianas básicas" (fls. 99).
Dessa forma, preenchidos os requisitos exigidos em lei, a parte autora faz jus à concessão do benefício assistencial.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Outrossim, importante deixar consignado que eventuais pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela autarquia na esfera administrativa deverão ser deduzidas na fase da execução do julgado.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
O termo inicial deve ser mantido a partir da citação, nos termos do art. 219 do CPC e jurisprudência desta Turma Julgadora.
Impende salientar que, uma vez demonstrada a verossimilhança do direito, bem como o fundado receio de dano irreparável, é de ser mantida a tutela antecipada.
Com efeito, a prova inequívoca ensejadora da antecipação da tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, encontra-se comprovada pelos documentos acostados aos autos.
Quanto ao perigo de dano, parece-me que, entre as posições contrapostas, merece acolhida aquela defendida pela parte autora porque, além de desfrutar de elevada probabilidade, é a que sofre maiores dificuldades de reversão.
O perigo da demora encontrava-se evidente, tendo em vista o caráter alimentar do benefício e a incapacidade da parte autora, motivo pelo qual entendo que o Juízo a quo agiu com acerto ao conceder a antecipação dos efeitos da tutela.
Ante o exposto, e com fundamento no art. 543-C, §7º, inc. II, do CPC, em sede de juízo de retratação, dou provimento ao agravo legal da parte autora para negar provimento à apelação do INSS. Determino o restabelecimento da tutela antecipada, devendo o INSS implementar o benefício assistencial, no prazo de 30 (trinta) dias, com renda mensal inicial (RMI) no valor de 1 salário mínimo e data de início do benefício (DIB) em 26/10/01 (fls. 144), sob pena de multa a ser oportunamente fixada na hipótese de inadimplemento. Retornem os autos à E. Vice-Presidência desta Corte.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
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| Data e Hora: | 22/02/2016 15:25:06 |
