Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / MS
0002081-56.2016.4.03.6202
Relator(a)
Juiz Federal RAQUEL DOMINGUES DO AMARAL CORNIGLION
Órgão Julgador
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
Data do Julgamento
21/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 24/02/2022
Ementa
E M E N T A
EMENTA: JUÍZO DE RETRATAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADICIONAL DE
FRONTEIRA. TEMA 974/STJ. OMISSÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM
TUTELA ANTECIPADA. RECURSO ACOLHIDO E PROVIDO EM PARTE.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
Mato Grosso do Sul
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002081-56.2016.4.03.6202
RELATOR:1º Juiz Federal da 1ª TR MS
RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL
RECORRIDO: LEONEL MACHADO BANDEIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: ANA ROSA AMARAL - MS16405-A
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002081-56.2016.4.03.6202
RELATOR:1º Juiz Federal da 1ª TR MS
RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL
RECORRIDO: LEONEL MACHADO BANDEIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: ANA ROSA AMARAL - MS16405-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma da Lei (art. 38 da Lei 9.099/95).
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002081-56.2016.4.03.6202
RELATOR:1º Juiz Federal da 1ª TR MS
RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL
RECORRIDO: LEONEL MACHADO BANDEIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: ANA ROSA AMARAL - MS16405-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Trata-se de embargos de declaração opostos pela PARTE AUTORA, que interpõe o recurso,
sob a alegação de que o acórdão embargado, que julgou matéria relativa a pagamento de
adicional de fronteira a servidor público, se encontra eivado de vícios a serem sanados pela
presente via recursal. Alega-se que, ao revogar a antecipação de tutela, o acórdão foi omisso
quanto ao pedido relativo à restituição ou não de valores pagos a tal título, em favor da parte
autora. A parte autora alega ainda que “existe contradição quanto a eficácia da Lei 12.855/13,
haja vista que essa foi regulamenta pelo Decreto nº 9.228/17”, seguido da edição de Portarias
indicando as localidades estratégicas.
Os embargos de declaração têm por finalidade completar a decisão omissa ou, se o caso,
torná-la clara, evidente. Destarte, somente se prestam para atacar um dos vícios apontados
pelo artigo 48 da Lei 9.099/1995 (obscuridade, contradição, omissão ou dúvida), e, em alguns
casos excepcionais, em caráter infringente, para correção de erro material manifesto ou de
nulidade insanável, pois que são apelos de integração, e não de substituição.
Excepcionalmente, emprestam-se efeitos infringentes aos embargos de declaração para corrigir
premissa equivocada existente no julgado, quando o vício apontado é relevante para o deslinde
da controvérsia.
No caso dos autos, ao proferir o acórdão embargado, este colegiado apresentou
expressamente as razões de decidir, com enfrentamento de todas as questões postas. A
indicada contradição apontada pela parte autora não encontra guarida, quando se faz o cotejo
com o teor do julgado, onde afirma-se textualmente que somente a Lei 12.855/2013 não é
suficiente a permitir o pagamento da debatida indenização, sendo este o pedido veiculado na
inicial. Destarte, foram respeitados os limites estabelecidos na lide.
No entanto, com efeito, verifica-se que houve omissão quanto ao pedido relativo a ordenar ou
não que a parte autora restitua o que recebeu à título de antecipação de tutela.
Sendo assim, a fim de integrar o julgado, passa-se à seguinte fundamentação.
Em casos que tais, a Primeira Turma Recursal tem reconhecido o caráter alimentar dos valores
recebidos, conforme citação que segue:
“No mais, em que pese a jurisprudência do C. STJ ter se firmado no sentido da repetibilidade de
valores recebidos por servidores públicos por força de tutelas provisórias posteriormente
revogadas (REsp 1.384.418/SC e REsp 1.401.560/MT - submetido ao regime do art. 543-C do
CPC e da Resolução STJ 8/2008), ocorre que como o princípio da boa-fé objetiva tem,
igualmente, status constitucional e decorre do valor fonte segurança jurídica em sua vertente
objetiva no sentido de que ao cidadão não se pode impor o receio e a insegurança de atos
estatais frágeis e desprovidos de eficácia, notadamente os de natureza judicial, entendo que a
jurisprudência que se formou no âmbito do C. STF, ainda que em casos singulares, deve ser
prestigiada por corresponder, no meu entender, a melhor interpretação e concretização dos
interesses contrapostos do Estado (interesse secundária da administração em reaver valores
financeiros desembolsados) e do cidadão-administrado (que acreditava que a administração
estava agindo com violação ao princípio da legalidade, tanto que, num primeiro momento,
obteve, igualmente, a concordância do Estado-Juiz que lhe concedeu a tutela provisória do bem
da vida).
Nestes termos tem -se que o C. STF possui respeitável jurisprudência no sentido de que verbas
recebidas por servidores públicas por força de tutelas provisórias são irrepetíveis dado o seu
caráter alimentar e a boa-fé presumida do agente público que provocou o Poder Judiciário na
crença de que o ente público estava descumprindo um princípio caro à República que é o
princípio da legalidade.
Neste sentido, cito alguns precedentes: CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E
DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES.
ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE
DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS
EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA.
DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE
DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO. 1. A
compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da
acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão
submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva. 2. O § 2º
do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de função
ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do servidor
(art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função em sua
aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de
vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos
diversos. 3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina,
automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má-fé
do servidor, o que não foi demonstrado nos autos. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício da competência que lhe foi atribuída
pelo art. 71, inc. III, da
Constituição da República, o Tribunal de Contas da União cumpre os princípios do contraditório,
da ampla defesa e do devido processo legal quando garante ao interessado - como se deu na
espécie – os recursos inerentes à sua defesa plena. 5. Ato administrativo complexo, a
aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e acabado após seu exame e registro
pelo Tribunal de Contas da União. 6. Segurança parcialmente concedida. (MS 26085,
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe -107 DIVULG
12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-
01165) ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. SÚMULA STF 473. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA
JURÍDICA E DA BOA FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DE VALORES RECEBIDOS A
MAIOR. HORASEXTRAS. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA PRECLUSA. 1. A
Administração pode, a qualquer tempo, rever seus atos eivados de erro ou ilegalidade (Súmula
STF 473), porém o reconhecimento da ilegalidade do ato que majorou o percentual das horas
extras incorporadas aos proventos não determina, automaticamente, a restituição ao erário dos
valores recebidos, uma vez comprovada a boa-fé da impetrante, ora agravada. Precedentes. 2.
Encontra-se preclusa a questão envolvendo o não- reconhecimento de prescrição do
ressarcimento em relação às parcelas pretendidas e que são posteriores ao qüinqüênio que
antecederam à propositura da ação. 3. Agravo regimental improvido. (AI 490551 AgR,
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 17/08/2010, DJe-164 DIVULG
02-09-2010 PUBLIC 03-09-2010 EMENT VOL-02413-04 PP-00753 LEXSTF v. 32, n. 381, 2010,
p. 94-102) Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO
TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE
FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA
POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. NATUREZA ALIMENTAR E A
PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ AFASTAM A RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS ATÉ A
REVOGAÇÃO DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A
jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido do descabimento da restituição de
valores percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o servidor
público está de boa-fé.
(Precedentes: MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2008; AI 490.551-
AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 3/9/2010) 2. A boa-fé na percepção de valores
indevidos bem como a natureza alimentar dos mesmos afastam o dever de sua restituição. 3.
Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 25921 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 01/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe -060 DIVULG 01-04-
2016 PUBLIC 04-04- 2016)
Mais recentemente, já em decisões monocráticas proferidas por seus Ministros, em casos
análogos ao presente, vem-se firmando a orientação no sentido da irrepetibilidade. Vejamos:
“(...)Decisão: Vistos. Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Maria das Graças
Florentino“(...)Decisão: Vistos. Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Maria das
Graças Florentino contra ato do Tribunal de Contas da União, com o objetivo de se ver
desobrigada da devolução das parcelas recebidas de boa-fé durante o período em que
perduraram os efeitos da concessão da liminar nos autos do MS nº 33.359/DF. A impetrante
narra que: a) ajuizou o MS nº 33.359/DF nesta Suprema Corte, com o objetivo de anular o
Acórdão nº 6286/2014 – Primeira Câmara, em que foi indeferido o registro de sua
aposentadoria, determinando a cessação do pagamento de vantagem deferida por decisão
judicial transitada em julgado; b) em 16/12/14 foi concedida liminar nos autos daquele
mandamus, obstando a supressão do pagamento da vantagem; c) todavia, em 9/5/16, a ação
teve seu seguimento denegado e a liminar, por consequência, restou revogada, motivo pelo
qual interpôs agravo regimental, ainda pendente de julgamento. Assim, revogada a liminar,
aduz que a autoridade impetrada notificou a impetrante a respeito da devolução dos valores
recebidos a título precário, por foça da liminar concedida, entre março de 2015 e
julho de 2016, (...) Não obstante a denegação da ordem nos autos do MS nº 33.359/DF, esta
Suprema Corte, no bojo do agravo regimental finalizado em plenário virtual na data de 29/6/17,
se consignou no voto deste relator – em seguimento a diversos precedentes desta Corte
proferidos em mandamus com o mesmo objeto do MS nº 33.359 – que é descabida a restituição
de valores percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o
servidor público está de boa-fé. Eis o citado trecho do julgado: “Começo salientando ser
oportuno expressar o entendimento da Corte quanto ao descabimento da restituição de valores
percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o servidor público
está de boa-fé. Nesse sentido, vide: “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE
SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO
PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). EXCLUSÃO DE VANTAGEM
ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO.
NATUREZA ALIMENTAR E A PERCEPÇÃO DE BOA -FÉ AFASTAM A RESTITUIÇÃO DOS
VALORES RECEBIDOS ATÉ A REVOGAÇÃO DA
LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta
Corte firmou entendimento no sentido do descabimento da restituição de valores percebidos
indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o servidor público está de
boa-fé. (Precedentes: MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2008; AI
490.551-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 3/9/2010) 2. A boa -fé na percepção de
valores indevidos bem como a natureza alimentar dos mesmos afastam o dever de sua
restituição. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (MS nº 25921/DF -AgR, Rel. Min.
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 4/4/16). “AGRAVOS REGIMENTAIS EM MANDADO DE
SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DOS
ATOS DE APOSENTADORIA E PENSÃO: SUPRESSÃO DE PARCELA REMUNERATÓRIA
RECONHECIDA JUDICIALMENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS RECEBIDAS POR
FORÇA DE MEDIDA LIMINAR DEFERIDA COM FUNDAMENTO EM JURISPRUDÊNCIA
CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CASSADA EM VIRTUDE DA
RECENTE MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. PROJEÇÃO DO POSTULADO DA CONFIANÇA
ASSENTADA PELO PLENÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL NO JULGAMENTO DO
MANDADO DE SEGURANÇA N. 25.430 (REDATOR PARA O ACÓRDÃO O MINISTRO
EDSON FACHIN).
COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DO RELATOR PARA JULGAR PROCESSOS NOS QUAIS
DISCUTIDA A MESMA QUESTÃO JURÍDICA. PRECEDENTES. AGRAVOS REGIMENTAIS
DESPROVIDOS” (MS nº 26443/MA-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de
5/4/16). (...) (MS 34548, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 30/06/2017, publicado em
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01/08/2017 PUBLIC 02/08/2017)
Sob o ângulo previdenciário, a jurisprudência do C. STF é pacífica no sentido de que benefícios
previdenciário consiste em verba alimentar, a qual, por sua natureza, é irrepetível, desde que
recebida de boa-fé.
Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91.
IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O benefício
previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado não está sujeito a repetição de indébito, dado o
seu caráter alimentar. Precedentes: Rcl. 6.944, Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de
13/08/10 e AI n. 808.263-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 16.09.2011.
2. O princípio da reserva de plenário não restou violado, conforme a tese defendida no presente
recurso, isso porque a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada
inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, ou seja, a controvérsia foi
resolvida com fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem à norma
infraconstitucional que disciplina a espécie. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘
PREVIDENCIÁRIO. RENDA MENSAL VITALÍCIA. CONVERSÃO EM
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADA DA DE CUJUS NÃO
COMPROVADA. PENSÃO POR MORTE INDEVIDA. CARÁTER PERSONALÍSSIMO DO
BENEFÍCIO. 1. O benefício de renda mensal vitalícia tem caráter personalíssimo, intransferível
e que não enseja benefício de pensão, por tratar-se de benefício de natureza assistencial e não
natureza previdenciária. 2. Hipótese em que o autor não comprovou que a falecida esposa fazia
jus ao benefício de aposentadoria por invalidez quando do deferimento do benefício de renda
mensal vitalícia, circunstância que não possibilita a concessão de pensão por morte a seus
dependentes previdenciários. 3. Devido ao caráter alimentar do benefício de pensão por morte,
não há como cogitar-se da devolução das prestações auferidas pela parte autora por força da
antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.’
4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ARE 658950 AgR, Rel. Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, DJe 14.09.2012) – grifei.
Importa destacar, pela relevância da matéria, as judiciosas ponderações feitas pelo eminente
Des Fed CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, atual Presidente do Egrégio TRF
4ª Região, quando do julgamento do AGRAVO EM AC Nº 5001637-43.2010.404.7002/PR,
verbis:
“(...) Verifica-se que o requisito prevalecente na jurisprudência para a não-devolução de valores
recebidos indevidamente pelo servidor, não corresponde ao erro da Administração, mas, sim,
ao recebimento de boa-fé.
Ressalte-se a lição de VICENTE RÁO, in 'Ato jurídico' , São Paulo, Editora RT, 1997, p. 196,
que discorrendo sobre esse princípio, concebe-o como:
Estado psicológico, julgado e medido segundo critérios ético-sociais e manifestado através de
atos, atitudes, ou comportamentos reveladores de uma crença positiva errônea, ou de uma
situação de ignorância, ou de ausência de intenção malévola, segundo os casos e conforme as
exigências legais, a boa-fé ora é protegida, ora é reclamada pela lei, sempre por um
fundamento de justiça? O direito se aperfeiçoa, diz Ripert, a medida que leva em conta a boa-
fé. Os autores que a erigem em princípio geral dizem: 'a boa-fé não deve ser considerada
apenas como princípio geral informador das leis, senão, também, como princípio criador que, de
fatos, faz surgir direitos' (A. Valenski, Essai d'une Définition du Droit Basée sur l'Idée de Bonne
Foi, 1929)/ ou, ainda, sustentam consistir a boa-fé em um princípio a que se deve reconhecer a
força de um postulado moral e de segurança das transações (D'Atienza, Efectos Jurídicos de la
Buena Fé, 1935).
Com efeito, tem-se na presunção da boa-fé um valor pelo qual deve se orientar toda relação de
Direito, sobretudo a relação de trabalho entre o agente público e o Estado. E para justificar a
aplicação do princípio da boa-fé noscasos em que o servidor julga legítimo o recebimento de
vantagem, ante a existência de decisão judicial determinando o pagamento, utilizou-se da teoria
da aparência.
Segundo a teoria da aparência, não se pode olvidar que qualquer cidadão comum, com o
respaldo de uma decisão judicial, seria levado a incidir no erro de acreditar que a situação de
fato, amparada pelo ato jurisdicional, corresponde a uma situação jurídica.
Corroborando tal orientação, cumpre consignar a lição de EDILSON PEREIRA NOBRE
JÚNIOR, in 'O princípio da boa -fé e sua aplicação no Direito Administrativo brasileiro' . Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002. p. 131, que, citando o jurista italiano Carlo Marzuoli,
adverte:
(...) 'a boa-fé, mesmo se ela é uma característica das relações entre particulares, exprime uma
era de honestidade aplicável para todos, no direito privado como no público. A mais forte razão
à aplicação desse princípio é justamente necessária quando a Administração age em posição
de supremacia, a fim de conter esta última nos limites da razão, da eqüidade e da justiça'. Ao
rematar, Carlo Marzuoli deixa claro que atualmente predomina o sentimento da perfeita
compatibilidade entre direito administrativo e boa-fé objetiva, sendo esta um princípio
constitucional não escrito. Continuando, o mesmo autor, assevera:
'Categórico, Fabio Merusi assinala, com o propósito de replicar o óbice inerente à adstrição à
legalidade, que a Administração Pública deve desenvolver sua atividade não somente em
atenção a normas legislativas expressas, mas também com base nos princípios gerais do
ordenamento. Tudo isso porque o interesse público não se circunscreve àquele tipificado na lei
formal, mas abarca, da mesma forma, o indicado pelos princípios gerais, nestes inserindo-se,
de modo particular, o da boa-fé. Essa nova silhueta de que se reveste o princípio da legalidade,
igualmente avulta no escólio de Luis Cosculluela Montaner, para quem tal postulado alcançou
sentida evolução, traduzindo hoje, em sua essência, a necessidade de que todos os poderes
públicos se achem submetidos ao Direito, com a necessária lembrança de que tal vinculação
respeita 'a todo o bloco de legalidade, inclusive aos princípios gerais do Direito, positivados ou
não na Constituição e nas leis'.' (EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR, in ' O princípio da boa-
fé e sua aplicação no Direito Administrativo brasileiro'.Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 2002. p. 134)
Por conseguinte, ainda que o recebimento da vantagem não seja devido, uma vez recebida,
seja em decorrência de errônea aplicação da lei pela Administração, seja por força de decisão
judicial mesmo que precária, se o servidor a recebeu de boa-fé e com base na teoria da
aparência, não se pode exigir sua restituição. É que os valores recebidos indevidamente pelo
servidor, a título de vencimento, remuneração ou vantagens pecuniárias, não servem de fonte
de enriquecimento, mas de subsistência dele e de sua família.
Logo, não há que se falar em obrigação de restituição pelo servidor público de quantias
recebidas indevidamente (e de boa-fé) do erário, a título de vencimento ou vantagens
pecuniárias, seja em virtude de erro da Administração, como in casu, seja em razão de
sentença ou decisão judicial.
Correto, portanto, o voto vencido, ao firmar o entendimento de que os valores recebidos pelos
servidores foram de boa-fé, apesar de indevidos, não cabendo falar em restituição.
Em síntese, é incabível a restituição ao Erário sempre que, tratando-se de verba alimentar, o
servidor receber de boa-fé os valores indevidamente pagos. (...)” grifei.
Nesta linha de entendimento, qual seja, de que o ângulo de análise deve estar mais centrado no
servidor público e sua boa-fé na compreensão e crença na existência do direito, de acordo com
os dados fáticos e jurídicos presentes, do que no ato pelo qual se viabilizou o pagamento
posteriormente tido como indevido, a saber, atuação espontânea da administração ou decisão
judicial mediante provocação, o próprio C.
STJ já decidiu calcado nesta exegese, verbis:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL - DESCONTO DE VALORES
RECEBIDOS DE BOA -FÉ POR SERVIDOR PÚBLICO EM DECORRÊNCIA DE ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE EMBARGOS REJEITADOS.
1. O requisito estabelecido pela jurisprudência, para a não devolução de valores recebidos
indevidamente pelo servidor, não corresponde ao erro da Administração, mas, sim, ao
recebimento
de boa-fé.
2. Pelo princípio da boa-fé, postulado das relações humanas e sociais, deve-se orientar o
Direito, sobretudo as relações de trabalho entre agente público e Estado. (RMS 18.121, Rel.
Min. Paulo Medina)
3. valores recebidos indevidamente pelo servidor, a título de vencimento ou de remuneração,
não servem de fonte de enriquecimento, mas de subsídio dele e de sua família. POSTO ISSO,
CONHEÇO do presente recurso inominado e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para o fim
de JULGAR PROCEDENTE o pedido exarado na inicial, mais precisamente, para assentar a
irrepetibilidade dos valores decorrentes de vantagens, remunerações, gratificações ou
indenizações recebidos pelo servidor público por força de tutela antecipada posteriormente
cassada, dada a boa-fé presumida do beneficiário e a natureza alimentar da verba que não gera
enriquecimento sem causa do servidor público que a percebeu. Ressalvadas, contudo, as
hipóteses de clara má-fé e quando é inequívoco o conhecimento do servidor público de que não
existe o direito.”
Desse modo, em reverência aos princípios constitucionais norteadores deste Juizado Especial
Federal, conferindo maior celeridade e racionalidade ao serviço de prestação jurisdicional, e, ao
mesmo tempo, garantindo a segurança jurídica que a uniformidade nas decisões judiciais
propicia, adoto como meus fundamentos os supra transcritos, também já acolhidos por esta
Turma Recursal na oportunidade do julgamento do referido RI 0001753-92.2017.4.03.6202, rel.
Juiz Federal Ronaldo José da Silva, julgado em 29/11/2018. Entre os fundamentos que balizam
esta decisão, destacam-se aqueles relativos à boa-fé no recebimento de verba alimentar e a
segurança jurídica que deve advir das decisões judiciais aliada à proteção da confiança
legítima.
Ademais, o entendimento esposado guarda harmonia com os balizamentos advindos das
instâncias superiores. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do TEMA 984, onde
enfrentou questão análoga, decidiu nos seguintes termos:
“O Supremo Tribunal Federal veda o aumento de vencimentos pelo Poder Judiciário com base
no princípio da isonomia, na equiparação salarial ou a pretexto da revisão geral anual, não
sendo devida, portanto, a extensão do maior reajuste concedido pela Lei estadual nº
7.622/2000 aos soldos de toda a categoria dos policiais militares do Estado da Bahia,
dispensada a devolução de valores eventualmente recebidos de boa-fé até a data de conclusão
do presente julgamento no Plenário Virtual desta Corte” (RE 976610, trânsito em julgado
28/02/2019)..
Nesse ponto, no entanto, nota-se que a Suprema Corte trouxe modulação, que deve ser
observada na solução do caso concreto. Vale dizer, o pagamento dos valores recebidos a título
de tutela antecipada já não pode mais ficar sob a proteção da decisão concessiva, quando
houve uniformização da jurisprudência, tornando incontroverso o mérito a respeito do objeto
principal da demanda e em desfavor do beneficiado com a medida.
No mesmo sentido, já havia decidido a Suprema Corte, sob o rito dos recursos submetidos à
repercussão geral (TEMA 503), relativo às desaposentações e reaposentações. Firmou-se
entendimento no sentido de que a devolução dos eventuais valores recebidos, com base em
decisões judiciais de natureza precária, somente seria exigível a partir da publicação do
acórdão que definiu não ser devido o pagamento daquele montante. A conferir:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEMA 503 DA REPERCUSSÃO GERAL.
DESAPOSENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXTENSÃO AO INSTITUTO DA
REAPOSENTAÇÃO. AMPLIAÇÃO DA TESE, UNICAMENTE PARA FINS DE
ESCLARECIMENTOS. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES ALIMENTARES RECEBIDOS DE
BOA-FÉ, POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL, ATÉ A PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO
DESTE JULGAMENTO.MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO JULGADO, PARA PRESERVAR AS
HIPÓTESES RELATIVAS ÀS DECISÕES TRANSITADAS EM JULGADO ATÉ A DATA DESTE
JULGADO. (RE 661256/SC e RE 827833/SC, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO,
Julgados em 06/02/2020)” Destaques não constantes no original.
No presente caso concreto, a balizar a questão está o TEMA 974, julgado pelo STJ em
novembro de 2018, definindo que:
“A Lei 12.855/2013, que instituiu a Indenização por Trabalho em Localidade Estratégica, é
norma de eficácia condicionada à prévia regulamentação, para definição das localidades
consideradas estratégicas, para fins de pagamento da referida vantagem.”
Sendo assim, a parte deve ser dispensada de devolução de valores recebidos por força de
tutela concedida nos moldes já especificados, até 28/11/2018.
Anote-se, inclusive ser suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que
se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de
expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado, a título de
prequestionamento.
Ante o exposto, conheço dos embargos opostos pela parte, porque tempestivos, acolhendo-os,
face à existência de omissão, que fica suprida nos termos da presente fundamentação. Esta
passa a fazer parte integrante do julgado, ficando a parte autora dispensada de efetuar
devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada até 28/11/2018.
O cumprimento, no caso de restituição, se fará pelo meio menos gravoso ao devedor, com
observância das prescrições dos artigos 46 e 47 do Estatuto dos Servidores Públicos da União
(Lei 8.112/90)
Sem honorários. Custas na forma da lei.
É o voto.
ACÓRDÃO
Relatados e discutidos estes autos em que são partes as pessoas indicadas, decide a Primeira
Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul, por unanimidade, acolher os
embargos, dando-lhes parcial provimento, nos termos do voto da Relatora. Participaram do
julgamento, além da subscritora deste, os juízes federais Jean Marcos Ferreira e Ronaldo José
da Silva.
Campo Grande (MS), data e assinatura conforme certificação eletrônica.
RAQUEL DOMINGUES DO AMARAL
JUÍZA FEDERAL RELATORA
E M E N T A
EMENTA: JUÍZO DE RETRATAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADICIONAL DE
FRONTEIRA. TEMA 974/STJ. OMISSÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM
TUTELA ANTECIPADA. RECURSO ACOLHIDO E PROVIDO EM PARTE. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a 1ª Turma Recursal da
Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, acolher em parte os
embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
