Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1996875 / SP
0001796-78.2012.4.03.6113
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO POSITIVO. DECADÊNCIA. REVISÃO DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. CIRURGIÃO DENTISTA. TERMO INICIAL.
HONORÁRIOS.
- O resultado do julgado acordado deve ser reformado, uma vez que contraria o artigo 103 da
Lei 8.213/1991. No caso, administrativamente foi concedido à parte autora o benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 116.185.059-4), requerido em 24/02/2000, com
vigência a partir desta data, e com início de pagamento a partir de 27/08/2002. Dessa forma,
considerando que o termo inicial é o primeiro dia do mês subsequente ao do recebimento da
primeira prestação, ou seja, 01/09/2002, e que a presente ação foi ajuizada em 18/06/2012, não
se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
- Em assim sendo, retrata-se do v.acórdão de fls. 357/361, para afastar o reconhecimento da
decadência, prosseguindo na análise do mérito do recurso.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- - O laudo técnico não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem
proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário,
seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder
Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- Constando da perícia que o segurado ficava exposto a agente nocivo, seja pela simples
presença do agente no ambiente , ou porque estava acima do limite de tolerância, deve-se
concluir que tal exposição era, nos termos do artigo 65, do RPS - Regulamento da Previdência
Social, habitual, não ocasional nem intermitente e indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
- A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Considerando tal
evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997);
superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
- No caso, pretende o autor, que seja revisada a aposentadoria por tempo de contribuição que
lhe foi concedida, retroativamente à data de início de pagamento (27/08/2002), considerando
como atividade especial a atividade de dentista desempenhada no período de 1976 a 1999,
convertendo-se tal período para o tempo comum, utilizando-se as regras e a forma de cálculo
vigentes até a publicação da Lei nº 9.876/1999.
- A princípio, insta consignar que as atribuições do dentista são consideradas insalubres pelos
Códigos 2.1.3 do Decreto 53.831/1964 e 2.1.3, Anexo II, do Decreto 83.080/1979, já que o
contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes é inerente às atividades desenvolvidas
por tais profissionais. E conforme acima fundamentado, até 28.04.1995, o enquadramento do
labor especial poderia ser feito com base na categoria profissional, tendo o segurado, de provar,
após essa data, por meio de formulário específico, a efetiva exposição a agente nocivo.
- Oportuno destacar que aos segurados que tenham recolhido à Previdência Social como
contribuintes individuais, autônomos, não há óbice para o reconhecimento das atividades
especiais exercidas, porquanto a Constituição Federal (artigo 201, § 1º) e a Lei 8.213/91 não
fazem quaisquer diferenciações entre os segurados para fins de concessão da aposentadoria
especial.
- Por outro lado, eventual dificuldade enfrentada pelo contribuinte individual para comprovar a
exposição habitual e permanente a agentes nocivos não deve ser arguida com o fito de se
justificar a impossibilidade do reconhecimento de atividade especial.
- Não deve proceder o argumento de ausência de fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e
artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91) para os períodos reconhecidos como especiais dos
contribuintes individuais. O fato de inexistir abordagem/previsão legal para o custeio da
atividade especial pelo contribuinte individual não os exclui da cobertura previdenciária.
Ademais, nesse particular, restou consignado no Recurso Extraordinário com Agravo nº
664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em sede de
Repercussão Geral, que a ausência de prévia fonte de custeio não prejudica o direito dos
segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver ofensa ao princípio da
preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o art. 195, § 5º, da Constituição Federal
(que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios previdenciários sem a
correspondente fonte de custeio ), contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição
inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria constituição, como é o
caso da aposentadoria especial.
- Em resumo, para que seja possível reconhecer a atividade especial do contribuinte individual,
faz se necessário a comprovação do recolhimento das contribuições individuais no período, a
comprovação do efetivo exercício da profissão e, por último, a comprovação da insalubridade
da atividade nos termos exigidos pela legislação previdenciária nos variados períodos de sua
evolução.
- Nesse passo, verifica-se que os recolhimentos das contribuições como contribuinte individual
foram reconhecidos administrativamente, conforme se extrai do procedimento administrativo
juntado aos autos. A atividade de cirurgião dentista também foi comprovada pelos documentos
acima especificados. E o LTCAT confeccionado por Engenheiro de Segurança e Higiene do
Trabalho, e Técnico em Segurança do Trabalho, sobre o qual o INSS não arguiu
especificadamente quaisquer irregularidades, esclareceu que com base nas condições similares
de trabalho, o autor estava exposto aos agentes físicos ruído de 76 dB a 85 dB e radiação
(análise qualitativa); agentes químicos - mercúrio e seus sais e amálgamas, cloreto e fulminato
de Hg (avaliação qualitativa); e agentes biológicos - germes infecciosos ou parasitários
humanos - animais (avaliação qualitativa) .
- Diante desse cenário, é possível reconhecer a exposição do autor aos agentes noviços físicos,
biológicos e químicos, sendo forçoso concluir pela especialidade de sua natureza laborativa, no
período perseguido (01/12/1976 a 28/11/1999).
- Noutro giro, extrai-se dos autos, que foi concedido ao autor o benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição, com renda mensal inicial de R$ 978,58, posteriormente revisada para
R$ 767,13, com reflexos nas parcelas que tinha direito pelos atrasados, de 2000 a 2002.
- Da análise detida dos documentos colacionados pelo autor, observo que ao ser revisada sua
renda mensal para R$ 767,13, foi considerado o tempo de contribuição de 32 anos, 05 meses e
23 dias, considerando que o autor havia preenchido os requisitos necessários, até a EC
20/1998, para a concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço,
com o cálculo de acordo com a redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991.
- Percebe-se que nesta concessão revisada, foi mantido o reconhecimento da especialidade no
período de 01/12/1976 a 28/04/1995, diante da possibilidade do enquadramento como especial
pela categoria (fls. 31 e 175), restando tal período incontroverso.
- S.m.j. a revisão de sua renda mensal decorreu de erro na constatação do tempo de atividade
perante o empregador Atante S/A Ind. Médico (inicialmente considerado de 08/01/1969 a
03/02/1978, posteriormente retificado para 08/01/1969 a 03/02/1972 - fls. 121 e 175).
- De toda a forma, o autor tem direito à revisão de sua renda mensal inicial, pelo
reconhecimento da atividade especial de 29/04/1995 a 28/11/1999 (considerando que o período
de 01/12/1976 a 28/04/1995 foi reconhecido administrativamente), tendo em vista que na data
da DER (24/02/2000), tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição INTEGRAL,
devendo o cálculo do benefício ser feito de acordo com a Lei 9.876/1999, com a incidência do
fator previdenciário, porque a DER é anterior a 18/06/2015, data do início da vigência da MP
676/2015, convertida na Lei 13.183/2015 (tabela anexa).
- Fixa-se a data do requerimento administrativo (24/02/2000) como a data dos reflexos da
revisão ora pretendida, a teor do que decidiu o C. STJ, em sede de Incidente de Uniformização
de Jurisprudência, que firmou entendimento no sentido de que a DIB será fixada na data do
requerimento administrativo se nessa data estiverem preenchidos os requisitos, ainda que a
comprovação da especialidade da atividade tenha surgido em momento posterior, como, por
exemplo, após proposta a ação judicial (STJ - Petição nº 9.582 - RS 2012/0239062-7).
- Determina-se que o INSS proceda a devida adequação nos registros previdenciários
competentes, converta o período especial reconhecido em tempo comum, pelo fator 1,40,
recalcule a renda mensal do benefício NB 116.185.059.4, e pague os atrasados referentes a
esta revisão com os parâmetros acima definidos.
- Vencido o INSS na maior parte, a ele incumbe o pagamento integral das verbas de
sucumbência, respeitadas as isenções legais. Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor
das prestações vencidas, até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até
porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de
declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de
eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do
IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o
INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto
com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de
critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do
julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem
observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao
entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
- Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada
em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E.
- Juízo de Retratação Positivo.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em juízo de retratação,
com fulcro no artigo 543-C, § 7º, inciso II, do CPC/1973 - atualmente artigo 1040, inciso II, do
NCPC -, reconsiderar o acórdão impugnado para afastar a ocorrência da decadência, e assim
dar parcial provimento à apelação do autor, invertendo os ônus da sucumbência, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
