
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008543-70.2014.4.03.6114
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: AGENOR ALVES PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: OSIAS PEREIRA - SP156530-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARIO EMERSON BECK BOTTION - SP98184-B
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008543-70.2014.4.03.6114
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: AGENOR ALVES PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: OSIAS PEREIRA - SP156530-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARIO EMERSON BECK BOTTION - SP98184-B
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VANESSA MELLO (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta por AGENOR ALVES PEREIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em mandado de segurança, com pedido liminar, objetivando o restabelecimento do benefício por incapacidade permanente (NB 504.157.593-9), bem como a suspensão da cobrança da autarquia pelos valores recebidos pelo requerente.
A r. decisão de ID 107764012 (fls. 56/59) indeferiu o pedido de liminar do autor.
A r. sentença de ID 107764012 (fls. 69/72) denegou a segurança e extinguiu o processo com resolução do mérito, na forma do art. 269, I, do CPC/73. Por fim, condenou o autor ao pagamento de custas, ressalvada a gratuidade de justiça concedida. Não houve condenação em honorários advocatícios, em observância ao disposto no art. 25, da Lei nº 12.016/2009.
Em razões recursais de ID 107764012 (fls. 78/87), a parte autora pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento da decadência do direito da autarquia em realizar a revisão dos benefícios concedidos, com o sucessivo restabelecimento do benefício por incapacidade cessado pela autarquia. No mérito, requer o cancelamento da cobrança do INSS pelos valores recebidos pelo autor, sob a alegação de ter agido de boa-fé.
O INSS apresentou contrarrazões (ID 107764012, fls. 90/91).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
O Ministério Público Federal, em parecer de ID 107764012 (fls. 98/107), opinou pelo provimento parcial do apelo do autor, a fim de que seja afastada a cobrança dos valores pagos pelo INSS à título de benefício previdenciário.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008543-70.2014.4.03.6114
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: AGENOR ALVES PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: OSIAS PEREIRA - SP156530-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARIO EMERSON BECK BOTTION - SP98184-B
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VANESSA MELLO (RELATORA):
De início, alega o impetrante ter ocorrido a decadência do direito da autarquia de revisar a concessão de seus benefícios por incapacidade, uma vez que entre a data de início dos benefícios e a data da revisão administrativa, decorreram mais de 5 (cinco) anos.
Neste sentido, em sua redação original, o art. 103 da nº Lei 8.213/91, nada tratava acerca da decadência, dispondo apenas sobre o prazo prescricional para a cobrança de prestações não pagas nem reclamadas na época própria.
Em 27/06/1997, a Medida Provisória nº 1523-9, convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/1997, alterou a redação do dispositivo legal supratranscrito, passando prever o prazo decadencial de 10 anos “de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”. Neste sentido:
Art. 103. É de 10 anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
Parágrafo único - Prescreve em 5 anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
Referida Medida Provisória vigorou até o advento da Lei nº 9.711, de 20/11/1998, que diminuiu para 5 (cinco) anos o prazo de decadência para a revisão dos atos de concessão de revisão por iniciativa do segurado:
Art. 103. É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)
Ocorre que, antes de decorridos os 5 anos previstos na referida lei, foi editada a Medida Provisória nº 138, de 19/11/2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.839, de 05/02/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários. Assim:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
(...)
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
(...)
Desta forma, considerando que o auxílio por incapacidade temporária do autor (NB 504.092.330-5), foi concedido em 04/07/2003 (DIB) e convertido em aposentadoria por incapacidade permanente (NB 504.157.593-9), em 10/10/2003 (DIB), alega o apelante ter ocorrido a decadência do direito do INSS revisar seus próprios atos, uma vez que, tais benefícios foram concedidos na vigência da Lei nº 9.711, de 20/11/1998, que previa o prazo quinquenal de decadência.
Entretanto, a matéria foi objeto de apreciação pelo C.STJ, que pacificou o entendimento no julgamento do REsp. nº 1.114.938/AL, que resultando no Tema Repetitivo nº 214, segundo o qual o prazo decadencial para a Administração Pública rever os atos que gerem vantagem aos segurados será disciplinado pelo art. 103-A da Lei de Benefícios, descontado o prazo já transcorrido antes do advento da MP 138/2003. Neste sentido:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator.
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a.Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor.
(REsp n. 1.114.938/AL, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 14/4/2010, DJe de 2/8/2010.)”
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO. ART. 103-A DA LEI 8.213/1991. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PRAZO DECENAL. TEMA 214/STJ. ACÓRDÃO PARADIGMA: RESP 1.114.938/AL, REL. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973. AGRAVO INTERNO DA FUNDAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Terceira Seção deste egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.114.938/AL, da relatoria do eminente Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgados em 14/04/2010, sob o rito dos recursos repetitivos, Tema 214/STJ, firmou entendimento segundo o qual o prazo decadencial para a Administração Pública rever os atos que gerem vantagem aos segurados será disciplinado pelo art. 103-A da Lei 8.213/1991, que fixou o referido prazo em 10 anos, descontado o prazo já transcorrido antes do advento da MP 138/2003.
Considerando que o prazo decadencial teve início com a edição da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, a Autarquia Previdenciária tem até o dia 1º de fevereiro de 2009 para rever os atos anteriores à vigência do art. 103-A da Lei 8.213/1991.
2. No caso dos autos, tendo o benefício do autor sido concedido em 13.10.1989 e o termo inicial ocorrido a partir da vigência da Lei 9.784/1999, qual seja, 1.2.1999, não estaria fulminado o prazo previsto no art. 103 da Lei 8.213/1991 para a revisão do benefício, uma vez que o procedimento de revisão administrativa se deu em 4.7.2008, não se consumando o prazo decadencial de 10 anos para a autarquia previdenciária rever o seu ato.
3. Agravo interno do particular que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.234.120/RJ, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 24/11/2021.)”
Assim, no caso dos autos, tendo os benefícios por incapacidade do autor sido concedidos em 04/07/2003 (NB 504.092.330-5) e 10/10/2003 (NB 504.157.593-9) e o procedimento de revisão administrativa, iniciado em 2011, observa-se que não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para que a Autarquia Previdenciária revisasse seus atos.
Desta forma, afastada a alegação de decadência da parte autora.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso
DA DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE
A respeito da devolução de valores indevidamente pagos pela Autarquia Previdenciária, no âmbito do Código Civil, a obrigação da devolução de valores recebidos ilicitamente foi prevista em alguns dispositivos atinentes às obrigações por atos ilícitos, ao pagamento indevido e ao enriquecimento sem causa:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Mas tais institutos não existem apenas no Direito Comum. São conhecidos, também, no Direito Público.
Especificamente no âmbito previdenciário, a Lei nº 8.213/1991 prevê a cobrança de valores pagos indevidamente, que devem ser identificados por intermédio de processo administrativo:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
O Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade da Administração Pública rever seus atos (autotutela), com sua revogação ou anulação em caso de nulidades ou vícios, conforme pacificado nas Súmulas 346 e 473:
Súmula 346 – “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”
Súmula 473 – “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
A Lei nº 8.112/1990 também previu a revisão dos atos administrativos em casos de ilegalidade:
Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.
O processo administrativo, em que restou disciplinada a anulação dos próprios atos pela Administração Pública, encontra-se delineado pela Lei nº 9.784/1999:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A Corte Suprema ainda tratou da questão em repercussão geral (Tema n. 138), em que restou fixada a seguinte tese: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”.
Esta última exigência, a de processo administrativo quando produzidos efeitos concretos, está ligada ao princípio “due process”.
E o artigo 154, §2º, do Decreto nº 3.048/1999 prevê que a restituição deverá ser efetuada de uma só vez nas hipóteses de dolo, fraude ou má-fé.
Constatada a controvérsia acerca da restituição, o Superior Tribunal de Justiça submeteu a questão à delimitação no sistema de recursos repetitivos, no âmbito do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, resultando na pacificação da interpretação no Tema 979/STJ: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". Ainda, a Corte Superior modulou os efeitos da decisão, em atenção ao princípio da segurança jurídica, bem como do interesse social do tema e da repercussão do julgamento, de modo que o entendimento fixado no Tema 979 só seria aplicável aos processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão, ocorrida em 23/04/2021.
Transcrevo a ementa do julgamento do Tema 979/STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp n. 1.381.734/RN, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021, DJe de 23/4/2021.)
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações, passo ao exame do mérito recursal.
Inicialmente, cabe a apreciação do marco temporal indicado na modulação de efeitos do Tema n. 979/STJ, dispondo que a tese fixada somente deveria atingir os processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão em 23/04/2021.
No caso em análise, verifica-se que a ação foi distribuída anteriormente àquela data, em 09/12/2014, de modo que a tese do Tema n. 979/STJ não se aplica ao caso (ID 107764012, fl. 04).
Em primeiro momento, é de se destacar que a Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, vez que ela tem o poder/dever de zelar pela sua observância. A anulação independe de provocação do interessado. Desse modo, a posição jurisprudencial do C. STF, é expressada nas Súmulas 346 e 473, neste sentido:
Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivos de conveniência ou oportunidades, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Contudo, a anulação do ato administrativo, quando atingir interesses ou direitos de terceiros, como por exemplo, aqueles que culminam na suspensão ou cancelamento dos benefícios previdenciários, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado, com fundamento no artigo 5º, LV, da CR/88, deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. De tal modo, a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. IMPETRAÇÃO CONTRA ATO ADMINISTRATIVO QUE DETERMINOU AO IMPETRANTE A OPÇÃO ENTRE A PERCEPÇÃO DA VPNI (VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA) OU DA GAE (GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE EXTERNA), EM RAZÃO DE DETERMINAÇÃO DO TCU QUE CONSIDEROU ILEGAL A CUMULAÇÃO DAS VANTAGENS A SERVIDORES EM SITUAÇÃO IDÊNTICA.
1. Correta a decisão do Tribunal de origem, porquanto o STJ entende que a Administração, à luz do princípio da autotutela, tem o poder de rever e anular seus próprios atos, quando detectada a sua ilegalidade, consoante reza a Súmula 473/STF. Todavia, quando os referidos atos implicam invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório.
2. É de ser afastado o argumento de decadência, já que esta não se consuma no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria e o julgamento de sua legalidade pelo Tribunal de Contas, porquanto o ato de concessão da aposentadoria é juridicamente complexo, que se aperfeiçoa apenas com o registro na Corte de Contas.
3. Recurso Ordinário não provido.
(RMS n. 58.008/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/11/2018, DJe de 19/11/2018.)
No caso em tela, o mandado de segurança foi impetrado pelo autor, visando o, já afastado, reconhecimento da decadência do direito de a autarquia revisar seus atos, com o sucessivo pleito de restabelecimento do benefício cessado. Ainda, requereu, a declaração de inexigibilidade do débito de R$ R$68.519,89 cobrado pelo INSS, relativo ao período em recebeu, indevidamente, aposentadoria por incapacidade permanente.
Isto, pois, extrai-se dos autos que o último vínculo de emprego do impetrante se deu na empresa “Moneda Empreendimentos e participações Ltda”, com data de saída em janeiro/1993. Após este período, o autor relata ter sofrido acidente vascular cerebral (AVCI), em 2002, que o teria deixado incapacitado ao labor, motivo pelo qual buscou o INSS para verificar a possibilidade de concessão de benefício previdenciário.
Assim, alegando ter sido instruído em agência da previdência social (APS) a voltar a contribuir ao RGPS a fim de obter benefício por incapacidade, o autor retornou ao sistema previdenciário, com recolhimentos como segurado facultativo, a partir de janeiro/2003.
Ato contínuo, requereu auxílio por incapacidade temporária (NB 504.092.330-5), que foi concedido a partir de 04/07/2003. Nos termos do laudo médico elaborado pelo INSS em 17/07/2003, extraído do Sistema Informatizado CNIS/Dataprev, observa-se que o início da doença (DID) foi fixado em 09/11/2002, enquanto o início da incapacidade (DII), em 04/07/2003. Isto, pois, segundo o laudo, o autor apresentava-se “inapto” ao trabalho, em razão de “AVC em 09/11/2002 (...)”.
Do mesmo modo, em novo laudo médico realizado em 10/10/2003, constatou-se que o periciado apresentava-se “incapaz com mau prognóstico”, por sequelas decorrentes de “Acidente vascular cerebral com hemiplegia esquerda. Hipertensao arterial. Etilismo. Dormencia na hemiface esquerda”. Reiterando a informação anterior, a DID foi fixado em 09/11/2002, enquanto a DII, 04/07/2003.
Diante das conclusões da perícia realizada em 10/10/2003, o auxílio por incapacidade temporária do autor (NB 504.092.330-5) foi convertido em aposentadoria por incapacidade permanente (NB 504.157.593-9).
Todavia, emerge do Ofício nº 1333/2014, encaminhado ao d. Juízo de primeiro grau, que, 2011, em procedimento de revisão administrativa, a autarquia identificou indícios de irregularidade na concessão dos benefícios do autor. Por este motivo, o impetrante foi encaminhado à perícia médica revisional, na qual a DII foi alterada para 09/11/2002, data em que o impetrante sofreu AVC, conforme parecer técnico de ID 107764012 (fls. 52/53).
Desta forma, considerada a nova data de início da incapacidade, constatou a autarquia que a enfermidade do impetrante era prévia à sua filiação. Neste sentido (ID 107764012, fl. 50):
“Considerando a DII fixada em 09/11/2002, perda da qualidade de segurado em 16/03/1994 e reingresso ao RGPS em 05/2003, concluímos que o Início da Incapacidade ocorreu anteriormente ao reingresso ao RGPS (Parágrafo Unico do Art. 59 da lei 8213/91)”
Sendo assim, após a conclusão do processo administrativo, em 2014, o benefício do autor foi cessado (DCB: 01/11/2014), e iniciada a cobrança dos valores indevidamente recebidos pelo autor, totalizando a quantia de R$68.519,89 (ID 107764012, fl. 24).
Logo, sob a justificativa ter agido de boa-fé ao requerer os benefícios previdenciários, pugna o apelante pelo “o cancelamento da cobrança dos valores recebidos”, e assim merece prosperar sua alegação.
Isto, pois, conforme analisado, os dois laudos médicos elaborados pelo INSS, por ocasião da concessão e conversão do benefício temporário em permanente, referem-se, no histórico médico do autor, ao AVC ocorrido em 09/11/2002. Ademais, ambos indicam o CID “I62”, relativo ao acidente vascular cerebral (CID: I62 - Outras hemorragias intracranianas não-traumáticas). Ainda, pontuam, como data de início da doença (DID), a o dia do referido AVCI.
Sendo assim, vê-se que, embora perícia médica revisional tenha modificado a DII do autor, observou-se que o AVC sofrido em 11/2002 foi considerado pela autarquia no momento de concessão, conversão e manutenção do benefício.
Vale destacar que os benefícios percebidos pelo apelante foram concedidos pela autarquia previdenciária por meio de ato administrativo, que possui a “presunção de veracidade” como um de seus atributos.
Neste sentido, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “A presunção de veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre com relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública” (Pietro, M. S. Z. D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (37th edição). Grupo GEN, 2024).
Logo, presumida a veracidade dos atos, após terem sido concedidos os benefícios por incapacidade, ainda que por erro da administração na fixação da DII, os valores pagos a esses títulos foram recebidos e usufruídos de boa-fé pelo apelante, não se restando configurada, no caso, qualquer tipo de fraude de sua parte.
Ademais, não foram trazidos aos autos quaisquer elementos hábeis a comprovar a fraude, dolo ou má-fé do postulante em receber os referidos proventos, tampouco comprovada a sua contribuição ou concorrência para a equívoco do INSS, de forma que não pode, o autor, ser responsabilizado pelo erro da Administração Pública.
Assim, independentemente da aplicação do Tema 979, por se tratar de ação ajuizada anteriormente à data indicada na modulação de efeitos, no caso em análise, constata-se que não foi demonstrada a má-fé da parte autora.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu a questão em regime de repetitividade nos seguintes termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devoluçãodos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráteralimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devoluçãodos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(1ª Seção, REsp 1381734/RN, j. 10/03/2021, DJe 23/04/2021, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES).
Nesse passo, verifico que, em observância ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, da natureza alimentar do benefício previdenciário e da boa-fé da parte autora, não há que se falar em devolução dos valores pagos indevidamente.
Portanto, configurado o erro exclusivo da Administração, na fixação da data de início da incapacidade do segurado, fica o apelante desonerado da restituição dos valores por ele percebidos.
Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO ACIDENTE. RECEBIMENTO DE BOA FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES. REMESSA OFICIAL DESPROVIDO.
1. O C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo nº 979, pacificou a interpretação no sentido da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS em razão de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, acrescentando que, na hipótese de erro material da Administração Previdenciária, a repetição dos valores somente será possível se os elementos objetivos do caso concreto levarem à conclusão de que não houve boa-fé do segurado no recebimento da verba, notadamente nas situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro.
2. Restou pacificado pelo E. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE 587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
3. A r. sentença deve ser mantida, eis que se trata de verba alimentar, relativa à devolução de valores decorrentes de benefício previdenciário e não restam dúvidas sobre a boa-fé da parte impetrante.
4. Remessa oficial desprovida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000054-65.2020.4.03.6140, Rel. Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 09/05/2023, Intimação via sistema DATA: 11/05/2023)
“PREVIDENCIÁRIO - ACUMULAÇÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE COM APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - COBRANÇA DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS: ERRO ADMINISTRATIVO, SEM PROVA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA - APELO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO - APELO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
1. A E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
2. O aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática: (i) os valores recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são passíveis de devolução pelo segurado; (ii) os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado; (iii) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); e (iv) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
3. In casu, o INSS busca a restituição de valores pagos indevidamente à parte contrária, decorrentes do pagamento do benefício de auxílio-acidente após a concessão administrativa da aposentadoria por tempo de contribuição. Destarte, apesar da irregularidade da acumulação de auxílio-acidente com a referida aposentadoria, não há nos autos elementos que indiquem atuação do autor para a manutenção indevida do pagamento do auxílio-acidente.
4. Sendo assim, em que pese a demonstração do pagamento indevido, considerando que a presente ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Egrégio STJ, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes mencionada. Desse modo, inexistindo nos autos elementos a demonstrar a má-fé do segurado, não pode prevalecer a decisão apelada no particular deve prevalecer a decisão apelada no particular, com a impossibilidade de restituição dos valores pagos pelo INSS.
5. O pedido de indenização por danos morais deve ser apreciado à luz da teoria da responsabilidade civil do Estado, ficando caracterizado o dever de indenizar quando presentes o dano indenizável - o qual se caracteriza pela violação a um bem imaterial - e o nexo de causalidade entre o dano e a atividade estatal.
6. A mera cessação do benefício, enquanto exercício regular de dever-poder previsto em lei, não gera dano indenizável, exceto se configurado abuso de poder ou desvio de finalidade, incompatível com o exercício normal da função administrativa e que onera o administrado, conforme entendimento firmado por esta Egrégia Corte Regional.
7. No caso, não evidenciado abuso de poder ou desvio de finalidade no exercício da função administrativa, deve subsistir a sentença apelada na parte em que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais.
8. Conquanto a aposentadoria por tempo de contribuição tenha sido concedido em 10/04/2006, o auxílio-acidente só foi cessado pelo INSS posteriormente, com fundamento na impossibilidade da acumulação desses benefício, e a cessação administrativa foi questionada judicialmente. Assim, o prazo para revisão da renda mensal da aposentadoria deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão que confirmou a cessação do auxílio-acidente.Não se verifica, pois, a ocorrência da alegada prescrição, porquanto a presente ação foi ajuizada em 06/02/2019, ou seja, dentro do quinquênio legal contado do trânsito em julgado da referida decisão, ocorrido em 27/06/2015.
(...)
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001065-34.2019.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 02/03/2023, DJEN DATA: 08/03/2023)
Desta feita, entendo que não deve ser acolhido o pleito autárquico de restituição dos valores recebidos pela parte apelada.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da parte autora para afastar a cobrança dos valores pagos pelo INSS à título de benefício por incapacidade (NB 504.092.530-5 e NB 504.157.593-9).
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REVER O ATO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO AFASTADA. LEI Nº 9.711/98. LEI Nº 10.839/04. RESPEITO AO TEMPO DECORRIDO NA LEI ANTIGA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DE VALORES PELO INSS. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ COMPROVADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
- A redação original do art. 103 da nº Lei 8.213/91, nada tratava acerca da decadência, dispondo apenas sobre o prazo prescricional para a cobrança de prestações não pagas nem reclamadas na época própria.
- Em 27/06/1997, a Medida Provisória nº 1523-9, convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/1997, alterou a redação do dispositivo legal, passando prever o prazo decadencial de 10 anos “de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”.
- Referida Medida Provisória vigorou até o advento da Lei nº 9.711, de 20/11/1998, que diminuiu para 5 (cinco) anos o prazo de decadência para a revisão dos atos de concessão de revisão por iniciativa do segurado. Todavia, antes de decorridos os 5 anos previstos na referida lei, foi editada a Medida Provisória nº 138, de 19/11/2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.839, de 05/02/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus benefíciários.
-A matéria foi objeto de apreciação pelo C.STJ, que pacificou o entendimento no julgamento do REsp. nº 1.114.938/AL, resultando no Tema Repetitivo nº 214, segundo o qual o prazo decadencial para a Administração Pública rever os atos que gerem vantagem aos segurados será disciplinado pelo art. 103-A da Lei de Benefícios, descontado o prazo já transcorrido antes do advento da MP 138/2003.
- Tendo os benefícios por incapacidade do autor sido concedidos em 04/07/2003 (NB 504.092.330-5) e 10/10/2003 (NB 504.157.593-9) e o procedimento de revisão administrativa, iniciado em 2011, observa-se que não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para que a Autarquia Previdenciária revisasse seus atos.
-Afastada a preliminar de decadência.
- Cabe a apreciação do marco temporal indicado na modulação de efeitos do Tema n. 979/STJ, dispondo que a tese fixada somente deveria atingir os processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão em 23/04/2021.A ação foi distribuída anteriormente àquela data, em 09/12/2014, de modo que a tese do Tema nº 979/STJ não se aplica ao caso.
- A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, vez que ela tem o poder/dever de zelar pela sua observância. Tal anulação independe de provocação do interessado
- A anulação do ato administrativo, quando afete interesses ou direitos de terceiros, por força do artigo 5º, LV, da CR/88, deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, notadamente aqueles que culminam na suspensão ou cancelamento dos benefícios previdenciários, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado.
- O apelante requer a declaração de inexigibilidade do débito de R$ R$68.519,89 cobrado pelo INSS, relativo ao período em que recebeu, indevidamente, benefício por incapacidade.
- Em perícia médica revisional, a data de início da incapacidade do autor foi alterada para 09/11/2002, momento em que o impetrante não apresentava qualidade de segurado, motivo pelo qual, concluiu-se que a enfermidade incapacitante era prévia ao seu reingresso ao RGPS. Todavia, os laudos médicos elaborados pelo INSS, por ocasião da concessão e conversão do benefício temporário em permanente, referem-se, no histórico médico do autor, ao AVC ocorrido em 09/11/2002. Ademais, ambos indicam o CID “I62”, relativo ao acidente vascular cerebral (CID: I62 - Outras hemorragias intracranianas não-traumáticas). Ainda, pontuam, como data de início da doença (DID), a o dia do referido AVCI.
-Sendo assim, vê-se que, embora perícia médica revisional tenha modificado a DII do autor, observou-se que o AVC sofrido em 11/2002 foi considerado pela autarquia no momento de concessão, conversão e manutenção do benefício.
- Os benefícios percebidos pelo autor foram concedidos pela autarquia previdenciária por meio de ato administrativo, que possui a “presunção de veracidade” como um de seus atributos. Conforme leciona leciona Maria S. Z. Di Pietro: “A presunção de veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre com relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública” (Pietro, M. S. Z. D. Direito Administrativo. 37th edição. Grupo GEN, 2024).
- Presumida a veracidade dos atos, após terem sido concedidos os benefícios por incapacidade, ainda que por erro da administração na fixação da DII, os valores pagos a esses títulos foram recebidos e usufruídos de boa-fé pelo apelante, não se restando configurada, no caso, qualquer tipo de fraude de sua parte.
- Não foram trazidos aos autos quaisquer elementos hábeis a comprovar a fraude, dolo ou má-fé do postulante em receber os referidos proventos, tampouco comprovada a sua contribuição ou concorrência para a equívoco do INSS, de forma que não pode, o autor, ser responsabilizado pelo erro da Administração Pública.
- Em observância ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, da natureza alimentar do benefício previdenciário e da boa-fé da parte autora, não há que se falar em devolução dos valores pagos indevidamente.
- Configurado o erro exclusivo da Administração, fica o apelante desonerado da restituição dos valores por ele percebidos.
-Apelação da parte autora parcialmente provida.
