
Nº
RELATOR:
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5012603-41.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WAGNER FRANCISCO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: JOANA DARC DE MACEDO - SP419664-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado por WAGNER FRANCISCO contra ato do Gerente da Central Regional de Análise de Benefício para Atendimento de Demandas Judiciais da Superintendência Regional Sudeste I, objetivando a cessão dos descontos realizados em seu benefício de prestação continuada NB 88/710.421.334-2, com a devolução dos valores já descontados.
Sustenta o impetrante, em síntese, requereu em 18.02.2020, a concessão do BPC (NB 88/199.685.004-8) e, enquanto aguardava a resposta da autarquia, começou a receber (em 04.2020) o auxílio-emergencial previsto na Lei n. 13.982/2020. Referido benefício (BPC) restou indeferido em 14.01.2021. Em 20.08.2021, foi-lhe deferido o BPC 88/710.421.334-2. Todavia, o INSS considerou como irregular o recebimento do auxílio-emergencial, ante o indeferimento do primeiro benefício requerido, passando a realizar o desconto ora questionado.
Os benefícios da gratuidade da justiça foram deferidos (ID 260414923).
A liminar foi deferida "para determinar que a autoridade impetrada cesse qualquer cobrança e restitua todos os valores descontados do benefício de prestação continuada, NB 88/710.421.334-2" (ID 260415234).
A autoridade impetrada, apesar de devidamente notificada, não apresentou informações.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da segurança (ID 260415239).
Sentença pela concessão da segurança (ID 260415240).
Apelação do INSS, na qual requer, em síntese, a reforma da sentença com a denegação da ordem (ID 260415243).
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em segundo grau, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (ID 261841174).
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5012603-41.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WAGNER FRANCISCO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: JOANA DARC DE MACEDO - SP419664-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): O mandado de segurança obedece a procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".
Para concessão do mandado de segurança é necessário que o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo. É líquido e certo o direito apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando os fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados de forma incontestável no processo.
Segundo o entendimento pacificado pelo E. Supremo Tribunal Federal os valores indevidamente recebidos somente seriam restituídos caso demonstrada a má-fé, tendo em vista tratar-se de verbas de caráter alimenta. A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário.
2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com a fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros.
3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valoresrecebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição."
4. Agravo regimental desprovido." (STF, AgRg no AI 849.529, Relator Ministro LUIZ FUX, j. 14/02/2012, DJe 15/03/2012)
Convém destacar que no julgamento do Tema Repetitivo nº 979, o c. STJ pacificou a interpretação no sentido da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS em razão de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, acrescentando que, na hipótese de erro material da Administração Previdenciária, a repetição dos valores somente será possível se os elementos objetivos do caso concreto levarem à conclusão de que não houve má-fé do segurado no recebimento da verba, notadamente nas situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro. Confira-se:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021).
Modulação dos efeitos:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (Acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).
Desse modo, no presente caso, indevida a restituição destes valores, tendo em vista a natureza alimentar de tais verbas, bem como a ausência de comprovação da má-fé da parte ré no caso concreto.
Nesse sentido a manifestação do Ministério Público Federal:
"Com efeito, o pagamento antecipado do benefício se deu nos termos da referida lei. Por outro lado, o recebimento de benefício por outro membro do núcleo familiar não entra no cômputo da receita familiar. Ademais, há que se considerar que o conjunto probatório acosta- do aos autos não evidencia que o autor tenha recebido tais valores de má-fé, sobretudo no contexto emergencial da Pandemia de Covid-19. Ausente qualquer demonstração de que o autor recebeu o benefício de má-fé, mostra-se inexigível a restituição dos valores já pagos, conforme jurisprudência desse E. Tribunal" (ID 261841174 - Pág. 3).
Averbe-se estar cristalizado na jurisprudência o entendimento de que o mandado de segurança não pode ser utilizado como substitutivo de pedido de cobrança, consoante as Súmulas do STF 269 e 271, vazadas nos seguintes termos:
"Súmula 269 - O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança
Súmula 271 - Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria".
Ressalte-se que as vedações constantes dos verbetes atingem somente o pagamento das verbas vencidas anteriormente à impetração do mandamus, não alcançando as parcelas devidas no curso da ação mandamental.
Sem condenação em honorários advocatícios, consoante o disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Diante do exposto, dou parcial provimento à remessa necessária à apelação do INSS, apenas para limitar os efeitos financeiros a partir da data impetração do presente mandado de segurança, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. TEMA 979/STJ. BOA-FÉ. DESCONTO INDEVIDO. EFEITOS FINANCEIROS. DEVOLUÇÃO. DATA DA IMPETRAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DA APELAÇÃO.
1. Segundo o entendimento pacificado pelo E. Supremo Tribunal Federal os valores indevidamente recebidos somente seriam restituídos caso demonstrada a má-fé, tendo em vista tratar-se de verbas de caráter alimentar.
2. Convém destacar que no julgamento do Tema Repetitivo nº 979, o c. STJ pacificou a interpretação no sentido da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS em razão de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, acrescentando que, na hipótese de erro material da Administração Previdenciária, a repetição dos valores somente será possível se os elementos objetivos do caso concreto levarem à conclusão de que não houve boa-fé do segurado no recebimento da verba, notadamente nas situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro.
3. Tendo em vista a natureza alimentar de tais verbas, bem como a ausência de comprovação da má-fé da parte ré no caso concreto, indevido o desconto.
4. O mandado de segurança não pode ser utilizado como substitutivo de pedido de cobrança, consoante as Súmulas do STF 269 e 271.
5. Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas para limitar os efeitos financeiros a partir da data impetração do presente mandado de segurança, nos termos da fundamentação supra.
