Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000146-11.2017.4.03.6116
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/07/2021
Ementa
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO DE PENSÃO POR
MORTE. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO ANTERIORMENTE AJUIZADA. ERRO EXCLUSIVO
DA ADMINISTRAÇÃO. DEDUÇÃO NO VALOR DA APOSENTADORIA DA QUAL A
IMPETRANTE PASSOU A SER TITULAR. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ.
NATUREZA ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. TEMA 979 DO COLENDO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDIDA.
- Omandado de segurançaé ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra
regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-ámandado de
segurançapara proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
sempre que, ilegalmente ou com abusodepoder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação
ou houver justo receiodesofrê-la por partedeautoridade, sejadeque categoria for e sejam quais
forem as funções que exerça".
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Na situação retratada nos autos, a autora já houvera ajuizado ação anulatória de débito
previdenciário, cujo pedido foi julgado procedente (0000151-43.2011.403.6116), na qual foi
declarada a inexistência de relação jurídica que legitime a ré a efetuar a cobrança decorrente dos
valores recebidos a título do benefício de pensão por morte (NB 01/051.851.878-0).
- Em grau de recurso, em acórdão proferido por este Relator, foi mantido o teor da aludida
decisão (0000151-43.2011.403.6116), reconhecendo a ilegalidade da cobrança. Deve ser
prevalecer o entendimento firmado no acórdão mencionado, no qual este Relator reconheceu a
ilegalidade da cobrança, a inviabilizar, por corolário, as consignações de descontos ora
pretendidas pela autoridade impetrada.
- É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. No caso, não resta
demonstrada a atuação de má-fé da parte impetrante, motivo pelo qual é incabível a devolução
de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da Administração, para
o qual não concorreu.
- Demonstrado o direito líquido e certo da impetrante.
- Ordem de segurança mantida, a fim de compelir a autoridade impetrada à cessação dos
descontos na renda mensal da aposentadoria por idade (NB 41/151.618.032-9), referentes aos
valores percebidos pela impetrante, a título de pensão por morte (NB 01/051.951.878-0), entre
11/12/2005 e 30/04/2009.
-Apelaçãodo INSS desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000146-11.2017.4.03.6116
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENI ORTIZ DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: ALINE ALVES SANTANA - SP276659
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000146-11.2017.4.03.6116
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENI ORTIZ DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: ALINE ALVES SANTANA - SP276659
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em mandado de segurança impetrado por GENI ORTIZ DE
OLIVEIRA contra ato praticado pelo GERENTE EXECUTIVO DA AGÊNCIA DO INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS - EM ASSIS - SP, o qual consistiu em consignar
descontos mensais de 20% (vinte por cento) no valor da aposentadoria por idade da qual
passou a ser titular (NB 41/151618032-9). Argui a impetrante que no ano de 2011 ajuizara ação
anulatória de lançamento previdenciário, distribuída sob o nº 0000151-43.2011.403.6116, na
qual foi declarada a inexistência de relação jurídica que legitime a ré a efetuar a cobrança
decorrente dos valores recebidos a título do benefício de pensão por morte (NB
01/051.851.878-0).
Informações prestadas pela autoridade coatora, no sentido de ter a impetrante recebido
indevidamente parcelas de pensão por morte do ex-marido falecido (NB 01/051.951.878-0) e,
estando a ação 0000151-43.2011.403.6116 em grau de recurso, deu início aos descontos, em
razão de ausência de tutela antecipada na aludida demanda (id. 102974194 – p. 84/85).
A r. sentença recorrida concedeu a segurança, e determinou a imediata cessação dos
descontos, a partir da data da sentença, na renda mensal da aposentadoria por idade (NB
41/151.618.032-9), referentes aos valores percebidos pela impetrante, a título de pensão por
morte (NB 01/051.951.878-0), entre 11/12/2005 e 30/04/2009, até decisão final da Ação
Anulatória nº 0000151-43.2011.403.6116.
Apelação do INSS, pela qual requer a reforma da sentença, denegando a ordem pretendida.
Sustenta que a impetrante, mesmo após o filho ter implementado o limite etário, em 11/12/2005,
continuou a receber o benefício de pensão por morte (NB 01/051.951.878-0) até 30/04/2009,
sem comprovação de dependência econômica em relação ao ex-cônjuge falecido. Argui a
legalidade da cobrança, nos termos do art. 115 da Lei de Benefícios, independentemente de ter
agido com boa-fé, a fim de que não reste caracterizado enriquecimento sem causa (id.
102974195 – p. 18/32).
Contrarrazões (id. 102974195 – p. 39/46).
O Ministério Público Federal absteve-se de emitir parecer quanto ao mérito (id. 102974195 – p.
50/51).
É o relatório.
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APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENI ORTIZ DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: ALINE ALVES SANTANA - SP276659
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DO MANDADO DE SEGURANÇA
O writ of mandamus é o meio processual destinado à proteção de direito líquido e certo,
evidente prima facie e demonstrável de imediato, sendo indispensável prova pré-constituída à
apreciação do pedido. A necessidade de dilação probatória torna inadequada a via
mandamental.
Confira-se o magistério de Hugo de Brito Machado:
"Se os fatos alegados dependem de prova a demandar instrução no curso do processo, não se
pode afirmar que o direito, para cuja proteção é este requerido, seja líquido e certo".
(Mandado de Segurança em Matéria Tributária, 4ª ed., Ed. Dialética, São Paulo, p. 98-99).
Igualmente se manifesta o saudoso Hely Lopes Meirelles:
"As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser de todas as
modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a inicial, salvo no caso de documento
em poder do impetrado (art. 6º parágrafo único), ou superveniente às informações. Admite-se
também, a qualquer tempo, o oferecimento de parecer jurídico pelas partes, o que não se
confunde com documento. O que se exige é prova preconstituída das situações e fatos que
embasam o direito invocado pelo impetrante". (Mandado de Segurança, Ação Civil Pública,
Mandado de Injunção e Habeas Data, 19ª ed. atualizada por Arnold Wald, São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 35).
Ainda sobre o assunto, confira-se o seguinte precedente desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. MANDADO DE
SEGURANÇA. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO. INDÍCIO DE FRAUDE. INADEQUAÇÃO DA VIA
ELEITA. PRECEDENTES .
I - Agravo legal interposto em face da decisão que afastou o reconhecimento da decadência e,
com fundamento no §3º do art. 515 do CPC, denegou a segurança pleiteada, em mandado de
segurança preventivo, extinguindo o feito sem julgamento do mérito, a teor do artigo 267, I e VI,
do CPC, ao fundamento da impropriedade da via eleita, que pressupõe direito líquido e certo e
ato lesivo da autoridade.
II (...)
VII - Não há comprovação do direito líquido e certo do impetrante, e tampouco de ato lesivo da
autoridade, em razão do envio de correspondência para apresentação de defesa, a fim de
restar demonstrada a regularidade da concessão do benefício.
VIII - O ponto fulcral da questão diz respeito à impropriedade da via eleita. A manutenção e
restabelecimento de benefício previdenciário traz consigo circunstâncias específicas que
motivaram cogitar-se a suspensão, além da certificação da ocorrência de ilegalidades, a
reavaliação dos documentos que embasaram a concessão, o cumprimento dos trâmites do
procedimento administrativo, para lembrar apenas alguns aspectos, e não será em mandado de
segurança que se vai discutir o direito ao benefício, cuja ameaça de suspensão decorre de
indícios de irregularidade na concessão.
IX - A incerteza sobre os fatos decreta o descabimento da pretensão através de mandado. Em
tais circunstâncias, o direito não se presta a ser defendido na estreita via da segurança, e sim
através de ação que comporte dilação probatória. Segue, portanto, que ao impetrante falece
interesse de agir (soma da necessidade e adequação do provimento jurisdicional invocado).
Precedentes jurisprudenciais. X - Agravo legal improvido."
(8ª Turma, AMS n° 1999.03.99.103526-9, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. 05/09/2011,
DJF3 15/09/2011, p. 1019).
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido.”
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (Resp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Transcrevo na sequência, o voto proferido por este Relator, nos autos de processo nº 0000151-
43.2011.403.6116, na qual foi declarada a inexistência de relação jurídica que legitime a ré a
efetuar a cobrança decorrente dos valores recebidos a título do benefício de pensão por morte
(NB 01/051.851.878-0):
“(...)
Conforme se depreende dos extratos do Sistema Único de Benefícios – DATAPREV, em razão
do falecimento de José Ferreira Oliveira, ocorrido em 11/12/1990, aos filhos da parte autora,
concebidos na constância do matrimônio, foi-lhes deferida a pensão por morte (NB
051.951.878-0), sendo que o filho mais jovem atingiu o limite etário em 11 de dezembro de
2005, contudo, a postulante continuou a receber o benefício até 30/04/2009, mesmo sem
comprovação de dependência econômica (id. 145172586 – p. 19).
Em processo de revisão administrativa, o INSS constatou a irregularidade e suspendeu o
pagamento da pensão. Além disso, apurou complemento negativo no importe de R$ 19.402,01,
ocasião em que emitiu o ofício nº 1036/21027010, informando-a quanto à irregularidade
constatada, notificando-a a efetuar o recolhimento do respectivo numerário (id. 145172586 – p.
5).
A autora impetrou recurso administrativo, ao qual foi negado provimento pela 15ª Junta de
Recursos da Previdência Social, em decisão proferida em 03 de fevereiro de 2011 (id.
145172592 – p. 12/13).
No que se refere à ausência de dependência econômica do ex-cônjuge, assim preconizava o
art. 13 do Decreto nº 89.312/84, vigente ao tempo do falecimento, in verbis:
“Art. 13. Não faz jus às prestações o cônjuge desquitado, separado judicialmente ou divorciado
sem direito a alimentos, nem o que voluntariamente abandonou o lar há mais de 5 (cinco) anos
ou que, mesmo por tempo inferior, o abandonou e a ele se recusa a voltar, desde que essa
situação tenha sido reconhecida por sentença judicial transitada em julgado”.
Depreende-se da Certidão de Casamento que, em cumprimento de mandado judicial, emitido
em 20 de março de 1990, ter sido averbada a separação judicial dos cônjuges requerentes, sem
demonstração na demanda de que tivesse sido convencionado o pagamento de pensão
alimentícia (id. 145172588 – p. 7).
Sustenta a postulante a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que
guardam natureza alimentar e de terem sido recebidas de boa-fé, sem qualquer intuito de
fraude.
Com efeito, na situação retratada nos autos, não se verifica qualquer evidência de que a autora
tivesse concorrido para a continuidade do pagamento da pensão por morte, mesmo após o filho
ter atingido o limite etário.
É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. No caso, não resta
demonstrada a atuação de má-fé da parte autora, motivo pelo qual é incabível a devolução de
valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da Administração, para o
qual não concorreu.
Dentro deste quadro, porquanto imbuída de boa-fé, carece a parte autora da obrigação de
restituir as parcelas indevidamente auferidas.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS. Os honorários advocatícios serão fixados
por ocasião da liquidação do julgado, nos termos da fundamentação.
É o voto.
(...)”.
Nos presentes autos de mandado de segurança (000146-11.2017.4.03.6116) reitera a
impetrante a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que guardam
natureza alimentar e de terem sido recebidas de boa-fé, sem qualquer intuito de fraude.
Com efeito, na situação retratada nos autos, não se verifica qualquer evidência de que a autora
tivesse concorrido para a continuidade do pagamento da pensão por morte, mesmo após o filho
ter atingido o limite etário.
Deve ser prevalecer o entendimento firmado no acórdão mencionado, no qual este Relator
reconheceu a ilegalidade da cobrança, a inviabilizar, por corolário, as consignações de
descontos ora pretendidas pela autoridade impetrada.
É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. No caso, não resta
demonstrada a atuação de má-fé da parte impetrante, motivo pelo qual é incabível a devolução
de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da Administração,
para o qual não concorreu.
Dentro deste quadro, há direito líquido e certo, razão por que mantenho o teor da r. sentença
recorrida, a qual concedeu a ordem e determinou à impetrada a cessação dos descontos na
renda mensal da aposentadoria por idade (NB 41/151.618.032-9), referentes aos valores
percebidos pela impetrante, a título de pensão por morte (NB 01/051.951.878-0), entre
11/12/2005 e 30/04/2009.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, mantendo o teor da r. sentença
recorrida, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO DE PENSÃO
POR MORTE. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO ANTERIORMENTE AJUIZADA. ERRO
EXCLUSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. DEDUÇÃO NO VALOR DA APOSENTADORIA DA QUAL
A IMPETRANTE PASSOU A SER TITULAR. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ.
NATUREZA ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. TEMA 979 DO
COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDIDA.
- Omandado de segurançaé ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra
regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-ámandado de
segurançapara proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas
data, sempre que, ilegalmente ou com abusodepoder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receiodesofrê-la por partedeautoridade, sejadeque categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça".
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Na situação retratada nos autos, a autora já houvera ajuizado ação anulatória de débito
previdenciário, cujo pedido foi julgado procedente (0000151-43.2011.403.6116), na qual foi
declarada a inexistência de relação jurídica que legitime a ré a efetuar a cobrança decorrente
dos valores recebidos a título do benefício de pensão por morte (NB 01/051.851.878-0).
- Em grau de recurso, em acórdão proferido por este Relator, foi mantido o teor da aludida
decisão (0000151-43.2011.403.6116), reconhecendo a ilegalidade da cobrança. Deve ser
prevalecer o entendimento firmado no acórdão mencionado, no qual este Relator reconheceu a
ilegalidade da cobrança, a inviabilizar, por corolário, as consignações de descontos ora
pretendidas pela autoridade impetrada.
- É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova
satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. No caso, não resta
demonstrada a atuação de má-fé da parte impetrante, motivo pelo qual é incabível a devolução
de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da Administração,
para o qual não concorreu.
- Demonstrado o direito líquido e certo da impetrante.
- Ordem de segurança mantida, a fim de compelir a autoridade impetrada à cessação dos
descontos na renda mensal da aposentadoria por idade (NB 41/151.618.032-9), referentes aos
valores percebidos pela impetrante, a título de pensão por morte (NB 01/051.951.878-0), entre
11/12/2005 e 30/04/2009.
-Apelaçãodo INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, mantendo a concessão da ordem
de segurança, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
