
| D.E. Publicado em 16/10/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares suscitadas e negar provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, mantendo a r. sentença de 1º grau de jurisdição com acréscimo de fundamentação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0002293-08.2006.4.03.6112/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em mandado de segurança impetrado por EUCLIDES MARINHO DAS CHAGAS, objetivando compelir a autoridade impetrada a restabelecer o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
O pedido de medida liminar foi deferido às fls. 112/113.
A r. sentença de fls. 246/253 concedeu a segurança pleiteada para afastar a decisão administrativa que suspendeu o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição e reconhecer o direito líquido e certo ao seu restabelecimento e manutenção.
Em razões recursais de fls. 263/270, sustenta, preliminarmente, falta de interesse processual, tendo em vista que a ação mandamental não é sucedâneo de ação de cobrança, e inadequação da via eleita, ante a necessidade de ampla dilação probatória. No mérito, pleiteia a reforma da r. sentença para que seja denegada a segurança, ao fundamento de inexistir início razoável de prova material contemporânea aos anos de 1964, 1968 a 1970, não restando comprovado o exercício de atividade laboral no referido período. Aduz, ainda, que não há que se falar em decadência. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 278/290) opinando pelo desprovimento da remessa oficial e do recurso de apelação.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, observo que inexiste falta de interesse processual, eis que o impetrante visa, tão somente, o restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, não postulando o pagamento de quaisquer importâncias.
Quanto à alegação de carência da ação mandamental, pela necessidade de dilação probatória, verifico que a mesma se confunde com o mérito e com ele será apreciada.
O mandado de segurança, nos termos do artigo 5°, LXIX, da CF e artigo 1º da Lei nº 12.016/09, é cabível para proteção de direito líquido e certo, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade.
A possibilidade de utilização da via mandamental em âmbito previdenciário limita-se aos casos em que as questões debatidas prescindam de dilação probatória para sua verificação - matéria exclusivamente de direito, portanto - ou naqueles em que se apresente, de plano, prova documental suficiente ao desfecho da demanda.
In casu, a parte impetrante sustenta a ocorrência de ato coator praticado pelo chefe do posto de benefício da agência do INSS em Rancharia-SP, porquanto suspendeu o pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB nº 42/83.996.499-4), após mais de 12 anos de sua concessão.
O processo foi instruído com diversos documentos suficientes ao deslinde da questão, inexistindo inadequação da via eleita.
Compulsando os autos, verifico que foi concedida ao impetrante, após processo de justificação administrativa, aposentadoria proporcional por tempo de serviço, com DIB em 24/03/1993 (NB nº 42/83.996.499-4) - fl. 179.
O INSS deu início à revisão administrativa em 1º/09/2004 (fl. 184) - quando já transcorridos quase 11 (onze) anos e 06 (seis) meses do início do pagamento da benesse ao impetrante - solicitando, em 07/03/2005, apresentação de livros originais em que realizado exame grafotécnico e elementos ou documentos aptos a evidenciar a relação empregatícia com a empresa "Daniel Marinho Chagas", no período de 10/03/1962 a 14/07/1970 (fl. 186); providência cumprida conforme documento de fls. 187/192.
Em 26/10/2005, a Agência da Previdência Social comunicou a existência de indício de irregularidade, consignando que "a documentação apresentada, parcial, livro original no qual foi efetuado o exame grafotécnico, não o exime da apresentação dos demais elementos (documentos) como provas solicitadas" (fl. 193).
Após o procedimento administrativo, o benefício foi suspenso em 16/02/2006 (fls. 39 e 215/216), em razão de não restar comprovado o tempo de serviço requerido, "pelo fato da não apresentação dos elementos, documentos, não ocorrendo o cumprimento da exigência solicitada e a declaração apresentada como defesa (...) não ter levado ao convencimento" (sic). Concluiu a entidade autárquica impetrada que "se considerarmos o tempo de serviço analisados através do exame grafotécnico 'dos anos de', 1962, 1963, 1965, 1966 a 1967, subtraindo o período que não consta o exame grafotécnico documentoscópicos, dos anos de 1964, 1968 a 1970 (até 14/07/1970), ou seja, 03 anos, 07 meses e 14 dias, restaria 27 anos e 20 dias, não permanecendo o direito ao benefício".
Inicialmente, não se pode negar que a Lei nº 8.213/91, em sua redação original, não estabeleceu prazo decadencial para a autarquia proceder à revogação ou, ainda, à revisão dos seus atos.
Entretanto, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, ao regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabeleceu, em seu artigo 54, o prazo decadencial quinquenal, in verbis:
Já em fevereiro de 2004, a Lei nº 10.839/2004 acrescentou à Lei nº 8.213/91 o artigo 103-A, estabelecendo então o prazo decadencial de dez anos para a Previdência Social anular seus atos administrativos, dos quais decorram efeitos favoráveis aos beneficiários, contados da data em que foram praticados, ressalvados aqueles que geraram efeitos patrimoniais contínuos, caso em que o prazo iniciar-se-ia na data de percepção do primeiro pagamento.
Quanto ao tema, vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento sedimentado no sentido de que o prazo decadencial decenal referido tem termo inicial na vigência da Lei nº 9.784/99 (1º de fevereiro de 1999), aplicando-se mesmo sobre os atos praticados antes daquela data, inclusive os de revisão.
A questão foi tratada em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.114.938/AL), cuja ementa passo ora a transcrever:
Entretanto, haja vista o largo lapso temporal (quase 11 (onze) anos e 06 (seis) meses) transcorrido entre a concessão do benefício e o ato que originou a revisão administrativa, penso que o caso dos autos merece análise mais apurada.
Isso porque não se podem afastar, quando das relações estabelecidas entre segurado e autarquia previdenciária, as regras basilares de nosso direito pátrio estabelecidas na Carta Magna, notadamente os princípios que a norteiam.
Neste particular, vale citar as lições trazidas por Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior em sua obra "Comentários à lei de benefícios da previdência social", 14ª edição, p. 571 e seguintes:
Nesta esteira, imperioso ressaltar que, mesmo nas regras anteriores à Lei nº 8.213/91, havia previsão de prazo para a revisão dos processos administrativos de interesse dos beneficiários.
Ressalto, especificadamente, que a Lei nº 6.309/75, em seu artigo 7º, já preconizava:
Acrescento que a regra foi reproduzida no artigo 214, da CLPS, expedida pelo Decreto nº 77.077, de 24 de janeiro de 1976 e, posteriormente, na CLPS, expedida já pelo Decreto nº 89.312, de 23 de janeiro de 1984 (art. 207), que vigorava ainda por ocasião da concessão do benefício em pauta.
Ainda neste sentido, confira-se a ementa do julgamento proferido pela Oitava Turma desta Corte, no Agravo de Instrumento nº 0024025-43.2009.4.03.0000/SP, sob relatoria da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, in verbis:
Conforme salientado, rechaça-se a ideia de inexistência de prazo para a revisão dos atos administrativos, pois não pode o administrado/segurado ficar a mercê da Administração que, indefinidamente, poderia exercer o poder de autotutela.
Por tais razões, em razão do princípio da segurança jurídica, consectário do respeito ao ato jurídico perfeito e da estabilização das relações sociais, de rigor o reconhecimento do instituto da decadência do direito da Administração de revisão do ato concessório do benefício, o qual foi concedido na época em que vigia o prazo quinquenal.
Assim, ultrapassado o prazo legal, a parte está resguardada pelo direito adquirido.
Desta forma, tem o impetrante direito ao restabelecimento do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
Por oportuno, ainda que afastado o instituto da decadência, o que não é a hipótese dos autos, o impetrante demonstrou, através dos documentos carreados, ter direito líquido e certo ao restabelecimento da benesse. Vejamos.
A aposentadoria proporcional por tempo de contribuição foi concedida após justificação administrativa, na qual o segurado comprovou o labor na firma "Casa Marinho", de Daniel Marinho das Chagas, seu genitor, no período de 10/03/1962 a 14/07/1970, tendo, para tanto, apresentado:
- Certidão da Prefeitura Municipal de Martinópolis-SP e do Posto Fiscal Estadual de Martinópolis, demonstrando que o impetrante figurou como sócio da empresa "Marinho das Chagas e Irmão Ltda.", de 1º/07/1980 a 30/11/1992 (fls. 138/138);
- Contrato de constituição de Sociedade por quotas de responsabilidade Ltda. da firma "Marinho das Chagas e Irmão Ltda.", celebrado em 12/06/1980 (fls. 140/141);
- Instrumento de alteração contratual, no qual consta a retirada do impetrante da sociedade em 30/11/1992 (fls. 142/143);
- Declaração Cadastral - DECA, onde consta 10/07/1954 como data de início da atividade da empresa "Marinho das Chagas e Cia Ltda-ME" (fl. 144);
- Exames grafotécnicos (fls. 146/168-verso);
- Certidão do Município de Martinópolis-SP, atestando a atividade da firma "Daniel Marinho das Chagas" de 10/07/1954 até 1º/07/1980, oportunidade em que foi transferida para a firma "Marinho das Chagas e Irmão Ltda." (fl. 169).
O exame grafotécnico, de fls. 146/168, consistiu na análise das seguintes peças: livros diários, da firma "Casa Marinho", nos quais haviam lançamentos manuscritos datados de 28/02/1962 a maio de 1964, maio de 1964 a dezembro de 1965; 1965, 1966 e 1967; e 1968, 1969 e 1970.
O perito criminal concluiu que "do exame físico realizado nos documentos, e das expressivas convergências gráficas observadas pode-se concluir que no período de 10/03/62 a 14/07/70 realmente existem manuscritos que procederam do punho do Sr. EUCLIDES MARINHO DAS CHAGAS".
Desta forma, a documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material, devidamente corroborada por idônea e segura prova testemunhal colhida em 30/06/1993.
Orias Mello declarou conhecer o impetrante há mais de 40 anos, o qual "sempre trabalhou com o pai na casa marinho, desde 1954 no cargo de 'balconista'; que fornecia para a casa Marinho bebidas e cereais, já que era este o seu ramo de negócios; que esta casa marinho não era um comércio de muito porte e por isso não possuía empregados, ficando os serviços apenas por conta de pessoas da família". Acrescentou que "depois de alguns anos passaram a tocar o negócio o justificante e seu irmão de nome Bonifácio Marinho das Chagas" (fl. 171/171-verso).
Enis Reginato afirmou conhecer a parte autora desde 1954, aduzindo que "abriu uma fábrica de brinquedos (...), que a mesma se situava em frente ao armazém que era denominado de casa 'marinho', onde também frequentava como freguês, utilizava-se inclusive do telefone deste armazém e por isso sempre via o Justificante trabalhando com o pai Sr. Daniel, o serviço do justificante era balconista" (sic). Em continuação, asseverou que "não se recorda bem se haviam outros empregados, mas acha que não, já que sempre estavam no armazém o Justificante e seu pai". Por fim, declarou que "o Justificante sempre trabalhou neste armazém" (fl. 172).
Alberto Gouvea aduziu conhecer o impetrante desde o ano de 1954/1955, o qual "trabalhava neste armazém denominado Marinho, junto com o seu pai; que a sua função era a que chamamos de caixeiro, pesava compras, fazia contas, cobrava, enfim, tomava conta; que somente trabalhavam pessoas da família; que fazia compras nesta casa marinho, era freguês e foi atendido pelo Justificante ao fazer suas compras". Acrescentou que "passado muito tempo o Justificante e seu irmão vieram se estabelecer como sócios" (fl. 173).
A prova oral, portanto, é apta a comprovar o labor do impetrante na firma "Casa Marinho", de 10/03/1962 a 14/07/1970.
Acresça-se que a exigência de documentos comprobatórios do labor para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela.
Saliente-se que os documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Por derradeiro, competia à entidade autárquica comprovar qualquer irregularidade ou fraude na documentação apresentada ou no processo de justificação, o que não o fez; não podendo desconsiderar os anos de 1964, 1968 a 1970, tão somente porque o perito criminal deixou de anexar ao laudo fotos e xerox dos referidos interstícios ou porque o impetrante apresentou os livros solicitados, de forma parcial, quando da revisão administrativa, que, frise-se, teve início após 11 (onze) anos e 06 (seis) meses da concessão do benefício.
Ademais, não se olvide que, quando da perícia, constou, nas "peças de exame", a análise dos livros diários de 28/02/1962 a maio de 1964, maio de 1964 a dezembro de 1965; 1965, 1966 e 1967; e 1968, 1969 e 1970.
Assim, patente a ilegalidade do ato de suspensão do benefício previdenciário do impetrante.
Sem condenação no pagamento dos honorários advocatícios, a teor do art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Ante o exposto, rejeito as preliminares suscitadas e nego provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, mantendo a r. sentença de 1º grau de jurisdição com acréscimo de fundamentação.
É como voto.
Desembargador Federal
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