
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5002651-49.2020.4.03.6126
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
PARTE AUTORA: ROBERTO STORTE MATHEUS
Advogado do(a) PARTE AUTORA: EDILENE ADRIANA ZANON BUZAID - SP202564-A
PARTE RE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5002651-49.2020.4.03.6126
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
PARTE AUTORA: ROBERTO STORTE MATHEUS
Advogado do(a) PARTE AUTORA: EDILENE ADRIANA ZANON BUZAID - SP202564-A
PARTE RE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de remessa necessária em face da sentença proferida na ação mandamental objetivando o reconhecimento como período especial de 07.05.1993 a 20.09.2019 e a conversão imediata do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial.
Em virtude do recolhimento das custas processuais, foi indeferido o benefício da justiça gratuita, em decisão de ID 149457543. Foi indeferida, também, a medida liminar, em ID 149457564, por ausência dos pressupostos legais.
O Ministério Público Federal não se manifestou no mérito, tendo em vista que não restou caracterizada a presença de interesse público a justificar sua inclusão, conforme se verifica em ID 149457568.
Posteriormente, o INSS requereu sua inclusão no feito.
Por fim, a sentença concedeu a segurança, verbis:
“Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido e CONCEDO A SEGURANÇA para reconhecer como atividade especial o período de 01.04.2014 a 20.09.2019 e, dessa forma, determino a revisão do benefício NB.: 46/195.525.053-4 e concedo a aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo. Extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Custas “ex lege”. Indevida a verba honorária. Sentença com efeito de tutela antecipada para revisão imediata e futura do benefício, bem como sujeita ao reexame necessário nos termos do parágrafo primeiro do artigo 14, §§ 1º. e 3º. da Lei nº 12.016/2009.”
Processado o feito, os autos vieram a esta Eg. Corte.
É O RELATÓRIO.
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5002651-49.2020.4.03.6126
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
PARTE AUTORA: ROBERTO STORTE MATHEUS
Advogado do(a) PARTE AUTORA: EDILENE ADRIANA ZANON BUZAID - SP202564-A
PARTE RE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA):
DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
Desde a edição da Lei 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/91, o segurado passou a ter que comprovar o trabalho permanente em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física; a efetiva exposição a agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente insalubre.
O RPS - Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 65, reputa trabalho permanente "aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço". Não se exige, portanto, que o trabalhador se exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo.
Consoante o artigo 58, da Lei 8.213/91, cabe ao Poder Público definir quais agentes configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares, de que é exemplo o Decreto n. 2.172/97. Contudo, se a atividade exercida pelo segurado realmente importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é possível reconhecê-la como especial. Segundo o C. STJ, "As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)" (Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC).
Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a legislação de regência os reputava como tal.
Tal é a ratio decidendi extraída do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, no qual o C. STJ firmou a tese de que "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
Já quanto à conversão do tempo de trabalho, deve-se obedecer à legislação vigente no momento do respectivo requerimento administrativo, o que também já foi objeto de decisão proferida pelo C. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (art. 543-C, do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço" (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR).
As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição do Decreto 2.172, de 05.03.1997, tornou-se exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído e calor, que sempre exigiu laudo técnico.
Desde 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes mencionados.
No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Nessa mesma oportunidade, a Corte assentou ainda que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Nos termos do artigo 57, §5°, da Lei 8.213/91, admite-se a conversão de tempo de atividade especial para comum, devendo-se observar a tabela do artigo 70, do Decreto 3.048/99, a qual estabelece (i) o multiplicador 2,00 para mulheres e 2,33 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 15 anos de trabalho; (ii) o multiplicador 1,50 para mulheres e 1,75 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 20 anos de trabalho; e (iii) o multiplicador 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 25 anos de trabalho.
Pelo exposto, pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS
Segundo o Anexo 14, da NR-15 do Ministério do Trabalho, a exposição do trabalhador a agentes biológicos tem sua intensidade medida a partir de análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade do labor. Independentemente do PPP revelar a que concentração se deu a exposição, houve o contato habitual e permanente aos agentes biológicos. Sendo assim, é considerado especial o trabalho desempenhado, de forma habitual e permanente, em ambiente contaminado por agentes biológicos, nos termos do item 3.0.1 do Anexo IV, dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99.
Na singularidade, a parte autora impetrou o presente mandamus objetivando o reconhecimento como período especial de todo o pacto laboral, de 7.5.1993 até 20.9.2019, e a conversão imediata do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, em seu patamar máximo.
O INSS reconheceu a atividade especial do autor no período de 7.5.1993 a 5.3.1997 e 6.3.1997 a 31.3.2014, pelo que resta por incontroverso, deixando de reconhecer o período de 1.4.2014 a 20.9.2019, restando controverso.
Na sentença, foi julgado parcialmente procedente o pedido deduzido pela parte autora e foi concedida a segurança para reconhecer como atividade especial o período de 01.04.2014 a 20.09.2019 e concedida a aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo.
A sentença deve ser mantida, eis que o PPP de id. Id. 149457560 – p. 31/32, regularmente preenchido, revela que, no lapso temporal de 1.4.2014 a 20.9.2019, o autor, no exercício da função de médico, realizava as seguintes atividades; "realiza atendimento emergencial e urgência de pacientes no Pronto Socorro, realizando exames físicos; realiza internação e visitas nos andares"; dentre outras atividades, ficando exposto a agentes biológicos nocivos (material infecto-contagiante dos pacientes que atendia) a materiais perfuro-cortantes e radiação ionizante (raio-x), o que autoriza o reconhecimento da especialidade.
Portanto, resta comprovada a especialidade do período de 1.4.2014 a 20.9.2019. Somando-se tal período especial com os demais já reconhecidos administrativamente pelo INSS (7.5.1993 a 5.3.1997 e 6.3.1997 a 31.3.2014), constata-se que o impetrante soma mais de 25 anos de atividade especial, o que autoriza a concessão da aposentadoria especial, na forma delineada na sentença
CCONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO provimento à remessa oficial, mantendo a sentença apelada tal como lançada.
É COMO VOTO.
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DO AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS. APOSENTADORIA ESPECIAL.
1. A remessa oficial deve ser conhecida, visto que, concedida a segurança, ainda que em parte, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição, consoante o § 1º do art. 14, da Lei nº 12.016/2009.
2. Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
4. Segundo o Anexo 14, da NR-15 do Ministério do Trabalho, a exposição do trabalhador a agentes biológicos tem sua intensidade medida a partir de análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade do labor. Independentemente do PPP revelar a que concentração se deu a exposição, houve o contato habitual e permanente aos agentes biológicos. Sendo assim, é considerado especial o trabalho desempenhado, de forma habitual e permanente, em ambiente contaminado por agentes biológicos, nos termos do item 3.0.1 do Anexo IV, dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99.
5. Emerge dos autos que o INSS não reconheceu a especialidade do labor desempenhado pelo impetrante no período de 1.4.2014 a 20.9.2019, embora o PPP carreado aos autos, regularmente expedido, faça prova de que, em tal lapso temporal, o impetrante ficou exposto a agentes nocivos reputados nocivos pela legislação de regência.
6. Somando-se o período reconhecido administrativamente pelo INSS com o reconhecido neste writ, constata-se que o impetrante soma mais de 25 anos de exercício de atividade exclusivamente especial, o que autoriza a concessão da aposentadoria especial vindicada, na forma delineada na sentença.
9. Remessa oficial desprovida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à remessa necessaria, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
